O que pode ser pior do que ter construído um estádio de futebol para setenta mil pessoas que custou um bilhão e meio de reais?
Impedir que o povo vá ao estádio para ver futebol.
Psra quem não conhece, o estádio Mané Garrincha fica exatamente no centro de Brasília, numa avenida chamada Eixo Monumental. Ela é, literalmente, o corpo do avião que é Brasília. Acesso facílimo, perto da Rodoviária, de onde partem todos os ônibus do caótico sistema de transporte público que atende a população da Capital.
O estádio é simplesmente espetacular. Mesmo dos lugares mais altos, você tem a sensação de estar quase sobre o campo. Completamente diferente dos outros estádios aos quais já fui. Uma acústica sensacional. Tudo de bom (graças a Deus, pois poderiam ter gastado a mesma fortuna num Engenhão da vida – horroroso!)
Quando terminou a Copa do Mundo, achei que fossem colocar os jogos do Campeonato Brasiliense para acontecer no estádio, entregue às traças. Seria uma forma de ajudar a ressuscitar os times da cidade. Engano. As partidas do certame local aconteceram nos estádios (campos, melhor dizendo) dos times, em locais distantes do centro da cidade; longe, portanto, do grande público.
Para minha felicidade, os dois jogos finais, entre Gama (o maior time da cidade) e Brasília, foram no estádio. Ambos marcados para os sábados, 26/04 e 02/05, às 16:30h. Por implicância natural das coisas, cheguei em Brasília no sábado, dia 26, à noite. A tempo de perder o primeiro jogo da final de Brasilia, e o primeiro jogo da final do Rio, domingo à tarde. Um espetáculo de horário de vôo. Passagem comprada em promoção a inacreditáveis 60 reais. Trocar teria sido um desastre financeiro. Não estou podendo. Lástima.
Sábado passado, as circunstâncias conspiraram a favor. Como não tinha certeza de poder estar lá no Mané, não comprei o ingresso antecipado, de 20 reais no anel superior. Zap zapeei então para o Jácome, que estava no estádio, se havia venda nas bilheterias. Sim, e estava vazio.
Pois bem, às 15:40h eu chegava à fila para compra do ingresso. Umas, sei lá, 500 pessoas, vestindo camisas de todos os clubes que você possa imaginar, esperavam animada e pacificamente para comprar seu ingresso e ver o jogo. Cheguei cinquenta minutos antes do horário. Fiquei batendo papo com um santista atrás de mim na fila.
Quatro e trinta e dois e ouvi, da fila, o urro inconfundível do começo do jogo vindo de dentro do estádio. Ainda deviam ter umas duzentas pessoas na minha frente. E, claro, um bololô no começo da fila provocado pelos espertos. Para minha surpresa, com o jogo já começado, a fila seguia crescendo, e estava ainda maior do que quando cheguei. E essa fila era apenas para a compra de ingressos. O público entrava no estádio aos montes.
Reparei então em algo que não notei em nenhum dos jogos da Copa. Não foram construídas bilheterias no estádio. Elas simplesmente não existem. Como na Copa todos tinham seus bilhetes, esse pequeno detalhe passou despercebido.
Só havia então uma única bilheteria, numa tenda armada, dessas alugadas, pois repito, para você acreditar: não existe bilheteria no estádio Mané Garrincha.
Vinte minutos depois a fila tinha diminuído muito sua velocidade e eu e os outros cerca de 500 otários continuávamos ali esperando pra entrar. A fila não havia diminuído. Continuava a chegar gente. Então surge um cidadão educadamente berrando que haviam se esgotado as entradas de 20 reais. Sobravam apenas as entradas de 50 reais, para o anel inferior.
Sou louco, mas não maluco. Claro, desisti. Eu e quase metade da fila. 50 cascalhos para entrar num estádio com mais de meia hora de jogo e assistir uma pelada? De forma alguma. A história dessa minha tentativa já valia como testemunho da falência nacional da instituição futebol.
Mas, para minha surpresa, ainda havia mais a ver. Na torre de TV, ponto turístico de Brasilia, a cinco minutos a pé do estádio, vi de perto um bando de meia dúzia espancar um sujeito com a camisa do Gama para rasgar-lhe a camisa. Ao fim, um sujeito tonto e todo lanhado viu seus agressores correr em direção ao Palácio do Planalto. Polícia? Nenhuma. Tudo que de ruim acontece num grande centro do futebol.
Cerca de 25.000 pessoas assistiram o jogo. No estádio cabem cerca de 70.000. Perto de metade desses lugares, ou seja, uns 35 mil, ficam no anel superior, cujos ingressos custavam 20 reais e esgotaram-se.
Como podem ver, a conta não bate.
As pessoas queriam ver o jogo e não conseguiram por incompetência dos (des)organizadores do espetáculo. Gasta-se mais de bilhão num estádio para 70 mil e apenas 25 mil assistem a partida mais importante do ano no futebol local porque subdimensionaram o público interessado na partida.
Há 20, 30 anos, 120, 150, 180 mil pessoas compravam ingresso nas bilheterias do Maracanã – na hora da partida! – e lotavam o estádio para assistir a um jogo. Hoje, em 2015, consideram inseguro colocar 78 mil. Pior, não conseguem mais vender com tranquilidade e calma ingresso para 56 mil pessoas, como no Maracanã, ou pra míseros 25 mil, como no sábado do Mané Garrincha. Gente dorme na fila, site cai, cartão não é aceito, pedido negado vai adiante, acaba o ingresso. É a involução do futebol.
Essa minha epopeia precede por duas semanas o próximo jogo no Mané. Estava satisfeito de ir assistir o Flu contra um dos melhores times do país no momento, o Atlético Mineiro. Até descobrir o preço: cento e sessenta reais o ingresso mais barato. Meia entrada a oitenta contos. Como não sou estudante de absolutamente nada, teria de desembolsar inacreditáveis 160 reais para um jogo de futebol de início de campeonato. Só para simples comparação, teremos ingressos para as Olimpíadas por 70 reais – a inteira.
Ainda comparando, com 160 reais você se senta num rodízio de carnes e se enterra de comer, certamente assistindo o jogo com todo o conforto enquanto enche a pança, o rúmen e o folhoso.
Não importa de quem seja o mando de campo. Cobrar este valor pela entrada mais barata em um estádio de futebol, na atual situação das coisas, é um escárnio com o torcedor. É querer mesmo acabar com o público amante de futebol.
A solução para essa indecência seria uma só: boicotar o jogo. Deixar o Mané Garrincha entregue às moscas e à ganância de quem quer enriquecer às nossas custas. Mas, infelizmente, os apaixonados vão gastar as calças e acompanhar os seus times amados. Não temos a cultura do boicote. Não temos união pra isso. Ainda.
Abraços.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: zac