A galeria do amor (por Alva Benigno)

alva benigno green

Chiquinho tem vivido dias de contradição. Alegre por demais com o golpe travestido de mecanismo constitucional, por outro lado crê que a nova guarda é insegura, trêmula, sem a força necessária para aplicar o verdadeiro choque de ordem tão necessário ao País, já que Temer não é Médici. Chega de comunistas de merda: é hora dos liberais de corpo e alma, quase uma autorreferência.

Queria ir ao jogo, mas não com a gentalha das arquibancadas de Volta Redonda, fedida e desprovida da estirpe tricolor segundo sua caótica visão de mundo. Por ele, todos estariam proibidos de entrar nos estádios, uma gente sem sobrenome, sem berço, capaz até de incomodar Lucrécio, um feioso efeminado aspirante a escritor de futebol que, respeitando-se as fantasias da alma, atiça-lhe os instintos mais primitivos. Coisas do sexo sem fronteiras.

Assim sendo, não foi para o Raulino. Preferiu ver o jogo sozinho, em casa, usando seu indiscreto robe grená e bebendo on the rocks. Poderia ter ido ao clube mais cedo, talvez para pegar uma sauna gostosa, mas o sábado lhe consumia como chama à vela acesa. Para piorar, enfrentando um time de paraíbas. Quanta cafonice! Simultaneamente, seus princípios excludentes se chocam com o interresse de poder andar logo de VLT no Centro do Rio: ele quer sentir o veículo cheio, de modo a perceber em si as roçadas masculinas que tanto aprecia no metrô, a ponto de se submeter ocasionalmente à Linha 2, sempre cheia e, por isso, convidativa às insinuações físicas que Burle Marx adorava em Pecadópolis.

Perturbado por seus delírios homoeróticos permanentes, obcecado pela misoginia e não reconhecendo em terceiros o direito às três cores, entendendo que as mesmas não podem vestir gente do povo, apertou um poderoso becão para tragá-lo durante o primeiro tempo. Irritou-se com os populares que surgiam à tela incentivando o Fluminense, mas logo seu fascismo tupiniquim sossegou. Estava absolutamente sozinho quando começou a noite de sábado, sentado na cama e vendo a partida em sua TV de 60 polegadas, trazida por um funcionário que ele chama de criado, numa ocasião de roubo de um caminhão cheio de eletrodomésticos. A única coisa que importa no homem é a contradição.

Ficou nervoso com o gol do Santa Cruz mas não disfarçou para si mesmo que Grafite, o atacante adversário, mexeu com a linearidade sentimental de seu ventre. Achava que ele bem podia ser um soldado da PE, um guerreiro do Bope, um cowboy dos velhos tempos da Galeria Alaska – e ele mesmo, Chiquinho, pode ter sido um personagem de inspiração para os versos de Agnaldo Timóteo nos anos 1970, para a canção “Galeria do amor”: “Numa noite de insônia saí/ procurando emoções diferentes”. Por um instante, voltou ao passado: pensou na boate Katakombe e no famoso espetáculo “Gay Fantasy”, estrelado por Rogéria, a sua Liza Minelli undercover.

Valente, o Fluminense sofreu o revés em Volta Redonda, mas imediatamente virou o jogo. Chiquinho chegou a comemorar os gols, embora preferisse em seu íntimo que tivesse sido marcados por homens brancos de bem, daqueles que sempre povoam seu imaginário. A contradição invade sua alma 24 horas por dia, sem trocadilhos. No fim, o Tricolor foi novamente garfado e, se não havia jeito de garantir a vitória nem de banir a tal gentinha do estádio, o que sobrou foi admirar discretamente na TV a estampa de Grafite, que mexia profundamente com sua educação moral e cívica, mas também com sua intimidade conturbada: parecia-lhe o segurança dos sonhos, perfeito se pudesse estar ali e tirar-lhe o robe, depois fazendo-lhe uma massagem com creme Nívea e, depois, surrando-lhe com total virilidade até que a jorra do amor lhe alagasse num romance privado e respeitoso. O artilheiro fez um gol de pênalti e ali estava outra contradição: mesmo sendo prejudicado como torcedor, para o personagem chiquínico o que é roubado é muito mais gostoso.

Terminado o jogo, chegou a hora de voltar para o armário: um jantar na Fiorentina do Leme (como convidado 0800) estava marcado, com Dr. Olavo, seu afilhado Max e também o casal Pereira de Paula. Pessoas brancas, de bem, segundo seu fascismo social. Era preciso vestir novamente o personagem da macheza, aparentar o que não é, sorrir com ódio por dentro mas também, muito discretamente, admirar de esguelha os garçons do famoso restaurante. Um macho fascistoide sempre atormentado com as palavras de Oscar Wilde: o amor que não ousa dizer seu nome (nem morta com farofa), o que não é de hoje nem nunca será.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: alva

laranjeiras red