A descontinuidade tricolor (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, foi uma jornada decepcionante na noite de ontem. Que merecia mais, haja vista eu ter abandonado a muvuca para pela primeira vez assistir a um jogo do Fluminense ao lado dos amigos panorâmicos Paulo, Edgar e González no camarote do Maracanã. Acabou valendo tão somente pela resenha de alto nível, porque o jogo…

A primeira má notícia veio com a leitura da escalação. Depois da brilhante vitória sobre o Galo na quarta, mas agora sem Ganso, Diniz escala William Bigode em sua substituição. A gente não pode criticar as escolhas de Diniz em nenhuma das partidas recentes. Afinal, o Fluminense fez 10 a 1 no Oriente Petrolero, venceu o Fortaleza mesmo sendo dominado em um gramado terrível, perdeu para a Dissidência jogando muito melhor que eles, perdeu para o Juventude uma partida que foi qualquer coisa, menos futebol, e deu aquele passeio no Galo, atual campeão brasileiro.

No jogo de ontem, ao contrário, temos todo direito e propriedade para fazer uma crítica severa às escolhas do melhor treinador do Brasil. Assim como temos toda razão de nos preocuparmos com os fatores que motivam essas escolhas, que são reprodução do que já temos visto nos últimos anos.

Sim, Diniz repetiu o 4-2-4 da partida contra o Oriente Petrolero, aquela mesmo do 10 a 1. E a impressão que eu tinha antes daquele jogo era de que o treinador havia enlouquecido, abrindo mão do meio de campo. Aconteceu, no entanto, que o time boliviano, já desfalcado, se atirou como um rato à ratoeira em busca de um queijo envenenado. Jogou com linhas adiantadas, tentando pressionar nossa saída de bola, tendo, como consequência, uma série de bolas nas costas que culminaram, já com 16 minutos do primeiro tempo, numa enxurrada de quatro gols sofridos, sem, em momento algum, se darem conta da estupidez que era a forma como jogavam.

O Atlético GO não é o Oriente. Tem um time organizado, que sabe explorar os contragolpes em velocidade e exerce uma marcação muito bem feita, o que exigiria de nós um trabalho qualificado a partir do meio de campo, com o que William não contribuía em nada. Porque não faz sentido você trocar um jogador como Ganso, que é o centro gravitacional da equipe, por um cara que não é meia e que não nos deu uma explicação, até hoje, para ter tanto prestígio, primeiro com Abel, agora com Diniz.

O jogo era equilibrado até os 20 minutos, com Cano perdendo uma oportunidade inacreditável dentro da pequena área, depois de grande jogada de Luiz Henrique, e Fábio evitando o primeiro gol do Dragão em jogada construída pelo lado defensivo ocupado por David Braz e Cris da Moldávia. Então, acontece o contragolpe e David Braz, em vantagem na corrida, acaba superado pelo adversário. De forma inconsequente, usa o braço para deslocar o atleta do Atlético, fazendo uma falta até mesmo desnecessária, porque ainda podia continuar na disputa, e é expulso. Ali estava decretada a nossa sorte, lembrando que David Braz já vem comprometendo há muitos jogos.

A questão é que as circunstâncias das últimas partidas têm concorrido para esconder esse problema. Assim como têm concorrido para sustentar a escolha de Wellington para atuar no meio com Ganso e André, o que é um risco, pois, principalmente defensivamente, dependemos muito dos pulmões de André, que até mesmo ontem, em meio àquela tragédia, conseguiu fazer grande partida. Ele e Luiz Henrique, com destaque, também, para Arias e John Kennedy, que fez um salseiro danado na defesa do Atlético e quase conduziu o Fluminense a um empate que seria injusto para ambos os lados.

Acontece que Diniz, vendo o Fluminense com menos um em campo, levou nove minutos para fazer uma substituição que recompusesse a nossa defesa. Fê-lo, depois de muito custo, com Felipe Melo no lugar do combalido William. Ora, amigas, amigos, se você tem menos um em campo, qual o sentido de colocar um jogador de quase quarenta anos de idade? Vão dizer que Felipe Melo não comprometeu individualmente. É verdade, mas ficamos com um sistema defensivo lento, sendo cada vez mais empurrado para trás. Para piorar, o jogador do Atlético acerta um tiro espetacular de fora da área para abrir a contagem.

A desorganização do Fluminense em campo era visível. Mas foi no momento em que ameaçávamos uma reação que essa desordem produziu o tiro de misericórdia. Fábio já havia evitado pelo menos dois gols do adversário quando uma bola é metida nas costas de Árias, que não consegue acompanhar Rato, que fulmina nosso goleiro, aumentando a vantagem para dois. Reparem que Árias estava fazendo a última linha, enquanto Cris Silva saía para dar combate no homem da bola no meio. Aí, amigos, amigas, é a casa da mãe Joana.

Fábio foi responsável por termos escapado de uma goleada humilhante no Maracanã, fazendo pelo menos mais duas grandes defesas no segundo tempo, período em que o Atlético continuou muito melhor no jogo, explorando bem a vantagem numérica em campo. Até que nos minutos finais, com Felipe Melo jogando como único defensor, o Flu foi para o tudo ou nada, com a entrada de JK, Caio Paulista, Nathan e Alexandre Jesus, que não sei de onde ou de que concepção sui generis surgiu em campo.

Foi o nosso melhor momento do jogo, com uma pressão incrível na defesa atleticana, com direito até a bola na trave e grande defesa do goleiro deles, lances que poderiam ter, assim como o gol inacreditável perdido por Cano no primeiro tempo, mudado o desfecho da contenda. Não mudaram e isso foi justo e didático. Só o Atlético mereceu vencer, assim como as escolhas de Diniz entraram com força na nossa pauta.

Podemos ter um meio melhor com Martinelli, Nonato ou Nathan entrando no lugar de Wellington. Braz merece um banco, porque é inferior, nesse momento, a Nino, Manuel e Lucas Claro. William não é opção para nada. Se Diniz queria jogar com quatro atacantes, que optasse por JK ou Caio Paulista, no primeiro caso para termos imposição técnica, no segundo, para termos um jogador que se apresenta aos meias para tentar arrastar a marcação adversária e levar a bola ao ataque.

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Matheus Martins, com três gols em dois jogos da Seleção Brasileira Sub-20, é a prova viva de que temos elenco para acreditar em um desfecho muito bom para a temporada, mas isso passa pela remoção definitiva do vício nas más escolhas.

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Termina o jogo, parte da torcida ensaia uma vaia, abafada por outra parte da torcida que entende que o deplorável espetáculo merece reverência. Uns vaiam, outros cantam e começa aquela guerra, com direito até a troca de sopapos.

A minha reação é só de silêncio e apatia. Afinal de contas, como diz o Edgar em sua coluna, parece que o Fluminense corre para não chegar. Quando temos a possibilidade de encostar no G-4 e nos líderes, vem uma derrota inesperada como a de ontem. É o Fluminense da descontinuidade, algo experimentado regularmente nos últimos anos, mesmo com resultados mais dignos nas temporadas.

Embora eu considere que meu silêncio era a melhor atitude, respeito quem achou que o time merecia vaia, assim como respeito quem preferiu aplaudir. Afinal de contas, todo mundo paga seu ingresso e tem o direito de reagir ao espetáculo da forma como achar justo. O que não é justo nem racional é as pessoas se agredirem porque um não concorda com o que o outro acha certo ou errado. Isso é não respeitar o outro e contribui para afastar torcedores do estádio. E o pior é que isso vem sendo uma constante na torcida do Fluminense há anos.

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Volta de Ganso e Nino contra o América MG. Precisamos retomar nosso jogo e fazer uma grande exibição. É possível? Na verdade, é até provável. Mas a gente precisa de continuidade e isso passará pelas escolhas de Diniz, que precisam seguir a lógica, que precisam estar baseadas na premissa óbvia de que os melhores têm que estar em campo.

Saudações Tricolores!