Sobre o Dia dos Pais (da Redação)

ENTRE O SILÊNCIO E A GLÓRIA
Paulo-Roberto Andel
Panorama Tricolor
Cantinho do Laranjal
10/08/2025

A história da minha vida com meu pai talvez me desse meu melhor livro, mas provavelmente jamais o escreverei. Há coisas para serem lidas, outras “apenas” vividas e por aí vai. Independentemente das questões comerciais, hoje é o dia em que todos falamos de nossos pais.

Minha relação com ele nos momentos pacíficos era marcada basicamente pelo silêncio, como se tudo estivesse devidamente ensaiado. Por exemplo, comecei a ler e a escrever sozinho não à toa: sem dizer uma palavra, ele me cercava de livros, revistas e jornais pela casa. Quando minha mãe tomou um susto com aquilo, me levou para a escola.

Nossos grandes momentos estão centrados em dois lugares: Copacabana e Maracanã. Minha primeira imagem do grande estádio é no fim de uma partida, com as luzes se apagando, provavelmente um 0 a 0 em 1974. E tanto nas maravilhosas idas para os jogos do Fluminense quanto nos passeios pelo bairro maior, lá estava a marca do silêncio. Eu nunca tinha certeza do que ia acontecer; de repente, bastava um estalo e a ordem para que eu tomasse banho – o sinal evidente de saída e glória, certamente premiada com algum pequeno presente ou lanche.

Em Copacabana, o dia dos passeios era sábado. Andávamos geralmente por metade do bairro, às vezes para o Leme e outras para o Posto Seis. Era uma caminhada geralmente silenciosa, que só fui entender mais tarde. E nos embrenhávamos geralmente pelas ruas menos conhecidas, com exceção da Avenida Atlântica com o futebol de praia a mil.

Domingo era o dia dos deuses. Acordava, descia à padaria e trazia os jornais. O Fluminense prometia no Maracanã. Víamos os jogos das 11 horas na Band, o Conversa de Arquibancada, o programa Gol!, tudo ali juntos mas em silêncio só quebrado pela Bolinha Mãe. Eu ficava pensando “será que a gente vai no jogo?”, e então acontecia um grande mote: ele pedir para eu comprar lasanha (sempre na Trattoria Torna) ou o frango assado na padaria. Depois entendi: era comida pronta, rápida para almoçar e sair para o futebol. Mas ele não dizia nada antes, até que perto de comer… “Paulo, aproveita e toma banho logo”. Não precisava acabar a frase: eu já estava navegando nas estrelas. Até o Maracanã a gente levava uma hora de ônibus, num passeio belo por um Rio que infelizmente não existe mais.

Nossa grande parceria foi de 1974 a 1982, mas intensificada a partir de 1978. Quatro anos a mil. Em silêncio, vimos juntos as jogadas geniais de Robertinho, Cláudio Adão e Zezé, os passes de Deley, a garra infinita de Edinho, os gols de Nunes e Fumanchu, a categoria de Pintinho, a elegância de Wendell, as maravilhosas defesas de Paulinho Goulart nos pênaltis, o gol de placa do Cristóvão, as preliminares eternas, o Maracanã com cento e tantas mil pessoas, a nuvem gigante de pó de arroz que durava minutos entrecortada por dezenas de bandeiras, tudo isso onde o Fluminense, com “apenas” sessenta e poucos anos, escrevia novas e poderosas páginas do nosso futebol. Quatro anos tão intensos que me serviram de combustível para quase meio século a seguir, longe da felicidade eterna mas dentro de uma vida muito vivida.

Tudo tem que passar, cada um tem seu tempo e muitas vezes a gente só entende o que passou lá na frente. O silêncio da casa hoje é muito diferente do de 1979 ou 1980. Não há mais jornais nem grandes compras de padaria, nem a lasanha da Torna. Ficaram os botões e muitas lembranças, muitas. Aquela bagunça que eu fazia com os livros e as revistas teve seu merecido troco: o sobrenome Andel (e figuradamente o nome Helio) está em dezenas de livros sobre o Fluminense. Pensando bem, talvez aquilo tudo tivesse sentido até agora: o silêncio de pai e filho foi pavimentando um amor inesquecível e único sobre o nosso time. Só lamento não poder vivenciar tudo aquilo da infância de novo, mas não se pode ganhar todas: só se vive uma vez.

Eu ainda espero de algum lugar aquele chamado para ir ao Maracanã.

@p.r.andel