O novo sempre vem (por Paulo-Roberto Andel)

A gente só queria saber de Carioca. Os jogos eram divertidos demais. Cada sufoco na Ilha, na Bariri, no Ítalo Del Cima. Os clássicos abarrotados. Quando não tinha, o jeito era o Brasileiro. Eu sei, pode parecer inacreditável mas era assim nos anos 1980.

O Flu recebeu o Cruzeiro no Maracanã. Jogo importante para o time se firmar rumo à classificação para a próxima fase. Choveu, choveu demais. Eu sei que fizemos uma exibição de gala e ganhamos por 4 a 0. Saí muito feliz do Maracanã, eu e meu amigo Floriano Romano, hoje um artista consagrado nacionalmente com instalações sonoras e… flamenguista. Era assim nos anos 1980: um garoto que gostasse de futebol tinha que ver no estádio. E amigos eram amigos até em jogo do adversário.

A gente ganhou, se classificou, avançou e foi encarar o Grêmio. O Maracanã estava cheio. Nós fizemos 1 a 0 no começo do segundo tempo, mas eles empataram num golaço e viraram perto do fim do jogo. Caímos. Foi uma noite dura. O Fluminense nunca esteve tão perto das semifinais desde 1976. Não deu. O bom do futebol é que quando você desaba, logo na frente tem a chance de se reerguer – e nós, que saímos desolados daquela noite no Maracanã lindo, logo voltaríamos aos nossos melhores dias. Demorou um pouco, um ano e meio, que é muito para um garoto mas nada para os adultos – onde será que estão os tricolores adultos que urraram com o primeiro grande gol do Assis, e que meses depois urraram com o Brasileiro sobre o Vasco? Tá, a gente sonhava com o Carioca, mas o Nacional era bom demais.

[Não falávamos de Libertadores. Não tinha a menor importância. Copa do Brasil? Não existia. Sul-americana? Pffff.

[Não há como explicar o que eram aqueles tempos para quem não os viveu. Só sentindo na pele uma colossal nuvem de pó de arroz, cortada por dezenas de bandeiras gigantescas e uma esperança, um sentimento, uma união que raras vezes se voltou a ver. Eu falo de um tempo em que tricolor abraçava tricolor pela própria natureza, tudo muito longe de um cartel de picocelebridades exóticas, quase burlescas, que aparecem pelo narcisismo e não pelo conteúdo. Que se consideram realmente muito famosas e importantes, mas se parecem mais com personagens caricatos de velhos programas de humor.

O passado sempre será importante. Só os idiotas desprezam a história ou tentam editá-la. Contudo, estamos no século XXI, onde estádios são arenas, a festa é o mais importante de tudo e, depois de 15 anos, o Fluminense tem a grande chance de se recuperar de uma estrondosa injustiça, a de 2008.

[Não foi tão rápido quanto de 1982 para 1983, mas também os garotos de dez ou doze anos agora são cinquentões ora românticos, ora céticos.

E como tudo mudou, quase ninguém liga pra esse jogo de logo mais. Num estranho compasso, o Flu deu uma bicuda no Brasileiro há tempos. É compreensível, pois 99% dos tricolores só pensam na Libertadores. A grande questão é que precisamos estar prontos para tudo, porque não são apenas três jogos como muitos dizem, mas duas decisões para chegar a uma terceira. E não é fácil, não é nem um pouco fácil, mesmo que uns e outros nos apontem algum favoritismo. Em decisão, o favorito é quem ganha no fim.

Então tá. Estamos a uma semana do all in em busca do topo do mundo. Os ingressos estão esgotados. Os tricolores vivos e mortos só pensam na Libertadores. Mas no fundo, no fundo, bem no fundo, a gente precisa torcer muito, a gente quer e pode ganhar o que tanto espera, mas devemos também estar preparados para tudo.

Tudo.

É que o futebol é incerto. Não é ciência exata. Não é garantido de véspera. Daí certa prudência.

O que une os garotos entristecidos de 1982 aos felizes de 1984 é, de certa forma, a mesma coisa de quem chorou muito em 2008 e sorriu como nunca em 2010, mas ainda carrega um vazio daquela noite dos pênaltis. A gente tropeça, dói, levanta, segue em frente e abraça a felicidade, nem que seja só um pouquinho.

De toda forma, os cinquentões de 2023 vão ficar de olhos atentos logo mais. É que os garotos de 1982 sabem que não é fácil golear um grande clube, como foi daquela vez contra o Cruzeiro, pouco importando o momento de cada um. Muitos deles ainda carregam os versos de um grande poeta tricolor, Antônio Carlos Belchior, que se encaixam tão bem nos dias tricolores deste setembro.

“Mas é você que ama o passado/ E que não vê
É você que ama o passado/ E que não vê
Que o novo sempre vem.”

Foto: @p.r.andel