Neil, um escudo nosso (por Paulo-Roberto Andel)

Há muito tempo, o genial Nelson Rodrigues sentenciou que os tricolores podiam até gazetar os jogos mais simples, mas que nos momentos decisivos vinham com tudo para abarrotar o Maracanã. E os garotos em fins dos anos 1970 e começo dos 1980, até bem depois, cansaram de ver o Fluzão jogar com grandes e minúsculos públicos. Alguns cresceram e continuaram indo a todos os jogos possíveis, pouco importando o “valor” das partidas: simplesmente iam e pronto, sem qualquer autopromoção. Eu conhecia muitos assim, alguns amigos e outros de vista. Para mim, todos eram escudos ambulantes do Fluminense, que você sempre ou quase sempre via no estádio, e que davam um ar de familiaridade à arquibancada do pó de arroz imortal. É o caso do personagem desta coluna.

O maior grupo vocal da história do Brasil se chama Os Cariocas. Artífices de música impecável, aplaudida pelo mundo. Eu gostava desde garoto, inspirado pelo meu pai e posteriormente pelo meu amigo Bolinha, também um grande fã da banda. Na era da internet, a partir dos anos 1990, passei a me comunicar com eles por e-mail e pessoalmente no começo dos anos 2000, ao cumprimentá-los na saída de dois shows em Niterói. Quem respondia os e-mails era Neil Carlos, baixista da banda, e logo ficamos amigos. Aí então surgiu o amálgama que nos trouxe até aqui: um descobriu que o outro era Fluminense, o que nos juntou para sempre.

Não sei dizer quantas vezes nos encontramos no Maracanã. Mais de cem, com certeza, a maioria em partidas corriqueiras, onde o grande lance era o prazer de ver o time de coração. Nas finais todo mundo quer ir, a graça é ver os jogos que a maioria despreza. Lá estivemos muitas e muitas vezes, assim como eu continuei a ver Neil em ação com o Quarteto do Rio, também impecável com Freixo, Hernane e Elói. Enfim, fiz um amigo por causa da música mas o Fluminense, força da natureza que é, tomou todas as nossas conversas. Tempos depois, seu filho Heitor o representou aqui no PANORAMA LARANJAL, sendo o mais jovem cronista desta casa ao lado de CH Barros.

Antes de nos conhecermos, eu e Neil vimos um filme de vinte anos do Fluminense: a Máquina, o timaço do tri, os anos de luta 1986-1994, o inesquecível 1995, o sofrimento 1996-1999 e, a partir de então, a reconstrução do clube. Já amigos, acompanhamos as semifinais 2001-2002, o título do centenário, o ano de 2005 com glória e decepção, a Copa do Brasil de 2007, a Libertadores, a agonia contra o rebaixamento 2008-2009 até a redenção com os Brasileiros 2010-2012. Depois, uma longa estiagem até o bicampeonato carioca 2022-23, a sonhada Libertadores e a Recopa. Ok, lembremos da Primeira Liga. Olhando para trás, foi um grande caminho mesmo com seus percalços.

Marcado pela elegante sofisticação, Neil foi querido por todos. Respeitadíssimo como artista e professor. Um gentleman. Ao Fluminense, ofereceu sua fidelidade permanente, até mesmo quando teve problemas de saúde. Um daqueles velhos escudos que até outro dia estava lá, daqueles que eu ficava procurando para me sentir mais familiarizado. De repente, ele foi para o lado de Alberto Lazzaroni, Fernanda Brito, Tato, Helio Andel, Dona Lourdes, Heleno e tanta gente que se foi antes do justo e razoável. São todos escudos do Fluminense, daqueles que eu continuarei perseguindo nas arquibancadas até que a minha ausência seja definitiva. Eu os procuro em todos os jogos, eu penso neles quando lembro de partidas até distantes. Eles estão na minha arquibancada e alimentam meus livros, minhas crônicas e meu sonho.

Neil é um escudo nosso, tenho certeza. Eu vi, eu vi muito. Eu o abracei muitas vezes. Continuarei abraçando, o Fluminense permite isso.

1 Comments

  1. As nossas saudades…futebol, amigos e ídolos, histórias que ficarão ckntadas pelas linhas mais belas. ⚽️

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