A perda da identidade tricolor II (por Paulo-Roberto Andel)

PARTE I – LEIA AQUI.

A atual gestão do Fluminense vive diversos paradoxos. Ao mesmo tempo em que se mostra como novidade, ela é cheia de nomes do passado tricolor, a começar pelo próprio presidente. Ao mesmo tempo em que ela representa uma breve volta ao brilho dos Estaduais com o bicampeonato 2022/23, além da conquista da esperada Libertadores, também é marcada por retrocessos e aberrações que podem custar muito caro ao clube, literal e emocionalmente falando. Agora mesmo vivemos outro paradoxo: embora esteja classificado na Libertadores 2024 (sem convencer), o Fluminense está na zona de rebaixamento do Brasileiro.

A seca de títulos e a euforia do ano passado têm levado alguns tricolores às raias do delírio psicodélico, comemorando notícias pagamento de salários (?), celebrando as maiores sandices sobre o equilíbrio das contas do clube e até mesmo praticando o negacionismo contábil, no caso do mais recente balanço tricolor divulgado – como sempre, com ressalvas que denunciam a má formação do documento.

Sempre foi possível torcer ardorosamente pelo clube e não deixar de criticar seus equívocos. No entanto, é estimulado o conceito de que quem é tricolor deve aceitar cegamente toda a pauta chapa branca, e qualquer torcedor bem informado sabe que essa mesma pauta é uma falácia.

Depois da pandemia, havia uma grande sede de volta aos estádios. Mesmo sem disputar títulos brasileiros, o Fluminense tem lotado muitos jogos nas últimas temporadas – e quando o público cai, podem ter certeza: há motivo. Claro, a calhordice que alimenta as redes sociais acaba apontando a torcida como responsável por eventuais fracassos do time, como se ela é que estivesse em campo.

Seguindo o modelo estapafúrdio de desprezar jogadores da base para contratar veteranos com rendimento discutível, mas salários absolutamente polpudos, o Fluminense conseguiu disfarçar essa política por causa de alguns poucos jovens, todos decisivos na campanha da Libertadores 2023: André, Martinelli e John Kennedy, apoiados por Arias e Cano – este, veterano, mas ainda em grande forma. O título tão sonhado serviu de muleta para sustentar uma tese no mínimo contraditória: enquanto os times mais fortes do mundo buscam equilibrar seus elencos com cada vez mais energia e juventude, o Flu foi pelo caminho contrário e aumentou a média de idade do elenco. Como o tempo atlético cobra a conta em curtos intervalos, não é surpresa entender que o que nos servia há seis ou dez meses perdeu a força. O Fluminense está lento, envelhecido, em slow motion.

O exotismo das teses, muitas vezes bombardeados por influenciadores digitais repetindo um discurso delirante sabe-se a troco de quê, é comprado por muita gente que, por ingenuidade ou mesmo ignorância, não consegue entender que poderíamos ter vencido a Libertadores sem aumentar o rombo do clube em mais de 100 milhões. Nem que é um absurdo vender Jetfé por 2 milhões para contratar Cris Silva e Guga por quase 10 milhões – sem expectativa de retorno financeiro. É bom que se diga: em recente correspondência enviada aos sócios, o próprio presidente admitiu que a conquista da Libertadores veio antes do esperado – ou seja, o elenco caríssimo não foi montado com o intuito de ser campeão. Durma-se com um barulho desses.

A velha combatividade tricolor está temporariamente substituída por um misto de crendice e empáfia, onde tudo está sendo feito de maneira maravilhosa quando é sabido que o Fluminense tem problemas gravíssimos de ordem financeira. Vários fóruns já deveriam ter se mobilizado diante de tal calamidade, especialmente os sócios proprietários que, por fim, assumem as contas em caso da inaceitável, mas possível, insolvência do Fluminense, conforme determina o estatuto do clube. No entanto, entre esses mesmos sócios, há quem defenda a ressalva de mais de 200 milhões de reais no balanço, a começar por um paspalho que, expulso do PANORAMA há anos por incapacidade de convívio social com colegas da equipe, tem como pauta no grupo de WhatsApp destes mesmos sócios uma série de mentiras sobre a nossa equipe e o nosso trabalho – e aqui se vê um caso típico da baixa política do Fluminense: ataques pessoais contra os que não se alinham à gestão de seu coração e emoções diferentes.

Recentemente, as contestações justas sobre as barbaridades do balanço tricolor causaram muito mal estar na base “política” da atual gestão. O que queriam? Que todos se calassem diante de um mar de mentiras, que só engana ingênuos e ignorantes sobre o assunto?

O torcedor comum é tratado como lixo sem reciclagem. O auxiliar técnico do time já desafiou torcedores na arquibancada, o treinador obtuso já teve a coragem de culpar a torcida por insucessos do campo. Jogadores já enquadraram torcedores; depois não entendem porque perderam idolatria…

O resumo é simples e direto: mesmo que venham os hoje, hoje, improváveis títulos, o Fluminense está sendo trucidado a ponto de que, daqui a algum tempo, seja feito o anúncio calhorda de que tudo estará perdido se não for aprovada imediatamente uma SAF que, claro, estará alinhada com os objetivos empresariais particulares que hoje cercam o clube e o põem em xeque dentro de campo, com escalações inusitadas e preferências fora da lógica, tudo em nome de minutagens e bônus…

Quem se preocupa com o futuro do Fluminense precisa começar a agir já, antes que seja tarde demais. E para quem acha que está tudo bem porque ganhamos a Libertadores e a Recopa, basta se lembrar de 1996. O Flu tinha ganho o título imortal de 1995 e fez uma campanha espetacular no Brasileiro. Entrou 1996 achando que ainda estava na temporada anterior… E deu no que deu.

Seguimos torcendo, mas não nos peçam para sermos marionetes. Não somos disso.