O Flu do mundo (por Paulo-Roberto Andel)

Desde o dia em que virei Fluminense até este oito de julho, escorreram 52 anos. Muita, muita coisa. Todos os sentimentos, todos os amigos e amores, jogos, gols, celebrações, decepções. O futebol é a própria vida, só que em volta de um campo.

Nos piores momentos da minha vida, e não foram poucos, o Flu foi minha única alegria. Por sua vez, quando ele precisou eu também estava lá. Temos uma boa parceria.

Neste, que é um dos maiores dias da história do clube, todo o passado parece um grande filme.

Não dá pra prever o que vai acontecer em campo, mas uma coisa é certa: ao ficar entre os quatro do mundo, o Fluminense ficou de bem com sua própria história.

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Seis da manhã e o céu é um breu enorme, frio. Os trabalhadores já se movimentam por toda a cidade. Os corações tricolores ficam mais apertados. Estamos em todos os lugares.

Onde será que estão todos os meus queridos tricolores mortos? Estão mais vivos do que nunca? Quem sabe dizer ao certo? A gente sente alguma coisa inexplicável no ar. Parece que todos estão numa grande torre de vigia a celebrar o Fluminense. Meus pais, João Carlos, Neil, Tato, Fernanda, são muitos nomes. Em 50 anos a gente perde muitos queridos, mas ainda estamos aqui para testemunhar a história.

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O Fluminense entra em campo com seu time bravio e mais 123 anos de futebol nas costas. Essa é uma estrada de grandes pedras esculpidas pelo caminho. O goleiro Waterman foi uma muralha. Oswaldo Gomes, um aríete que garantiu a sobrevivência do clube. Depois, tivemos o demolidor Welfare. E Laís e Chico Neto. Foi Barthô quem garantiu o 3 a 2 imortal do primeiro Fla x Flu, um placar que se mistura com a nossa própria história. E quando veio a primeira Copa do Mundo em 1930, o primeiro gol foi de Preguinho enquanto nosso goleiro Velloso era uma garantia.

O que dizer do monstruoso Marcos Carneiro de Mendonça, goleiro pioneiro da Seleção Brasileira, ídolo, sex-symbol que enlouquecia as torcedoras, campeão no campo e na presidência?

O que dizer de Arnaldo Guinle, o maior de todos?

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O Fluminense, antes de tudo, é uma longa história. É cinema e literatura. É um épico centenário: há 100 anos, já distribuía pelo país os paradigmas do futebol. Inventou o campo, a arquibancada, a torcida, o campeonato carioca, a federação e a Seleção Brasileira. Ganhou títulos imortais e, quando foi ferido de morte pelos rebaixamentos, foi uma fênix. Encantou o Brasil e o mundo. As feras dos anos 1930 e 40 foram Romeu, Tim, Hércules, Brant, Batatais e, mais tarde, por um breve ano, o fenomenal Ademir Marques de Menezes. Nos anos 1950, fomos Castilho, Didi, Pinheiro, Telê e Waldo. Nos 1960 fomos Félix, Samarone, Denilson, Cláudio, Flávio. Nos 1970 fomos Máquina, mil vezes Máquina! Viva os meninos campeões de 1980 e o timaço tricampeão. Viva todos os times humildes entre 1986 e 1994 que lutaram muito para que o Fluminense tentasse o título! Viva 1995!

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No século XXI ganhamos títulos eternos e fizemos campanhas inesquecíveis como a da Libertadores de 2008. A Copa do Brasil, os Brasileiros, as grandes finais cariocas. Depois veio a estiagem, até que a partir de 2022 o Fluminense sentou praça na cavalaria. Vimos grandes craques, vivemos vitórias imortais, depois quase sucumbimos – porque o Fluminense vive no fio da navalha – e, numa recuperação fascinante, agora estamos no BIG4, entre os quatro maiores do mundo. A emoção é indescritível.

O que distingue o Fluminense de todos os grandes vitoriosos no futebol mundial é a sua humildade e humanidade. Enquanto tantos brindavam o caminho do título com absoluta empáfia, nós fomos desprezados e subestimados. Mas a nossa humanidade e humildade são justamente o fruto de uma longa história de protagonismo. E é por isso que estamos entre os quatro do mundo: nossa vocação não é a das manchetes, mas a das realizações históricas.

Lá atrás éramos Romeu, Tim, Carreiro. Agora somos o espetacular Jhon Arias, Martinelli, Thiago Silva, Fábio. Cano é ele mesmo e Waldo. Nós somos o Fluminense e não temos o que temer. Chegamos no alto do Everest, mas ainda podemos mais. Estão rolando os dados porque o tempo não para.

O teste do placar eletrônico deu 3 a 2 para o Flu. Claro que é uma brincadeira, mas como se esquecer de 2012, 1995, 1969 e até de 1912? As três cores da vitória já fizeram os ateus abraçarem milagres. Se é Fluminense, convém não duvidar.

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