Um Fla-Flu cheio de significado (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, tudo que o futebol do Rio de Janeiro tem experimentado nos últimos anos converge para o acirramento da rivalidade entre Fluminense e Dissidentes. Os Café com Leite, graças ao patrocínio das Organizações Globo, foram alçados ao posto de protagonistas no futebol brasileiro e sul-americano. O Prêmio Nobel do Esporte, graças ao esplendoroso trabalho feito em Xerém, sobrevive à mutilação do futebol carioca, que vem tragando Vasco e Botafogo de forma cruel.

Quando a gente olha com certo desdém para o Campeonato Fluminense de Futebol, esse mesmo, comandado pela Ferj, não é, efetivamente, um desprezo pela história da competição. O Rio de Janeiro, no futebol mundial, tem o peso de um país. Na história do futebol do Rio de Janeiro talvez caibam uma Espanha e uma Alemanha juntas. Razão pela qual o Campeonato Fluminense, outrora Campeonato Carioca, deveria ser mais respeitado.

Ao contrário, o que vimos depois da virada de mesa do tri em dois anos, no final da década de 70, foi o avanço do gangsterismo sobre a grandiosa competição, que tantas vezes reuniu multidões contadas com seis dígitos. Desde então, papeletas amarelas, ladrilheiros, torcidas organizadas orientadas para intimidar torcedores adversários e campeonatos decididos no apito amigo foram minando a credibilidade da competição.

Ao mesmo tempo em que a visão de rivalidade se expandiu para além das fronteiras fluminenses, com o fortalecimento das competições nacionais e a valorização, pelos clubes brasileiros, da Libertadores. E é nesse cenário que o Fla-Flu de ontem, um sábado à noite (vá tentar entender!) resgatou um pouco da mística dessa competição, como foi no ano passado.
E a razão para esse resgate atende pelo nome de Fluminense Football Club. Pois eis que passamos a semana reafirmando o favoritismo dos Dissidentes, atuais bicampeões brasileiros, com um time recheado de jogadores num patamar bastante elevado para os padrões do futebol brasileiro, um futebol que se recusa a se valorizar, a ter, que seja, uma liga decente.

O Fluminense de ontem, mais uma vez, mostrou que há quem se recuse a aceitar a realidade fabricada em gabinetes e manipulações jornalísticas. O Fluminense, esse notável Fluminense, que se atreve, não só a ir à Libertadores, mas também a liderar o seu grupo, tido por muitos como o grupo da morte.

O Fluminense, na noite de deste sábado, se repetiu. A partida parecia um videotape do jogo de quarta-feira, pela Libertadores, contra o Santa Fé. Ao contrário do que tenho ouvido, o Fluminense não se acovarda diante dos adversários. Não é essa a razão de sermos dominados pelos adversários e, a muito custo, conseguirmos ao menos controlar o jogo.

Roger trocou Luis Henrique por Gabriel Teixeira. Antes mesmo de começar o jogo eu já previa tal decisão como medida inócua. O famoso seis por meia dúzia, mas a gente ainda perdia um pouco. Não que Gabriel Teixeira não seja um jogadoraço, mas porque Luis Henrique é a principal bola de segurança de um Fluminense que não constrói por dentro e vive de tentar as saídas pelo lado do campo.

A repetida temeridade de Roger Machado é continuar escalando Nenê e Fred como nossos homens mais avançados, privando o Fluminense da capacidade de contra-atacar, sobrecarregando os volantes, tanto na marcação quanto na transição, e abrindo buracos em nossas linhas sempre que tentamos avançar a marcação.

Os Café com Leite poderiam ter liquidado o jogo no primeiro tempo, mas suas principais peças viviam uma noite de futebol mecânico. Bruno Henrique, Arrascaeta e Éverton Ribeiro não chegaram a jogar mal, mas também não agregaram inspiração às ações rubro-negras. Não, não foi salto alto, foi só falta de inspiração. Pior foi o Fluminense. Além de todos os problemas táticos causados pelas escolhas de Roger, a Nenê e Fred, ao contrário dos rubro-negros, faltou muito mais que inspiração. Ambos jogaram muito mal, a tal ponto que Roger, revendo seus procedimentos, tirou Nenê no intervalo para colocar Cazares.

Por que a entrada de Cazares faz o Fluminense melhorar? Muito simples. A entrada de Cazares ativa um setor morto no Fluminense, que é o meio de campo. Cazares, independente de jogar bem ou mal, ser melhor ou pior que Nenê, se aproxima dos volantes, dá opção de passe e faz o jogo fluir. Foi o que aconteceu na segunda etapa, mudando o jogo da água para o vinho.

Mas a grande virada no jogo aconteceu quando Roger trocou, de uma só vez, o que eu nem gosto muito, todo o ataque. Com Fred, Luis Henrique e Caio Paulista, o time do Fluminense ganhou altura e imposição física, o que desestabilizou o jogo do Flamengo, que perdia Diego, o maestro do meio de campo, cansado e pendurado.

Com o meio de campo funcionando e o time pressionando a saída de bola café com leite, o Fluminense viveu seu melhor momento na partida, roubando bolas, provocando erros do Flamengo e trabalhando o jogo a partir da intermediária, o que não ocorrera na maior parte do jogo até então.

O que o Fluminense fez, então, foi ressignificar o jogo, ressignificar o Fla-Flu e o campeonato. Logo após o gol de Abel Hernández, com assistência de Luis Henrique, após lançamento de Egídio, Luis Henrique quase vira o marcador ao arrematar para o gol quando deveria ter dado um tapa para dentro e matado o goleiro adversário na corrida.
Mas a gente não pode crucificar Luis Henrique por isso, porque fez uma grande partida, ajudando a mudar a dinâmica de jogo do Fluminense. Aliás, não há nada que justifique abrir mão de Luis Henrique entre os titulares, exceto por questões que só a fisiologia entende. Na minha visão, Luis Henrique deveria ser deslocado para a lateral-esquerda, com a entrada de Gabriel no lugar de Egídio, o que nos deixaria com um lado esquerdo diabólico ofensivamente.

Porque Egídio, em que pese o lance do gol, é uma ameaça constante à nossa defesa. Conseguiu, no primeiro tempo, perder a bola e ainda cometer um pênalti infantil no lance do gol do Flamengo. No segundo, quase ligou um contra-ataque num erro de passe inaceitável para um jogador experiente.

Aliás, como o Fla-Flu é um ambiente perfeito para vilões virarem craques, quase que o lateral tricolor deu uma assistência para gol de Caio Paulista após jogada espetacular de Luis Henrique.

Agora, eu não sei se foi a presença do Casal 20 na arquibancada, mas a jogada do nosso gol lembrou muito as exibições dos dois elegantes negões dançarinos da Broadway. Tabela de cabeça e bola no saco. Muita cara de Fla-Flu, né?
Cazares no lugar de Nenê e Luis Henrique no lugar de Egídio. Duas substituições para acabar com essa síndrome do primeiro tempo. Sempre guardando o Caio Paulista e o Abel para o segundo tempo, que é para trabalhar a imposição física no último terço do jogo. Acredito que com essa lógica o Fluminense consiga pulverizar o decantado, e reconhecido, favoritismo rubro-negro.

Não tem essa história de que os Dissidentes não são o bicho-papão. Eles são o bicho-papão, sim, mas nós somos o Fluminense, e Fluminense não tem medo de bicho-papão, mula sem cabeça, loira do banheiro ou o que quer que seja.

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Todos nós ainda estamos indignados com o que aconteceu no Ninho do Urubu, que tirou a vida daqueles adolescentes. É uma tragédia que sempre vai doer em todos nós, mas eu acho que isso não pode e não deve ser argumento para insultar o adversário.

A tragédia é de todos nós. O que se deve exigir é que tal fato traga consequências para os responsáveis, que eles sejam identificados e que paguem pela negligência. Afinal de contas, não estamos falando do gol legal do Dodô anulado em 2008, do gol do título em impedimento contra o Vasco em 2016 ou do empurrão não marcado do Réver no Henrique em 2017. Estamos falando de vidas humanas, algo tão relativizado no Brasil em que vivemos.

Saudações Tricolores!

1 Comments

  1. Luiz Henrique na lateral e Gabriel livre para infernizar a vida do isla. Seremos campeões!

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