A sinopse do desastre tricolor (por Paulo-Roberto Andel)

O CENÁRIO

Um clube falido, com uma dívida de 700 milhões de reais no mínimo (podendo chegar a mais de 1 bilhão, segundo sócios muito sérios e que conhecem parte da contabilidade tricolor), que há oito anos não apenas não conquista títulos expressivos, mas também passou cinco temporadas lutando contra o rebaixamento. Apesar de ser administrado há quase uma década por advogados e um auditor da Receita Federal, nada disso evitou que o Fluminense fosse um dos campeões de ações na Justiça, em especial a Trabalhista, e que visse sua dívida financeira disparar, ainda que, de tempos em tempos, notícias plantadas e balanços contraditórios tentem amenizar os péssimos resultados.

A ESGARÇADA POLÍTICA DO FLUMINENSE

Medíocre, baseada nos piores modelos de clientelismo, afetando diretamente toda a estrutura do clube, a começar por funcionários que ocupam cargos apenas pela lealdade incondicional ao presidente do clube da vez. Incapaz de oferecer alternativas concretas para que o Fluminense finalmente chegue ao século XXI. Grupos políticos que, salvo exceções, buscam o poder para, no dia seguinte, ignorar todas as promessas de campanha feitas. Como alternativa conservadoras, grupos vencedores e ex-vencedores mantém verdadeiras milícias digitais permanentes em especial nas redes Facebook e Twitter, apenas com o objetivo de acossar vozes dissonantes, fazendo prints para dossiers, impulsionando manchetes positivas fake e outras mulambices que nada têm a ver com uma gestão séria e profissional, como por exemplo ameaças veladas e diretas a quem se manifesta publicamente contra atos das sucessivas gestões.

A maior prova do quanto essa política de candinha corrói o clube está nas controversas relações políticas envolvendo seus principais players nos últimos anos. Por exemplo, Ricardo Tenório já foi adversário de Mário Bittencourt, aliado e rompeu novamente. Mário foi o braço-direito de Peter, rompeu, concorreu com Celso Barros e depois se aliou a ele, para chegar à situação que se sabe hoje. Pedro Antônio apoiou Peter, depois se afastou, apoiou Pedro Abad e se afastou novamente. Celso Barros decidiu as eleições de 2013 e 2016 com seu prestígio ao apoiar Peter Siemsen, para depois romper. Goste-se ou não de qualquer um dos personagens acima, todos tiveram ou têm peso nas decisões anteriores ou atuais. E todos tiveram que fazer composições, às vezes conta a própria vontade – ou não -, para viabilizar uma eleição. O peso da balança está nos EO, os famigerados Esportes Olímpicos, um verdadeiro tumor no fígado político do Fluminense, submetendo o clube e a torcida aos seus caprichos de recursos e poder. Coisas do século XIX que nos atormentam em 2021.

A GRANDE E A PEQUENA MÍDIA EM TORNO DO FLU

Dos grandes veículos de imprensa, é visível a permanente suavização dos problemas do Fluminense, geralmente pelo silêncio. Se algum veículo de pequeno porte revelar situações que exigem investigação, usa-se a tática de tornar a fonte primária invisível, o que chega a ser uma ingenuidade em tempos on line. O fato é que, salvo exceções, parte significativa da imprensa esportiva carioca é completamente fiel às gestões tricolores, omitindo informações que deveriam ser divulgadas por obrigação moral do exercício jornalístico. Contudo, se surgir algo que possa levar o Fluminense à lona, caso da Flamenguesa em 2013, ela não hesita em apedrejar o clube. Naquele tempo por sinal, Peter Siemsen era um pitbull com as mídias que cobrem exclusivamente o Fluminense, mas um verdadeiro gatinho Pompom quando se tratava de Globo, ESPN e Band, dentre outros.

Já da chamada mídia segmentada tricolor, salvo também honrosas exceções, há também o patético comportamento de invisibilidade de outros veículos, especialmente os de campeões de likes que não propriamente influenciam tanto os leitores. Nesta semana mesmo, o PANORAMA fez uma longa live com Celso Barros, de interesse público da torcida tricolor. O silêncio de outros veículos foi tão constrangedor que gerou a reação de um dos verdadeiros influenciadores digitais da torcida tricolor, Beto Meyer:

Várias horas depois, as críticas nas redes foram tantas que o site “NetFlu” resolveu noticiar a live de forma constrangida. É natural, levando-se em conta o modus operandi de seu dono na rede social Twitter, uma das figuras mais deploráveis do universo Fluminense na internet – e que agiu de forma leviana contra este PANORAMA várias vezes -, por sinal um dedicadíssimo ex-cabo eleitoral do atual presidente tricolor por anos, até que subitamente a idolatria acabou e virou ódio da noite para o dia. Por que será? Em tempo: o PANORAMA não precisa do “NetFlu” e de sua camarilha para nada.

Tomados por sentimentos controversos de seus proprietários, delírios megalomaníacos de audiência e autoproclamando relevâncias que simplesmente inexistem, parte destes veículos deixa de prestar o verdadeiro serviço à torcida tricolor, replicando o comportamento dos velhos jornalões, hoje falidos ou com dívidas bilionárias nas costas. Como se vê, a cópia do modus operandi tradicional é desastrosa. Em alguns casos, o deslumbramento com a “fama” não esconde as deficiências visíveis, que vão da falta de apuração aos grosseiros erros de Português.

A se confirmar a imagem abaixo, ela denuncia uma situação gravíssima. Atendendo aos princípios elementares da Comunicação, a se comprovar que trata-se de uma montagem, o PANORAMA imediatamente se retratará a respeito. Mas afinal, o que está acontecendo?

UMA FÁBRICA DE JOVENS “INGRATOS”

Apesar de ser celebrado como uma das maiores fábricas de jogadores no Brasil, fato que pode ser comprovado pelos inúmeros nomes em atividade no exterior e em grandes clubes brasileiros, o Fluminense praticamente não teve nenhum retorno esportivo nos últimos anos, pelo simples fato de negociar suas revelações cada vez mais cedo e a baixo custo, quando comparado com outras agremiações. Com a crise econômica e a pressão dos agentes, é possível entender parte dessa dificuldade.

O problema é que já se perdeu a conta de uma situação recorrente: o jovem é efetivado, realiza boas atuações e, de repente, cai de produção drasticamente. Em seguida, uma claque violenta nas redes sociais começa com uma saraivada de críticas, às vezes muito inflacionadas, e então surgem rumores no clube: “Não adianta, o rapaz está com a cabeça lá fora, tem que sair”.

Um nome, dois, cinco, nove, ok. Mas vinte? Trinta? Quarenta?

Por que o número tão extenso acontece só no Fluminense?

Ou o trabalho psicológico com estes jovens é péssimo na base, ou fica no ar a suspeita de que as súbitas quedas de produção fazem parte da pressa em se negociar num acordo bom para quase todos, exceto o Fluminense e sua torcida.

Pior ainda seria comentar sobre jogadores liberados de graça ou negociados e imediatamente repassados a times brasileiros, inclusive rivais próximos. Noutras ocasiões, o Fluminense passou a ter como grande rival um modesto clube mineiro: a Tombense.

UMA AGÊNCIA DE “REFORÇOS” EM CAMPO

O Fluminense pode estar com o pires na mão, mas contrata. Contrata muito e mal. Jogadores entraram e saíram do clube com velocidade sideral nas últimas temporadas, a ponto de até se esquecer alguns nomes. São contratações, mas tratadas como reforços, o que é uma mentira deslavada pois reforço é um jogador melhor do que o antigo titular – e há muito tempo o Fluminense não tem uma verdadeira lista de reforços.

Na atual gestão e nas anteriores, o comportamento se repete e o responsável por isso, ou ao menos, quem é pago para fazer isso hoje tem nome: Paulo Angioni, psicólogo que fez sucesso no Vasco há décadas e que migrou para administração de valores.

Se pensarmos rapidamente em alguns “reforços” nos últimos anos – para mostrar que não se trata de uma perseguição à gestão atual, podemos lembrar de Lucão, Kelvin, Junior Dutra, João Carlos, Orinho, Paulo Ricardo, Maranhão, Danilinho, Oswaldo, Leo, Egídio, Henrique, Danilo Barcelos, Yuri e mais uma penca.

Nenhum dos jogadores acima, dentre os que saíram do Fluminense, obteve sucesso em novas empreitadas.

Quem lucrou com isso?

O CRIME CONTRA O ESTÁDIO DAS LARANJEIRAS

Abandonado, deixado para desabar, o berço do Fluminense e da Seleção Brasileira vive à mingua, desprezado por todos os últimos presidentes e seus grupos políticos. A ojeriza é tamanha que causa desconfiança.

Ao largo, projetos megalômanos são anunciados de tempos em tempos, apenas para criar manchetes falsas e depois forrar a gaiola do papagaio. Um clube que não consegue sequer um patrocínio master há anos – e desde a saída da Unimed, todos os patrocinadores a seguir foram problemáticos – vai conseguir onde o valor de sua suposta dívida total para construir um estádio ou uma arena? Como? Bravatas que não se sustentam e só enganam os mais ingênuos ou os que têm muita vontade de acreditar.

Enquanto isso, a casa natal do futebol brasileiro caminha para o estado de decomposição.

FINAL

Com este pequeno desenho, é fácil entender que o problema do Fluminense vai muito além de escalar cabos eleitorais como treinadores, ter rachas no elenco e outras situações típicas para se explicar uma goleada como a desta quarta-feira.

É um longo processo.

Até quando vamos escolher um Cristo em campo para crucificar a cada rodada?

Neste campeonato, em 29 jogos, fizemos três apresentações razoáveis: no empate com o Atlético, na vitória sobre o Athletico (este, com um homem a menos em campo) e no empate com o Vasco.

Nas outras 26 partidas, é possível encontrar atuações tão bisonhas quanto a do segundo tempo contra o Corinthians – o primeiro também. Porém, as vitórias com péssimas apresentações acabam sendo esquecidas em função do resultado. Ganhou, está bom, esquece. O torcedor tem direito de esquecer. O analista e o dirigente, não.

Do ponto de vista da pontuação e tabela, o Fluminense tem condições de ir à pré-Libertadores? Claro que sim. Mas é bom lembrar que o planejamento do ano passado esbarrou em times como o modestíssimo La Calera e o esforçado Atlético-GO.

O time de 2021 é esse que aí está, talvez até piorado.

Talvez o Fluminense tenha uma saída: a mobilização de seus sócios para impedir ao menos que esse mar de incompetência e dúvidas não se transforme em um maremoto devastador em 2021.

Ninguém aguenta mais de forma explícita ou enrustida, Flusocio, Tricolor de Coração, Esportes Olímpicos e o resto da cambada que, aconteça o que acontecer, está com o poder constituído há décadas.

Ninguém aguenta mais um Fluminense figurante, fazendo papel de elenco de apoio dos campeonatos que disputa, isso quando luta para não cair, encomendando manchetes para brigarem com a realidade dos fatos.

Ninguém aguenta mais um Fluminense de enganações, manchetes manipuladas e guardiões de gestão. O Fluminense não pode ser pautado pelo Twitter de picocelebridades que não produzem nada de útil para o clube.

É preciso um rompimento com todo esse sistema, de ponta a ponta. De preferência, separando o futebol desse compadrio de sauna que parece ter prazer em sabotar o Fluminense, o time e a torcida. Sem isso, todo o resto é falácia. E não adianta apenas boquirrotagem pela internet, mas mobilização e ação. Ou os sócios se mobilizam ou o Fluminense será implodido de vez.

E é só.

Autor de 30 livros, sendo 16 deles sobre o Fluminense, Paulo-Roberto Andel é uma das referências literárias no futebol brasileiro. Estatístico, microempresário, é colaborador regular do Museu da Pelada e do Correio da Manhã. É fundador e proprietário deste PANORAMA

7 Comments

  1. O Rio de Janeiro além de ser o berço do futebol, possue os quatro clubes mais tradicionais e queridos do Brasil. Entretanto, toda pessoa bem informada sabe que ali encontra-se instalado uma história de corrupção crônica.
    É notório em todo país o decaimento com os recursos alheios por muitas pessoas revestidas de bonançosas à projeção de enriquecimento ilícito. Agora, o Rio pode ser observado como o lugar mais propício à esse mal em todo planeta.

  2. o único alento, a única coisa funcionando no fluminense, é este site. esse texto foi incrível, obrigado demais por isso. ST

  3. A partida de ontem foi tão enojante, que nem consegui assistir ao pós jogo do Panorama.
    Ontem conclui que o Muriel não tinha culpa sozinho, pois a preparação de goleiros do Fluminense é horrível.
    O Yuri, não tem mais condições de ser jogador do clube, idem para Caio Paulista e Cardoso.
    O Lucca entra parecendo já estar morto em Campo.
    O desenho tático do Fluminense é: Todo o time recuado no seu campo, enquanto Fred e Hudson ficam no campo adversário. Fred cerca um pouco, enquanto Hudson corre feito uma besta atrás da bola. Talvez por isso morra fisicamente toda partida.
    Quando a bola…

  4. Excelente matéria. Precisamos debater o Fluminense para buscar alternativas de mudanças, pois os que estão lá há décadas já demonstraram no mínimo incompetência para gerir o clube.

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