Com o saco bem cheio (por Paulo-Roberto Andel)

Andei sumido, por motivo justo: problemas, problemas, problemas, cansaço mesmo, contando com os amigos aqui da casa. E o Fluminense não deixou por menos: ainda que esteja até numa pontuação razoável no Brasileirão, vive um dia a dia de problemas mil.

Atolado numa dívida de centenas de milhões de reais, sem capacidade de oxigenação imediata, dividido por uma política xiita, primitiva estúpida e covarde que nunca trouxe qualquer benefício ao clube, muito pelo contrário, o Fluminense é como se fosse duas pessoas numa só: dentro de campo, lutador, valente, ciente de suas evidentes limitações, enquanto fora de campo é maltratado e pisado por massas de infiéis que nele só veem vantagens pessoais, é fato. Um verdadeiro miserável, humilhado, oprimido, o barão da ralé nos versos de Chico.

Este cenário todo chega a ser cansativo: uma disputa diária de ofensas, mentiras e assassinatos de reputações, enquanto a torcida está de saco cada vez mais cheio e ignora solenemente as arquibancadas. É difícil saber quem mais mente no confronto entre os que pregam as mil maravilhas do cenário atual, contra os que falam mil fantasias sobre o que não farão se lá estiverem. Quem vai se atrair por esse carnaval de bobagens e impropérios diários? Reitero: a maneira como o Fluminense é conduzido hoje, tanto por seus “administradores” (com aspas mesmo) quando por boa parte dos seus opositores, é de dar dó. É pobre de espírito, de pensamento e de ação.

Enquanto uma dúzia lucra à base deste ódio todo, nos mais diversos formatos que passam das vociferações às manchetes copiadas, o Fluminense agoniza sem que uma das suas correntes políticas tenha sequer um desenho de solução para o que vem a seguir. E nem vai ter.

Por mais que a administração atual seja caótica – e naturalmente é um desastre -, o fato real é que há muitos e muitos anos, salvo efemérides, o Fluminense vem sendo tocado como clube da esquina, sem Milton Nascimento ou Lô Borges no palco. Convido você a uma reflexão real, sem ofensas, sem essas idiotices que infelizmente hoje marcam uma parte da nossa torcida: nos últimos 30 anos, quando foi que o Fluminense teve uma condução política à altura de suas tradições? Em momentos muito raros.

Não se deve confundir a eventual prosperidade no gramado com práticas de boa gestão. Às vezes a coisa funciona bem no campo, o que atenua as barbaridades fora dele. Por exemplo, na chamada Era Unimed o Fluminense conseguiu craques, alguns títulos e momentos muito importantes, mas que não passaram imunes ao revezamento com temporadas perto do rebaixamento. E desde nosso último momento de apoteose, o Brasileiro de 2012, o Fluminense viveu a gangorra com e sem Celso Barros, com e sem Peter Siemsen, com e sem Mário Bittencourt, com e sem Pedro Antônio. Meu amigo Cacá também esteve lá. Como se vê, mesmo com este rol de nomes respeitáveis (com e sem aspas, dependendo do cliente), o Flu não escapou do “Balança mas não cai”. Não adianta personalizar a questão: reparar o Fluminense vai muito além de eleger um pseudo-super-herói às custas de propaganda rasa, até porque ninguém vai trazer ou por do bolso meio bilhão de reais…

Lembram quando falei de trinta anos atrás? Ano de 1988, o começo da devastação do time tricampeão dos anos 1980. Hoje quase todo mundo fala que o Carioca é uma porcaria, que não serve pra nada, mas vá perdê-lo… Em trinta anos, 1995, 2002, 2005 e 2012. Muito pouco para o Fluminense. No mesmo período, dois Brasileiros (2010/2012), uma Copa do Brasil (2007). Muito, mas muito pouco mesmo. Viramos coadjuvantes, eis a verdade.

Pelo menos minha conexão direta com o Fluminense está intacta. O amor permanece, a vontade de ver e torcer, tudo está lá. Não há medo, mas o pior é não ter esperança. Pelo menos parece que as Laranjeiras vão ser reabilitadas, o que é um alento, mas não custa lembrar que durante 1986 e 1997, quando jogamos por lá regularmente, não faltaram registros de partidas com 150, 200 torcedores. Não adianta só fazer preço barato ou dar palavras de ordem, é preciso reconquistar o torcedor, trazê-lo para perto de vez. A torcida está triste, infeliz e cansada: notícias ruins 24 horas por dia, ódio, fofocas, candinhices, ameaças e… em boa parte do tempo um clube completamente vazio, às moscas.

É bom que se diga: antigamente o Fluminense cansava de jogar para 1.500, 2.500 pagantes no Maracanã. Grande público mesmo, tivemos em 1976, maior média de frequência da história das arquibancadas tricolores. Claro: um timaço, uma festa permanente e o mais carismático de todos os presidentes tricolores comandando o cenário. Goste-se ou não de Horta, critique-se alguns de seus atos, mas basta comparar com o que veio a seguir e não é á toa que o Eterno Presidente é regulamente saudado pela torcida, já octogenário.

Carisma, eis o que nos falta hoje. Tudo bem diferente de uma arena de javalis nas redes antissociais, a maioria uma ralé sem currículo conhecido de serviços prestados ao clube. Pioramos, amigos.

A pouco mais de um ano das eleições tricolores, confesso meu total saco cheio para qualquer assunto que não seja o campo ou as lembranças do passado. Penso em mim mesmo: o que eu ganhei com isso como torcedor? Nada. Pelo contrário, esse desastre que cerca o Fluminense só alimenta inimizades, ódios, mentiras. Tricolor contra tricolor, tricolor ameaçando tricolor, tricolor cometendo crime contra tricolor. Que merda!

Chega dessa porcaria toda!

Vou continuar aqui com meus textos, meus livros e discos, meus amigos de verdade e com a paixão enorme pelo meu time. Só não contem comigo ano que vem para a repetição de uma novela escrota que, com personagens alternados, apresenta sempre o mesmo final infeliz. Já fui burro de apoiar o deplorável Peter, já tive que apoiar o Abad para evitar o pior, e deu no que deu.  Tou fora.

Ser Fluminense é outra coisa, super outra coisa, e espero sinceramente que o clube um dia viva um cenário político adulto, profissional, e não o de uma republiqueta de bananas, fofoquinhas e clientelismo abominável.  O problema é muito maior do que a turma do A vencer a do B. Chega de farsas, se for pra mudar tem que mudar de verdade.

No mais, que venha uma grande vitória sobre o Urubu sulino. É sempre uma boa pedida. Temos um time fraco de marré, mas que pode até surpreender na Sula e ficar na mediana do Brasileirão.

De resto, minhas opiniões são somente minhas e não estão disponíveis para venda, aluguel ou acordo.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

1 Comments

  1. Para quem, como eu, mora a milhares de quilômetros do Rio, entristece e angustia saber, pelos que aí vivem e conhecem bem os bastidores, que não há nada de novo sendo gestado. O amor continua intacto, mas a dor caminha junto.

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