A verdade por trás do blá-blá-blá de Roger (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, o exercício do jornalismo me ensinou a ser um ouvinte atento, não só ao que é dito, mas também ao que está implícito nas entrelinhas.

A entrevista de ontem, após a derrota para o América, pode parecer algo completamente absurdo e sem sentido para quem não tem os ouvidos treinados para espremer as frases em busca de verdades ocultas.

Roger, em síntese, afirmou que não vê razões para mudar o esquema ou mesmo fazer mudanças bruscas nesse momento da temporada. Roger afirma ainda que o que se espera é que os jogadores consigam “performar” dentro desse esquema. Como, de fato, já “performaram” antes.

Pois, acredite em mim, Roger está dizendo a verdade quando afirma que não há razões para mudar o esquema, por uma razão muito simples: o nosso problema está longe de ser o esquema.

Até porque, esse esquema que aí está pouca coisa traz de diferente em relação ao Fluminense de 2020. Seja no 4-1-4-1, no 4-4-2 ou no 4-3-3 imaginário de Roger, o Fluminense é isso que está aí desde Odair Hellmann. Jogamos com dois volantes, dois homens fazendo os flancos ofensivos e um meia adiantado jogando por trás do centroavante.

O que você tem é mais ou menos dinamismo nesse esquema. Quando jogávamos com Evanilson, o esquema era muito mais dinâmico e funcional. Com Abel de frente, ganhamos mais intensidade, agilidade e verticalidade. E é por isso que nossa última grande partida foi com Abel atuando no comando do ataque, contra o mesmo Cerro contra quem, com Fred no comando de ataque, fizemos péssima partida na última terça-feira.

Mas Roger acerta mais em cheio ainda quando diz que os jogadores não estão “performando dentro da estrutura”. Parece que Roger transfere a responsabilidade pelo show de horrores que têm sido os jogos do Fluminense para os jogadores, como se não tivesse nada com isso.

Na verdade, Roger sabe que tem tudo a ver com isso, mas lava as mãos. O que ele quer dizer é que vamos para cima do Barcelona com Nenê e Fred atuando juntos. O que ele quer dizer é que daremos aquela pressãozinha dos primeiros 10 ou 15 minutos e que depois o adversário tomará gradativamente o controle do jogo. Roger quer dizer, ainda, que praticamente não mais chutaremos a gol e que ele vai começar a fazer substituições a partir dos 25 minutos do segundo tempo, e que trocará os quatro jogadores de frente, deixando o time todo desentrosado. Se tivermos sorte, como foi na fase de grupos da Libertadores, talvez achemos um ou dois gols.

E é por isso que Roger está tão certo quando diz que os jogadores não “performam” dentro do esquema. Não é porque eles sejam ruins ou porque eles não querem. É porque eles não acreditam no que está sendo proposto, qual seja que oito corram alucinadamente para que dois, a cada quatro ou cinco partidas, experimentem um brilhareco e estabeleçam novas marcas históricas, porque esse é o objetivo estratégico do Fluminense na temporada. O esquema existe para dar suporte ao próprio sistema.

Roger diz que é muito comum, quase banal, jogadores de lado de ataque recuarem para marcar laterais adversários. Sim, isso é óbvio. Eles recuam quando o adversário consegue vencer nossa primeira linha de marcação. O ideal é que isso não aconteça, porque você pode marcar o adversário na pressão ou bloco médio alto. É exatamente para evitar o imenso desgaste e desconforto tático desses jogadores. No Fluminense eles estão sempre lá atrás, porque nossa primeira linha de combate é sempre facilmente vencida e isso acaba empurrando o time sempre e cada vez mais para trás.

Isso me faz muito lembrar de certa declaração do Fred sobre um episódio envolvendo Odair Hellmann e Evanilson. Conta Fred que em determinado momento Odair se vira para ele e avisa que chegou a hora de assumir o seu lugar. O atacante reage, segundo seu próprio relato, dizendo que seria uma loucura tirar Evanilson do time, afinal o moleque estava “comendo a bola”.

O que de mais verdadeiro eu pude subtrair desse relato é que as coisas são exatamente do jeito que a gente pensa. Em outras palavras, tem gente que manda mais do que o técnico na escalação do time, uma prática muito comum de cartolas da antiga, mas que é absolutamente inaceitável dentro do ambiente profissional que precisamos ter nos dias atuais. Ou alguém acha que o Odair esperava que Fred fosse “performar” mais que Evanilson?

Dizemos aqui que as declarações de Roger são repetitivas e vazias. Nós também falávamos isso sobre as declarações de Odair. Os nossos comentários também são repetitivos. Tudo é repetitivo e enfadonho, porque o futebol do Fluminense obedece a essa dinâmica peculiar.
E o time do Fluminense está se desintegrando, porque os jogadores não conseguem encontrar sentido no que estão fazendo. O Fluminense da partida contra o América é apático. Como é que você vai levar seu trabalho a sério se o cara que escala o time e coloca o Lucca, que quase enlouqueceu o torcedor, para jogar de ponteiro novamente?

Eu não sei se as amigas e amigos já pararam para fazer um exercício de análise sobre a evolução do nosso elenco. Quem foram os grandes reforços do Fluminense para essa temporada?

Kayky, que carregou o ataque nas costas num grande número de partidas, e André, que reencontrou seu futebol e poderia estar reforçando nosso meio num esquema com três volantes bons de bola. Destaque positivo para Samuel Xavier e Abel Hernández, que vinha elevando o nível das nossas exibições quando entrava, mas é outro que parece ter perdido o encantamento com a ideia de jogo do Fluminense. Inclusive pelo fato de mesmo sabendo que está agregando mais ao time, ter que ficar no banco para ver Fred se arrastar e brigar com a bola em campo.

Será que alguém acredita realmente que o Roger não está vendo a mesma coisa que nós? Ele apenas está dizendo que vai continuar assim, para não alimentarmos esperança. Por que ele se acomoda? O cara está escorado em dois anos de contrato. Se for mandado embora, pode ficar parado até o final desse ou do próximo ano, que o dinheiro vai estar na conta.

Ele sabe que está perdendo o time, talvez irreversivelmente, mas não vai fazer nada de diferente, porque o compromisso não é com o sucesso futebolístico do Fluminense, algo que não está presente na receita da atual gestão do clube.

O Fluminense pode passar pelo Barcelona e pelo Atlético MG? O Fluminense pode tudo, até mastigar e tocar gaita simultaneamente. Mas a tendência é cair nas duas competições. Já no Brasileiro, em que estamos a três pontos da zona de rebaixamento, a coisa é diferente. Tem que haver regularidade. E o nosso conceito de regularidade tem sido perder todos os jogos, quase sempre jogando muito mal. Chega um determinado momento em que a coisa começa a ficar perigosa, porque o Fluminense está seguindo à risca a receita do descenso. Quem se reforça, ou acha que vai se reforçar, com Wellington, David Braz, Casares, Bobadilla, Hudson e Abel Hernández, que daqui a pouco perde um Nino ou um Martinelli na janela europeia, não pode esperar viver sem sustos.
Compare esses ”reforços” com o que nós perdemos desde meados do ano passado: Gilberto, Evanilson, Marcos Paulo, Miguel, Samuel Granada, Dodi e Michel Araujo. Perceberam a discrepância entre a qualidade da porta de entrada e de saída?

Estamos a três pontos da zona de rebaixamento e praticando um futebol que não nos sinaliza de forma alguma que isso vá melhorar. A verdade é que temos menos elenco que no ano passado, e isso vai ficando claro a cada jogo, e um técnico completamente engessado, que já percebeu que seu estoque de milagres se esgotou.

Saudações Tricolores!