Racismo: um adendo (por Mauro Jácome)

Inicialmente, quero parabenizar meu amigo, virtual ainda, Alexandre Berwanger, pela iniciativa de escrever sobre o racismo no futebol do Rio. Além da qualidade e riqueza nos argumentos, ressalto a importância de contribuir com o PANORAMA TRICOLOR na frente destinada a trazer à tona assuntos afetos à história do futebol. Assim, vamos ampliando as fronteiras do site, conforme desejo do nosso bravo Paulo-Roberto Andel.

Deixando as rasgações, vamos ao assunto. Lendo os textos do Alexandre, lembrei-me de um livro que tenho há alguns anos: “Footballmania – Uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938”, de Leonardo Affonso de Miranda Pereira, ed. Nova Fronteira, 2000.

Já não me lembrava de muitas coisas abordadas no livro, mas tinha certeza que teria algo relacionado à tese do Alexandre. Encontrei, lá no final, quando o autor relata a transição do esporte com forte influência europeia para um com características nacionais. Além da obra de Mario Filho e outras citadas no livro, Miranda Pereira pesquisa em jornais e periódicos da época, ampliando a precisão das argumentações.

No trecho que interessa ao viés delineado pelo Alexandre, das falsas atribuições ao Vasco de pioneiro na inclusão de negros no futebol, bem como de que foi punido por isso, o livro Footballmania chega ao Campeonato Carioca de 1923, na página 309, e cita o Vasco da Gama: “Radicalizando um impulso que já se fazia presente em muitos outros clubes da liga, o clube montava uma equipe composta por atletas que, ao contrário do que seria o padrão entre os amadores que disputavam até então o campeonato, faziam claramente do futebol a sua profissão. Dedicando-se integralmente ao esporte, os jogadores – muitos deles negros – conseguiam grande vantagem sobre os adversários, que dividiam seus afazeres entre a bola e o trabalho, sagrando-se campeões naquele ano após uma vitória contra o São Cristóvão”.

Em seguida, Miranda Pereira acrescenta o fator financeiro ao interesse do clube na “contratação” de muitos jogadores. Os demais times eram formados, essencialmente, por sócios, mesmo que, num caso ou noutro, disfarçasse um jogador remunerado, no entanto, não com a mesma intensidade que o clube cruzmaltino. Os olhos começavam a crescer ante o sucesso nas arrecadações obtidas nas partidas: “a conquista do campeonato pelo time da Cruz de Malta representava apenas mais um passo no processo crescente de valorização, dentro dos clubes, dos jogadores que pudessem garantir sua força nos campos. (…) A explicação para essa repentina importância parecia clara: mais do que diversão e paixão, o futebol tornara-se, com os anos, uma importante fonte de renda para os clubes. (…) iniciativas como a do Vasco mostravam, assim, que, mais do que simples diversão, o futebol transformara-se para esses grandes clubes em um negócio rentável e promissor. Mesmo antes de sua entrada na primeira divisão da liga já era comum, por isso, que os clubes a ela filiados fossem buscar em outros estados ou nos campos onde jogavam times pequenos, como os existentes na Barreira do Senado, jogadores de bom nível técnico para compor as equipes disputantes dos campeonatos da liga”.

Depois de descrever o processo em marcha nos clubes da época, Miranda Pereira chega ao ponto levantado pelo Alexandre, na questão da punição ao Vasco, por utilização de jogadores profissionais e não por serem negros. Diz o autor na página 311: “Parecia, no entanto, ser tarde demais, já tendo-se consolidado a presença dessa classe de jogadores em meio aos times que disputavam o campeonato – sendo a vitoriosa equipe do Vasco em 1923 o ponto alto da profissionalização disfarçada, que continuaria a se intensificar nos anos seguintes. As consequências desse movimento seriam mostradas, a partir de então, de forma ainda mais intensa. Embora o Vasco tenha sido punido pela sua ousadia, ficando de fora da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos, fundada em 1924 pelos principais clubes da cidade em resposta à sua atitude, a profissionalização dos jogadores continuaria a se fazer notar no seio da nova entidade”.

Para fechar o período foco do trabalho do Alexandre, Miranda Pereira generaliza a utilização de jogadores profissionais pelos clubes do Rio de Janeiro: “Ao assumir um impulso que se fazia notar havia tempos entre os times de menor expressão, os grandes clubes abriam-se, nos anos 20, para novos sujeitos. ‘Já não havia mais escrúpulo de bater os campos dos subúrbios, as barreiras e as várzeas’, lembrava Paulo Várzea (*), mostrando como os times de destaque da cidade passavam a incorporar em seus quadros jogadores que antes nem entrariam em suas sedes. Como resultado, o futebol, mesmo entre os times de maior projeção, transformava-se em um jogo majoritariamente praticado por pobres – abrindo novas possibilidades para jogadores que, até então, tinham nos clubes de subúrbio seu único meio de sobrevivência”. Paulo Várzea foi, como o apelido deixa claro, um jogador do subúrbio carioca que viveu aquela época.

Era isso que queria acrescentar. Ressalto que o objetivo desse adendo à pesquisa de Alexandre Berwanger não é chegar a conclusão alguma, mas pautar outros argumentos já publicados que corroboram com a tese do amigo.

Mauro Jácome

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: www.campeoesdofutebol.com.br – Fluminense x América, um clássico centenário – por Alexandre Magno Barreto Berwanger

Revisão preliminar: Rosa Jácome

Sobre a pesquisa de Alexandre Berwanger: 

http://www.panoramatricolor.com/category/colunas/alexandre-berwanger/

6 Comments

  1. Mais uma vez o FLUMINENSE fazendo história – neste caso o grande torcedor e comentarista Mauro Jácome – complementando outro excelente trabalho.
    Parabéns e obrigado!
    SSTT4!!!!

  2. Rods comenta:

    Parabéns Jácome e parabéns Alexandre! O trabalho sério sempre é capaz de desbancar a mentira, mesmo que repetida várias vezes.

    ST!

  3. Como podemos constatar, todo mundo que pesquisa seriamente o assunto chega a mesma conclusão.
    Não existe nenhum estudo sério e isento em contrário, relacionado a este momento histórico e sua localização geográfica no Rio de Janeiro.

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