Queda livre, voo livre (por Paulo-Roberto Andel)

queda livre

ou paixão: beleza e ridículo

Para alguns, a ideia de queda livre tem a ver com derrota, perda, fracasso. E pode até ser. Contudo, e se pensarmos, por exemplo, na mesma queda livre de um paraquedista que, mais tarde, pousará com sucesso em solo firme?

Eis o Fluminense de hoje, destes dias. Segunda-feira passada, o caos e a desordem frente à derrota no sul que vitimou Abel. Num súbito – na verdade, nem tão súbito assim -, surgiu Vanderlei Luxemburgo, a imprensa caiu de pau – se fosse em outro time, nem tanto -, a partida contra o líder Cruzeiro e a vitória tricolor atenuou corações, principalmente pela postura no segundo tempo – a entrada dos garotos Igor Julião e Kenedy apontou para a renovação de alternativas no elenco.

Mas afinal, era queda livre mesmo ou é ascensão? Ou estamos em voo livre, sem sabemos ao certo o que vem pela frente?

Uma semana, inferno e céu, o “time da zona de rebaixamento” se tornou o time a oito pontos do líder da competição. Seis pontos do G4. Nada mau para quem já foi centenário desafiando definições e favoritismos alheios.

A dinâmica do futebol exige resultados imediatos, o hoje, o agora, o já. Tudo é para ontem, o astro às vezes vira vilão e a falta de memória é um elemento mais do que comprometedor em termos de sobriedade e equilíbrio – dois dedos estalados, alguém que pedia a morte de um jogador o chama de herói. Sempre curioso esse tipo de comportamento- se fosse usado em todas as facetas da vida cotidiana, viveríamos num mundo de ainda mais barbárie do que o de hoje.

O fato é que o Fluminense da semana passada – ou das últimas semanas – não era nenhum amontoado de pernas-de-pau e nem se tornou a oitava maravilha do mundo graças a boas intervenções de Vanderlei na quarta passada. Sim, o título de 2012 fez gerar expectativas superestimadas do potencial do nosso time, mas elas parecem tão equivocadas quanto sentenças como “este ano vai lutar para não cair” e outros destemperos verbais mais acentuados.

Há quem diga que o torcedor pode tudo, que é paixão, paixão não tem limite etc. Será isso mesmo? Será que a paixão obrigatoriamente tem que cegar e desguarnecer qualquer ponderação? Que construa castelos e os destrua no segundo seguinte? Sinceramente não creio. É possível ter paixão pelo Fluminense, mas não pertencer a um planeta distante onde tudo é belo, a perfeição é constante e não há defeitos. O mesmo vale para um vale de sombras, onde tudo é desgraça e féretro. Aliás, essa alternância de polos é um fenômeno recente que observo em parte da nossa torcida, a qual integro em estádios há 35 anos. Não era assim. Acho importante o exercício da paixão, mas chega a ser cansativa a dialética entre o “tudo de bom” e o “tudo péssimo” – e por isso não compartilho dela.

O time de Abel começou ganhando e perdendo tudo em 2011. Depois, um ano de glórias de ponta a ponta. Neste 2013 a coisa desandou e o treinador foi trocado. Vanderlei deu um treino, logo foi à beira do campo e, claro, não podia fazer milagres embora tenha conseguido alguma pequena ajeitada. Foi o suficiente para uma vitória importante. Começou uma nova história que tem uma única partida por ora e amanhã, contra a Ponte Preta, terá sua segunda prova de fogo das muitas que virão campeonato afora. No caminho, mais vinte e oito jogos.

Chega a ser irônico que o autor de livros como “Do inferno ao céu” e “Duas vezes no céu” não tenha em si a concepção do antagonismo contido nos dois títulos literários aqui mencionados. E mantenha para si uma paixão controlada e administrada. Novamente recorro ao genial artista plástico Enrico Bianco para me defender: “A única coisa importante no homem é sua contradição”. E qual é o sentido da vida sem contraditório? Talvez nenhum. Às vezes queremos uma coisa, buscamos outra; noutras, temos uma mulher e amamos outra. Um emprego, uma faculdade, um negócio, uma distração, um romance de ocasião: estamos de um lado, queremos o outro. Quem nunca se contradisse que fale agora ou cale-se para sempre. No Brasil, talvez a única não contradição esteja no time de futebol que se ama, geralmente desde criança para o resto da vida, salvo exceções.

Pois bem, então eu amo o Fluminense, sou louco pelo Fluminense, mas me recuso a ser um louco que só vê o inferno ou o céu a cada fonema, cada sílaba, cada passo da estrada que se renova a cada rodada? Sim, é por aí. Uma paixão perene, intensa, mas sem faniquitos e desequilíbrios, que às vezes se confunde com um amor tranquilo. Depois de tantos anos, tanta coisa, tantas alegrias e também algumas tristezas, reservo para mim mesmo o papel de um humilde expectador: onde está o Fluminense, lá estou eu a cortejá-lo, oferecendo pequenos poemas e declarações de amor, ás vezes triste com percalços, mas sempre confiante que a próxima partida é capaz de reverter um quadro temporariamente ruim.

Não tenho medo do que vem pela frente neste campeonato.

Eu estive na terceira divisão e saí dela sem ter que pagar coisa alguma do que os boçais nos cobram sem razão. Logo, o cenário de hoje é bem melhor.

Eu não acredito em céu nem inferno, embora respeite profundamente quem defenda estes cenários – alguns de meus melhores amigos são um pai-de-santo, um católico fervoroso e talvez eu seja apaixonado por uma mulher religiosa. Mas eu não acredito talvez porque sou lúcido, talvez porque sou um idiota, talvez porque ninguém será capaz de provar nada a favor ou contra a dualidade tão referida aqui nestas linhas.

Na verdade, só o que acredito é nesta vontade de ver o querido Fluminense mais uma vez em campo. Nessa hora, é minha única semelhança com o nosso maior escritor tricolor, Nelson Rodrigues, a quem já fui muito comparado de forma pejorativa na condição de imitador – e não resisto a uma gargalhada, pois sempre imitei João Saldanha e Ivan Lessa, de modo que meus críticos praticamente assinaram suas sentenças de ignorância literária ao me malversarem.

Não acredito em quem vê tudo azul e é feliz o tempo inteiro, menos ainda em quem só vê Gotham City no mar de Copacabana.

Não tenho o menor problema em ser um idiota.

É um excelente motivo para rir dos gênios que sabem tudo, mas não sentem nada.

São incapazes de entender o que Cazuza disse quando escreveu um verso como “Você precisa é dar-se”.

Amanhã é só mais um capítulo. O mundo não vai acabar com uma derrota nem será o céu de Pollyanna com uma vitória tão desejada. Melhor tentar ser feliz com o futebol efemeramente do que sofrer vertiginosamente ou ver moinhos de vento.

Do resto, amigos, esqueçam.

No fundo, a vida não passa de uma bobagem.

Para que brigar na mesma arquibancada?

Estou velho para idiotices e inutilidades.

Amanhã é mais um jogo. Só um jogo.

Precisamos vencer. Os outros também. Todos.

E aí o impossível, o ridículo, a paixão e a realidade se encontram, com ou sem final feliz.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem – mundoeducacao.com.br

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2 Comments

  1. Andel: Confesso minha dificuldade em entender o reducionismo da sentença “O voo não é livre apenas, mas para os livres.”

  2. O voo não é livre apenas, mas para os livres. Somos mais que um paixão, somos o Fluminense de hoje e seremos o de amanhã. Vamos torcer e pensar positivamente para que os bons fluidos cheguem ao time. Vamos evitar que os anjos digam amém as nossas tolices e pessimismos. Vamos apenas torcer. Se ganhar ótimo, se perder terá sido apenas um jogo em uma história gigantesca de conquistas. Sejamos tricolores de coração.

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