Pelos estaduais (por Mauro Jácome)

66 FOTO
O assunto já está um pouco batido, mas, além de retórica, ainda não vi movimento efetivo, por parte dos interessados, para resolver os problemas que todos os estaduais, sem exceção, têm.Salvo uma medida aqui, outra muito além de ali, que podem contribuir para o início de uma virada. No entanto, dois ou três anos são suficientes para enterrá-las, acusadas de fracasso. Claro, nenhuma ação terá efeito prático, se isolada.

Os motivos são cantados em verso e prosa por torcedores, imprensa, dirigentes mais lúcidos e jogadores que vão além das modinhas. Excesso de times e de jogos, fórmulas bizarras, equalização de times com diferentes investimentos, arbitragens tendenciosas, concorrência com a TV, concorrência com outros torneios, excesso de taxas, estádios em condições precárias etc., etc., etc.

Morte aos estaduais! Por imobilidade geral, a sentença ganha força. Os efeitos dos problemas citados e de outros, que surgem a cada dia, e são, exaustivamente, exibidos pelos meios de comunicação, dão mais corpo à tese.

Saindo dessa corrida atrás do rabo, pergunto: seria, mesmo, melhor para o futebol brasileiro o fim dos campeonatos estaduais?

Por definição, não. Pela tradição, não. Pelo torcedor, não. E, pelo futebol brasileiro, não.

Quando escuto sobre o fim dos estaduais, logo vem à mente Pernambuco. Os seus três principais times (Náutico, Sport e Santa Cruz), com tradição que extrapola as fronteiras do estado, estão em divisões diferentes no Campeonato Brasileiro. E aí? Como ficaria lá? Goiás está na mesma situação. Bahia e Paraná estavam assim até o ano passado. Recentemente, o Pará foi manchete nos programas esportivos, pela quantidade de torcedores que Remo e Paysandu colocaram no Mangueirão, ao decidirem o primeiro turno do Campeonato Paraense. Sem os estaduais, esses dois times ficariam anos sem se encontrarem: o Papão chegou à segunda divisão ano passado; o Leão Azul tem ficado pelo caminho na Série D. O Re-Pa, o Atle-Tiba, o Ba-vi, o Clássico das Multidões (Santa x Sport) são quase a razão de viver dos torcedores locais. Há vários Derbies pelos estados, todos criados em função dos campeonatos estaduais. Ainda, alguém imaginaria nunca mais existir um Fla x Flu decidindo o Carioca?

Além do mais, acho inócua a discussão, pois, com a configuração política do nosso futebol, as Federações não dariam esse tiro no pé e a CBF nunca avalizaria qualquer decisão neste sentido.

No entanto, alterações são urgentes, para o bem dos clubes e de sua principal razão de ser: seus torcedores. Principalmente, por aqueles que são chamados de Grandes. No Brasil, o conceito “time Grande” tem duplo sentido: os Grandes em nível nacional (12 times) e os estaduais. Aqui, para fins de análise dos campeonatos locais, o que interessa é o conceito de time grande estadual. Em todas as unidades da federação, há os seus Grandes. Em regra, são os que concentram a maioria da torcida local e, em cada estado, o número de times varia entre dois e quatro.

Ao observarmos os públicos de cada torneio, verifica-se que os clássicos (jogos entre os Grandes locais) elevam as médias e os não-clássicos (jogos entre os pequenos ou entre um grande e um pequeno) derrubam a média. Fogem um pouco dessa regra alguns jogos entre um grande e um pequeno, em alguns estados e em algumas condições especiais: o jogo é na cidade do pequeno ou o grande está em uma situação específica (talvez, o melhor exemplo brasileiro seja o Santa Cruz). Mas isso acontece excepcionalmente.

Vejamos alguns números obtidos no site da Revista Placar e no da Pluri Consultoria:

Ranking de público dos Estaduais 2012 (média):

1 Pernambuco 9.134
2 Goiás 6.220
3 São Paulo 6.122
4 Pará 4.448
5 Bahia 4.121
6 Santa Catarina 4.012
7 Minas Gerais 3.581
8 Rio de Janeiro 3.058
9 Ceará 2.717
10 Paraná 2.481
11 Rio Grande do Sul 2.284
12 Alagoas 1.941
13 Rio Grande do Norte 1.416
14 Sergipe 1.176
15 Paraíba 961
16 Mato Grosso 902
17 Espírito Santo 895
18 Piauí 843
19 Maranhão 825
Total 3.273

Ranking de público no Brasil em 2012, incluindo as quatro divisões do Campeonato Brasileiro (média):

1 Brasileiro Série A 12.971
2 Pernambuco 9.134
3 Goiás 6.220
4 São Paulo 6.122
5 Brasileiro Série B 4.674
6 Pará 4.448
7 Brasileiro Série C 4.321
8 Bahia 4.121
9 Santa Catarina 4.012
10 Minas Gerais 3.581
11 Rio de Janeiro 3.058
12 Ceará 2.717
13 Paraná 2.481
14 Brasileiro Série D 2.302
15 Rio Grande do Sul 2.284
16 Alagoas 1.941
17 Rio Grande do Norte 1.416
18 Sergipe 1.176
19 Paraíba 961
20 Mato Grosso 902
21 Espírito Santo 895
22 Piauí 843
23 Maranhão 825
Total 4.583
Público por tipo de Campeonato em 2012 (média):

Nacionais (Séries A, B, C e D) 6.974
Estaduais 3.273
TOTAL 4.583

Média de público dos 12 Grandes Nacionais em 2013:

1° Cruzeiro (29.561)
2° Corinthians (24.273)
3° Atlético-MG (14.371)
4° Santos (12.987)
5° São Paulo (10.391)
6° Botafogo (9.230)
7° Vasco (8.802)
8° Palmeiras (8.527)
9° Flamengo (8.303)
10° Grêmio (6.558)
11° Fluminense (5.387)
12° Internacional (4.155)

Tendo os números à mão, fica fácil entender o porquê o excessivo número de times nos Estaduais atinge diretamente a média de público de cada campeonato. Quanto mais participantes Não-Grandes, mais não-clássicos acontecem, logo, a média de público é amarrada a uma pesada pedra e jogada no rio. Um bom exemplo da diferença entre os clássicos e não-clássicos está no Pará. Em 2013, até o momento, o Remo tem média de 15.311 e o Paysandu, 10.871 pagantes. Nos quatro primeiros clássicos os públicos foram de: 39.076, 38.193, 36.668 e 15.251 pagantes. Comparando com as médias de cada um dos times no campeonato, percebe-se como os não-clássicos reduzem os números.

Para fugir da asfixia financeira que os campeonatos estaduais impõem aos Grandes nordestinos, a Copa Nordeste retornou com força. Esse torneio expõe o desejo do torcedor pelos jogos “Grande x Grande”. Vejamos alguns números do torneio regional e, em contraposição, do estadual:

Santa Cruz – Copa Nordeste (21.337)
Santa Cruz – Campeonato Pernambucano (13.223)

Sport – Copa Nordeste (16.038)
Sport – Campeonato Pernambucano (11.008)

Ceará – Copa Nordeste (23.541)
Fortaleza – Copa Nordeste (16.845)

E a medida mais discutida atualmente e, também, a que daria o pontapé inicial para uma virada dos estaduais, seria a redução do número de participantes, necessária em quase todos os torneios. Ou seja, a diminuição da quantidade dos Não-Grandes. Aliás, não vejo uma alternativa que não passe por essa redução.

Uma fórmula já discutida seria a divisão dos estaduais em duas fases: a primeira, utilizando o segundo semestre de cada ano e sem rigor no número de participantes, classificatória para a fase decisiva; a segunda, reunindo alguns classificados da etapa anterior e os carros-chefes de cada estado, num torneio mais rápido e com clássicos suficientes para reanimar o torcedor.

Discutindo o assunto de forma objetiva e produtiva, dezenas de fórmulas surgirão. Recentemente, foi realizado um evento contando com diversos clubes com o objetivo de debater os problemas pertinentes ao futebol brasileiro. Pelo pouco do que foi informado, estavam presentes os principais dirigentes dos clubes. Porém, percebeu-se, pelos comentários de alguns participantes, que há um longo caminho a se percorrer e que terão vários obstáculos pela frente, entre eles:

• A continuidade dessas iniciativas. Não adianta ir para casa como se tudo não passasse de um happy hour de amigos depois do expediente;

• União. Esse é um dos principais problemas do futebol brasileiro. Os clubes sabem o que está errado, sabem como consertar, mas, na hora de evoluir, cada um se sente mais importante do que os outros, ou trazem à tona rancores de fatos passados, e as coisas acabam dando em água;

• Envolvimento das entidades. CBF e Federações precisam participar das discussões, afinal, nada poderá ser implementado sem o aval desses órgãos.

Participou do evento o zagueiro Paulo André, do Corinthians. Bem articulado, colocou alguns pontos de vista. Ótimo, mas vários outros devem participar, representando todas as regiões do país e todos os portes de times (grandes, médios e pequenos), afinal, o jogador corintiano representa a nata, uma minoria, dentro da massa de boleiros (mais de 2 milhões registrados na CBF e Federações), seja pelo salário que recebe, seja pelos campeonatos que disputa por temporada.

Um segmento que deve ser trazido para bem perto dessas ações é a imprensa esportiva. Há inúmeros jornalistas que podem contribuir com o processo de mudança. O rádio, a TV, os jornais e, cada vez mais, a internet, fazem parte da interlocução entre o público e os times. Hoje, a imprensa tem um papel muito forte na exposição dos problemas, no entanto, a ela, pode ser dado um papel colaborativo. Pelo alcance que têm, os meios de comunicação podem trazer as reivindicações do torcedor. Ainda, têm a experiência do dia-a-dia de ir a todos os jogos de futebol realizados no território nacional.

Tudo isso é muito bom que aconteça neste momento em que estamos vivendo, às vésperas do evento mais importante de todos os tempos: a Copa do Mundo. No entanto, sob o risco de consequências perigosas, algumas medidas seriam para ontem, entre elas, repensar os estaduais.

Mauro Jácome

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: globoesporte.com

Revisão preliminar: Rosa Jácome

5 Comments

  1. Proponho uma fórmula de disputa padronizada para todos os estaduais, na qual o campeão estadual seria conhecido em um jogo único a ser realizado em um estádio previamente escolhido para tal ocasião, entre o campeão da Superliga Estadual (mantendo a tradição, no Rio seria Taça Guanabara) e da Copa Estadual (no Rio seria Taça Rio), torneios esses que detalharei abaixo:

    Superliga Estadual

    Nº Participantes : 8 clubes

    Fórmula de disputa : turno único / pontos corridos

    Vagas em disputa : Campeão (Final do Estadual e Copa do Brasil) / 2º, 3º e 4º colocados (Copa do Brasil).

    Copa Estadual

    Fase de grupos : Realizada no mesmo período em que se disputa a Superliga.

    Nº Participantes : Todos os clubes profissionais filiados da federação que não disputam a Superliga.

    Fórmula de disputa : Disputada em grupos, de onde 8 clubes avançarão para fase seguinte

    Play-offs : Realizada ao término da Superliga

    Nº Participantes : 8 clubes oriundos da fase de grupos + os 8 clubes que disputaram a Superliga

    Fórmula de disputa : Confrontos em jogo único (com disputa de penaltis no caso de empate) até se conhecer o campeão.

    Os encontros seriam decididos por sorteio e o mando de campo seria da equipe que veio da fase de grupos.

    Caso as duas equipes sejam oriundas da fase de grupos ou da Superliga o mando seria decidido por sorteio.

    Vagas em disputa : Campeão (Final do Estadual e Copa do Brasil).

  2. Que belo trabalho.
    Os estaduais é que fizeram os clubes tornarem-se grandes. É a paixão local que os tornaram conhecidos a nível nacional. Uma Final de estadual em Minas, Rio Grande do sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pará mexe com todo o estado, uma paixão regional. Quando times dos centros menores do futebol jogam nos grandes centros, pelas competições nacionais, seja ela qual for, sempre tem torcida assistindo aos jogos nos estádios. É paixão que move todo o sentimento de ir ver o seu time de infância jogar. Matar a saudade de casa, estar juntos com seus conterrâneos naqueles simples 90 minutos de futebol. Se acabarem os estaduais, também morrerá o sentimento que mantém acesa a chama do torcedor.
    Mais uma vez, parabéns pela coluna.
    ST4

    1. Obrigado. O fim dos estaduais será o primeiro passo para a espanholização do futebol brasileiro. Que precisam ser revistos e adaptados à realidade não se discute, mas acabar seria o maior atestado de incompetência. Há interesse da TV em retirá-los e substitui-los por eventos nacionais, que rendem melhores anunciantes.

Comments are closed.