Outras conversas de arquibancada (por Paulo-Roberto Andel)

canal 7

Para os mais jovens, pode parecer estranho.

Entende-se pela sutilíssima campanha de limpeza étnico-social nas arquibancadas vigente por ora (“torcida organizada só tem vagabundo”, pfff), mais ou menos equivalente aos velhos choques de ordem da Guanabara dos anos 60, removendo favelas para “extirpar o mal pela raiz” ou sugerindo a aberração “tem mais é que jogar uma bomba em cima da favela e matar tudo”.

Gente branquinha, bonitinha, educadinha, bem nascida, batendo palminhas sentadinha e nada de incomodar milionários flanando em campo porque isso não é coisa de “tricolor de verdade” (talvez a mais primitiva das sentenças). Se tomar de quatro da Chapecoense ou de cinco do América de Natal, favor aceitar com humildade e resignação. Claro que todos esperamos que tais aberrações façam parte do passado para sempre, tanto os maus resultados quanto o primitivismo e os passeios no gramado.

No fim dos anos 70 e começo dos 80 no já distante século XX, a TV Bandeirantes, hoje Band, transmitia nas manhãs (às vezes, tardes) de domingo o programa “Conversa de Arquibancada”, onde os torcedores de futebol iam debater seus times.

A ideia, inovadora e jamais repetida, trazia para a popularidade muito além do estádio os que nele comandavam a festa, representando os quatro grandes do nosso futebol carioca. Sem contar que a rivalidade positiva era por demais estimulada, além de trazer certo clima de fraternidade entre os torcedores. E o programa era o grande canal de voz entre os aficcionados por futebol no Rio de Janeiro, num tempo ainda delicado por conta da última fase da ditadura cívico-militar (que merece uma coluna à parte, principalmente sobre diversos – e estranhos – assassinatos a tiros na geral).

O programa era tão bom que a maior dúvida está em entender como ninguém se interessou em reativá-lo. O espólio do velho Ivan Lessa talvez possa explicar: “A cada quinze anos, os brasileiros se esquecem do que aconteceu nos últimos quinze anos”.

conversa de arquibancada

Da nossa torcida, o general do vídeo era o inesquecível Seu Armando Giesta, da Young Flu, cobrando, reclamando, elogiando. Conseguia transmitir garra de torcedor na TV, acreditem. Geralmente a seu lado, dois garotos da Força Flu: um, mais agitado, Zezé (cuja breve história das arquibancadas precisa ser contada e escrita); outro, mais ponderado, Antonio. Dias divertidos num tempo em que o Flu tinha dois anos irregulares (1979 e 1981) cercando o fantástico 1980.

band 1979

O apresentador era Hamilton Bastos (posteriormente substituído por Denis Miranda). No cenário, arquibancadas mesmo. Na pauta, elogios, críticas, brincadeiras.

Ainda lembro de alguns outros torcedores da liderança: pelo Botafogo, o ícone Russão; no Vasco, Luis Carlos (Pequenos Vascaínos), Dulce Rosalina (símbolo cruzmaltino) e Amâncio Cezar (da TOV, um dos melhores professores que tive quando me formei na UERJ), mais Luiz Carlos (Pequenos Vascaínos); pelo Flamengo, Niltinho da Jovem.

Não é o caso de fazer proselitismo das torcidas organizadas, mas sim de reconhecer a sua importância histórica para a popularização do futebol e, principalmente, o de não incorrer na ignorância de dizimar instituições por conta de erros individuais, cujos autores devem prestar contas à Lei (qualquer semelhança com a palavra Petrobrás não é mera coincidência aqui).

Num futebol sem a opulência da televisão atual, a rotina dos garotos como eu aos domingos era de ler os jornais, assistir ao Conversa, um bom almoço e torcer para o pai puxar pela mão rumo ao Maracanã (felizmente o meu fazia isso algumas vezes). Na volta, resenha da TVE na mesa comandada por Luiz Orlando e, à meia noite, o VT completo do jogo das cinco da tarde (valia a pena espiar cinco minutos que fossem, só para ver o mar de gente no estádio, antes de dormir porque tinha escola no dia seguinte).

É claro que também tinha problemas. Quando não houve? O tri em dois anos, o ladrilheiro em campo e a besteirada do Wright no Serra Dourada atestam. Mas em termos de futebol por estas bandas, é duro pensar que os tempos da ditadura podem ter sido mais livres quando se tratava de futebol. Ao menos você tinha um Saldanha para ir contra a maré. Outros mais.

Por que falo disso tudo agora?

Talvez por deixar a mente ir longe neste momento em que não temos futebol no começo do ano.

Ou porque chega a ser estranho pensar que, em plena ditadura de Estado, conseguíssemos ser mais próximos uns dos outros no segmento de futebol, num Maracanã mais popular, apaixonado e enraizado na vivência diária do torcedor carioca (será que 2015 será diferente e melhor?).

Tudo longe demais dessas histórias do monumental estádio a ser devolvido pela iniciativa privada, Engenhão fechado súbita e misteriosamente (agora “reaberto” com 50% da capacidade), a velha rodada 38/2013 que é varrida para o subsolo e outras reservas de pus.

O tempo não vai voltar, mais ainda é possível fazer do nosso teatro maior do futebol um local de torcedores, não majoritariamente espectadores.

Será?

Talvez eu esteja saudosista demais. Que bom.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: google

2 Comments

  1. Otimo texto, sugiro o livro de Bernardo Hollanda sobre as torcidas cariocas deste periodo

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