Os subterrâneos do futebol (por Paulo-Roberto Andel)

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Oxigênio chamado futebol, essa deliciosa bobagem que nos entorpece, faz chorar, rir, vibrar e, acima de tudo, sonhar que o fracasso da quarta-feira pode se transformar na vitória retumbante do domingo seguinte.

Nada melhor do que ser um torcedor daqueles meio desligados, que não conhecem direito os esquemas táticos, as trairagens dos boleiros, as canalhices da cartolagem federassáurica. Sentar na arquibancada, apreciar a comemoração da torcida, esperar os gols e as boas jogadas. E só. Quando se enxerga os subterrâneos do futebol de perto, é muito difícil que o homem de bem não se decepcione com a escrotidão.

Quando comecei nessa lida, eu era apenas um menino com todo o futuro pela frente. Tulica podia ser um Tostão. Ademilton seria um novo Pinheiro, Neinha um novo Waldo. As ilusões da juventude. Muitas águas à frente, rios intermináveis. Começou com aquele belo time de 1980, todo da base.

Tantos anos depois, o maio já me cansa feito fosse um dezembro opaco. Antigamente se chamava “cumprir a tabela”. Lá vai um Fluminense para um novo campeonato. Pode ser que melhore, pode ser que não piore muito. A torcida já promete uma festa enorme, o que acho maravilhoso mas não garante nada, quem dera. Fosse uma segurança, jamais teríamos perdido a América em 2008. Mas é bonito ver a crença incurável dos companheiros de Setor Sul (antigamente, “atrás do gol”). A alegria do futebol, bálsamo para uma vida opaca na opressão da Terra.

Como o Flu foi eliminado do Carioca e espera o Brasileiro, surgiu um hiato. Então, noticiam de tudo: da medíocre mudança de lema ao short azul, das falácias do Eurico ao futuro incerto. Reforços que não virão, contestações aos que chegaram e o mais ridículo: quem critica ou discorda do que é feito “não é tricolor”, como se sê-lo significasse fazer o papel de Pollyanna no livro, num mundo perfeito e belo. Façam-me o favor: que tal parar com esses patrulhamentos estúpidos? Quem gosta, aplaude; quem não gosta, recusa. A rejeição faz parte do jogo da vida.

No mais, a arena outrora chamada de estádio do Maracanã (não confundam essa pérola yuppie de agora com sua versão original, por favor) vai balançar com suas cinquenta e poucas mil pessoas amanhã. Não estaremos lá. Ficamos pelo caminho. A verdade é que só jogamos uma partida bem, nos 3 a 1 sobre o Botafogo.

Na próxima semana, começa tudo outra vez.

Festa, esperança, empurrar um time limitado rumo a um título improvável (Copa do Brasil dá: é outro esquema), acreditar com fé no que não é plausível. Por favor, não joguem o pó de arroz antes do time entrar em campo.

Ouvir e ler hipérboles. Seguimos acreditando como nunca. Ainda bem que o futebol não é chato como a vida cotidiana: ele sempre pode desafiar definições e paradigmas. Por isso nos permitimos sonhar feito crianças.

Dirigentes: é natural o discurso positivo por ora, até acreditando no penta. Resta (ou espera-se) o bom senso para não se confundir otimismo com delírio. Eu também fui um otimista de mão cheia ao acreditar em Tulica, Ademílton e Neinha, com o desconto de que era um torcedor de 11 anos de idade, não de 47.

Grana: cuidar da dívida do Fluminense de forma austera e equilibrada é fundamental. Ponto crucial de qualquer novo governante a ser eleito. Só não pode ser o único. Caso contrário, um nome se torna imbatível nas eleições de 2016: o do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Ninguém na nossa torcida entende mais do assunto do que ele.

Esperança: é a última que morre e, por isso, vamos todos com ela em nossos corações imperfeitos. Seja nos escombros do Maracanã, em Volta Redonda ou em outros endereços da bola por aí. Trinta e oito jogos. Um arrastão em câmera lenta. Slowmotion.

“Analistas de postagens”: se o velho Nelson Rodrigues estivesse vivo, iam penar no deserto. Para ele, chamar o opositor de imbecil era couvert…

Nem falei do Chico Fraga e do Osni, o ponta-direita cabeludo e barbudo que veio do Ferroviário do Ceará (não era o craque baixinho do Bahia), acertando uma bola no travessão no zero a zero de Fluminense e Palmeiras de 1980. Trinta e cinco anos, rapaz. Parece que foi ontem. O time estava enfraquecido subitamente, mas era vencer ou vencer. Só.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: pra/guis saint-martin

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