Os quatro cigarros e a Libertadores (por Marcus Vinicius Caldeira)

1.

Em 1908, em São Gonçalo, o jovem Zélio Fernandino de Moraes, pertencente a uma tradicional família de lá, teve uma paralisia. O jovem estava às vésperas de ingressar na Escola Naval e a família ficou desesperada.

Zélio foi levado à vários médicos especialistas que não conseguiam apontar a cura para o acontecido. As semanas foram se passando e além da paralisia, Zélio passou a ter comportamento estranho e falar coisas desconexas.

Em novembro do mesmo ano, Zélio anunciou que no dia seguinte voltaria a andar.

E assim foi feito.

2.

Mesmo tendo voltado a andar, os distúrbios, o comportamento estranho e as falas desconexas continuavam.

A família, católica, levou o jovem a padres pensando ser uma obsessão espiritual e estes indicaram o retorno ao tratamento médico.

Uma vizinha vendo o desespero da família e que nenhum tratamento médico dava resultado neste comportamento recomendou que a família levasse o jovem à Federação Espírita do Rio de Janeiro (kardecista).

E assim foi feito.

Zélio foi recebido pelo presidente da federação espírita para tratamento espiritual. Numa dessas sessões, Zélio incorporou um caboclo (espírito de um índio brasileiro). O presidente da Federação Espírita do Rio de Janeiro reclamou e informou que ali não aceitava “almas atrasadas” como aquela.

Zélio protestou e disse ali mesmo que no dia seguinte estaria fundada uma religião que aceitasse espíritos de índios, negros, crianças e povos de rua – nenhum deles aceitos em mesas kardecistas – para que estes pudessem trazer suas mensagens do plano espiritual e cumprir sua missão, sua evolução spiritual.

Após essa verdadeira “luta de classes” espiritual, estava fundada a Umbanda, religião genuinamente brasileira e o primeiro terreiro de umbanda (em Niterói) comandado pelo médium Zélio Fernandino de Moraes.

3.

Minha avó era meio católica, meio umbandista. Minha mãe era umbandista e me batizou na igreja católica e na umbanda.

Comecei minha vida como católico. Virei ateu. Depois voltei à umbanda quando, quase depois de ver a morte de perto (um quadro de pré-enfarto aos 26 anos), pedi ajuda espiritual para recuperação.

Fui recuperado, não tive nenhuma sequela, vivo uma vida normal e nunca mais larguei a religião, onde sou praticante.

Sou um marxista umbandista. É mole?

4.

Minha mãe, além de umbandista, era tricolor. Em parte, tem culpa por eu ser tricolor e eu agradeço a ela por isso todos os dias.

Minha mãe adorava o Tuta. Eu reclamava do Tuta e ela me repreendia. Mas ele fazia gols e minha mãe adorava. Ali entendi que o ídolo não precisa ser um supercraque. Tuta não era um supercraque e minha mãe o idolatrava: “Meu Tutinha”, “São Tuta”. Eu ria. Hoje, choro a saudade dela.

Quando o time estava em aperto nos jogos, ela ia para o seu altarzinho em casa, acendia uma vela, orava e quebrava outra: “É para quebrar as forças do adversário”, ela dizia. Nunca acreditei nisso, mas sempre pedia para ela acender a vela. Um homem sem fé em algo é apenas uma poeira no universo.

5.

Passei a ter minhas crendices, também. Em jogos decisivos, acendia charuto para nosso Pai Ogum. Aliás, a bandeira de Ogum é verde, vermelha e branca. Tem uma cruz de malta no meio, mas isso ignoro.

Na final da Copa do Brasil, meu chefe à época barrou minha viagem para Floripa. Fui assistir a final num barzinho pequeno no Leblon. Eu, dois amigos tricolores e uma amiga flamenguista.

Ao começar o jogo, acendi meu charuto, e pedi proteção para o Fluminense. Bingo. Minutos depois, Roger abre o marcador para o Fluminense.

Passei a fumar o charuto devagar, só tinha aquele. E para mim, aquele charuto protegia o Flu. “Anda com fé eu vou que a fé não costuma falhar”, já cantava o tricolor Gilberto Gil.

O primeiro tempo acabou e o charuto também. Bateu o desespero em todo mundo. E todos, inclusive minha amiga flamenguista que morava no Leblon “ordenaram” que eu fosse numa tabacaria que existia na mesma rua do bar para comprar outro charuto.

Assim o fiz. Eu o acendi e o sustentei até final do segundo tempo.

O final, todos já sabemos.

6.

No ano seguinte a essa conquista, realizada graças ao meu charuto (mil risos), o Fluminense vai ao último jogo da final da Libertadores, no Maracanã, precisando de três gols de diferença.

Um dos meus guias espirituais é Seu Zé Pelintra, um malandro boêmio que hoje incorpora nos médiuns e traz sempre boas novas do mundo de lá. Adoro Seu Zé. Seu Zé gosta de cigarro, cerveja, samba e mulheres. Disso aí, só não gosto de cigarro.

Levei quatro cigarros para o Maracanã para final. Ia acender um de cada vez pedindo para que cada um dos três gols saísse e o último para agradecer a conquista.

A conta furou logo de cara com o gol de Gueron, Pensei: “o que seria para conquista, servirá para pedir pelo quarto gol”.

Acendi o primeiro. Thiago Neves marca.

Dei um tempo. Acendi o segundo. Thiago Neves marcou de novo.

Acendi o terceiro. Thiago Neves de novo. “Obrigado, Seu Zé”.

7.

Odeio fumar. Mas, fiz esse sacrifício. O jogo estava tenso e foi para a prorrogação. Resolvi não acender o quarto cigarro. Primeiro, porque já estava tomado pelas tragadas e segundo para deixar em caso de desespero.

Acabou o primeiro tempo da prorrogação e o desespero veio: “Vou acender o cigarro, pois é agora ou nunca”.

Botei a mão no bolso para pegar o cigarro e… Ele quebrou dentro do bolso da calça.

Não acendi.

O final conhecemos.

Fim.

Acredito na vida após a morte, que somos formados de corpo e alma, no espiritismo e na umbanda.

Não acredito no espiritismo para conquistas materiais. Espiritismo e umbanda são caridade, amor ao próximo e evolução espiritual.

Não quero que acreditem nessas histórias que relatei na Copa do Brasil e final da Libertadores.

Mas…. Aconteceram.

O Fluminense é um gigante.

Panorama Tricolor

@panoramatri

@mvinicaldeira

Imagem: mvc

6 Comments

  1. Grande Caldeira, minha filha chorou muito na Liberta e depois na Sula…..onde vc estava na Sula???

    Um dia a ignorância e a soberba terá fim, então veremos que se tem espíritos voltados ao bem, é espiritismo, por enquanto as divisões e rituais são necessários, cada um pode se sentir bem onde quiser…..afinal Somos Todos Espíritos.

    Abraço

    Em tempo: Kardecismo, não foi criado por Kardec…apenas o espiritismo.

    1. Qualquer religião ou nào religião que prrique o amor ao próximo na essência é bem-vinda.

      Abtaços.

    1. Achou?

      Os homens também acharam Cristo ruim e preferiram um ladrão. Faz parte.

      Não esvrevo para agradar a ninguém. Apenas contar historia ou emitirr opnião sobre algo. Neste, caso contar historia.

      Abraços fraternos.

  2. Agora eu já sei quem foi o grande culpado pela perda da Libertadores. Em tempo: sou espírita. ST

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