Obrigado, Berna (por Paulo-Roberto Andel)

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Eu estava lá quando você entrou naquele barco furado de 2006 e ajudou muito a levá-lo até o cais, contra todas as intempéries do mar da imprensa. E você fechou o gol nas partidas finais. Nunca é demais lembrar: por causa das partidas daquele limiar de campeonato brasileiro é que eu passei a escrever crônicas regulares de futebol do Fluminense.

Testemunhei quando você foi para o banco sem reclamar em 2007 – e outras vezes depois. Não deveria ter ido, estava melhor, mas foi. Fernando Henrique voltou, fez boa Copa do Brasil, teve seus tropeços tradicionais, você aceitou tudo calado. Entrou quando foi preciso e mostrou a competência e a frieza habituais.

Um belo dia, quiseram te crucificar por causa de uma goleada do Goiás. Verdadeiro festival de fuzilamento na pequena área. Uma bobagem. Outra vez, cabeça erguida, você respirou e continuou honrando a nossa camisa.

Nada como um dia após o outro. Quem espera sempre alcança. Chegou 2010, éramos candidatos ao título, nosso gol estava a perigo. Você entrou e não perdemos mais: fomos campeões depois de 26 anos. Assim escrevi em minha crônica “Uma noite de Paulo Victor”, meu primeiro livro, “Do inferno ao céu – a história de um time de guerreiros”, 2009, página 116:

“Não somos pascácios: sabemos que um grande triunfo estava realizado no sul. Um ponto miraculoso, que veio do esforço de todo o time, a garra de Diguinho salvando um gol certo. Mesmo os que entraram, Rodriguinho e Valencia (Belletti só entrou a um minuto do fim) fizeram parte desta entrega d’alma à camisa das Laranjeiras. A derrota do Cruzeiro ajudou, sem dúvida, mas se o Fluminense ontem se manteve – MERECIDAMENTE – líder do campeonato brasileiro, deve tudo a um único nome (sem detrimento dos demais): Ricardo Berna. Pouco afeito a vôos acrobáticos e pernósticos, sempre bem posicionado, sóbrio, alternado reposições de bola rápidas e mais lentas conforme a necessidade, dotado de personalidade nas saídas de gol e até mesmo fazendo algo raro em suas passagens anteriores como titular: vibrando nos lances. Berna fez uma partida perfeita. Recuou o braço ao ver Diguinho atrás de si na cabeçada de Alecsandro logo no começo da partida. Estava firma no lance quando a bola bateu na trave esquerda, ao fim do primeiro tempo. Espalmou chutes fortes de Sóbis e Giuliano. Socou com eficiência os cruzamentos na área que enfrentou. Defendeu de primeira outros chutes que muitos goleiros insistem em rebater – alguns, pior ainda, com o pé. Fechou o gol na primeira etapa e foi apenas excelente no segundo tempo: basta lembrar a defesa perfeita na cobrança de falta de Andrezinho, praticamente um pênalti, fechando a partida. O jogo poderia durar mais cinco ou onze horas: estava claro para todos que Berna não iria sofrer gols ontem à noite. Agarrou tudo; o que não pegou simplesmente não foi chutado. O time está de parabéns pela raça, mas é fato que todo time precisa começar por um grande goleiro – e foi o que aconteceu ontem. Quero lembrar que não é a primeira vez que isso acontece. Quando o Fluminense bateu à porta do descenso em 2006, viram que era impossível se salvar com um beque-equipe sem usar as mãos para fazer defesas. Berna entrou num navio à deriva e ajudou a salvá-lo: o Fluminense não caiu. Em 2007, fazia uma jornada regular quando foi barrado por decreto. Manteve sua postura, continuou treinando, teve uma nova chance ano passado, mais uma vez entrando como titular num time em frangalhos. Sofremos duas goleadas merecidas para Santos e Goiás, ele pagou novamente o pato. Agora, devido ao mau momento de Rafael – que foi muito importante na brilhante arrancada do ano passado – voltou ao gol do Fluminense. Pela primeira vez desde que chegou às Laranjeiras, é titular num time de grande qualidade. Percebam que, desde que foi efetivado, o time não perdeu mais.”

Foi pouco: você fez a melhor partida de um goleiro do Fluminense desde que São Paulo Victor nos deixou há 25 anos. Jogo contra o Inter no Beira-Rio, 0 x 0 e pelo menos dez grandes defesas. Depois, lembro do teu justo desabafo em Barueri quando fomos te cumprimentar na saída depois dos 4 x 1 contra o São Paulo: muitos ainda não tinham dado o valor que você sempre mereceu.

Depois Cavalieri veio ser o titular e se tornou o melhor goleiro do país. Nos momentos necessários, você sempre atendeu aos chamados com dignidade: lá estava quando demos o primeiro passo rumo ao tetra brasileiro, 1 x 0 em cima do Corinthians no Pacaembu. E quando Cavalieri defendeu o pênalti no Fla-Flu dos cem anos, você foi o primeiro a vibrar. Solidariedade de amigo, espírito de equipe, um torcedor do Fluminense realizando seu desejo de criança e nos defendendo em campo.

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No futebol de hoje, com idas e vindas e amores que passam em seis meses, você empenhou amor de atleta à nossa camisa por quase uma década, um novo Marcão nos tempos modernos – e ajudou a fazer de um time que era regulamente rebaixado nas manchetes um respeitado conjunto em toda a América.

Por mim, você encerraria a carreira conosco, seria dirigente, treinador, qualquer coisa. Mas entendo: o fim pode estar chegando, você ama o futebol e quer jogar, isso é tão importante que pode significar abrir mão do teu amor, do time do teu coração. E respeito.

Mas que estou triste, estou.

Tenha aqui sempre um amigo, um admirador, um correto irmão, alguém que torceu por você não apenas nos títulos – onde todos torcem –, mas também em partidas “menores” como estas recentes de Macaé e outras, como em Bangu. Você acertou muito, errou pouco, foi digno sempre. Um gigante. Haja o que houver.

O que tiver de ser, será.

Obrigado por tudo, Ricardo Berna.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

2 Comments

  1. Berna é um profissional corretíssimo. Ficou no banco por muito tempo, deu azar de encontrar goleiros em ótima forma no Flu. Merece ser titular em outro clube, é um excelente goleiro e vai ajudar muito seja o time que for. O Berna é um reserva de luxo.
    Sério, reservado, jamais reclamou do banco. Que seja feliz onde estiver e que leve semrpe o Flu no coração. Hasta la vista!

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