O Tricolor O Alvinegro (por Paulo-Roberto Andel)

JÁ contei por aqui que eu poderia ter sido Botafogo. Repito a história: é melhor uma reprise do que, por exemplo, alugar as próprias opiniões para dirigentes, mas disso falamos depois.

Pequenininho, com um ano de idade, eu já era tricolor mas nem sabia. Vestia uma camiseta branca com o nosso escudo ocupando todo o peito e barriga, com uma frase em cima: “Sou Fluzão”. Anos e anos depois de crescido, eu tinha essa camiseta e a celebrava. Meu maior encantamento ao vê-la era ter a certeza de como eu era pequenininho – e isso me dá saudade pelos momentos felizes.

Ainda mais anos, acho até que estava no começo da faculdade, por alguma razão fui mexer no armário dos meus pais, acho que para guardar algo. De repente, me veio à mão um pacotinho de plástico lacrado. Quando olhei, era uma camiseta idêntica à da minha infância, só que com o escudo alvinegro e a frase “Sou Fogão”.

Não foi difícil entender. O que provavelmente aconteceu? Minha mãe, que não era tão ligada em futebol, comprou as camisetas num mesmo lote e, claro, meu pai vetou o uso da botafoguense.

Às vezes fico pensando no que teria sido de mim se não fosse tricolor. Será que tudo teria sido tão diferente? A História mostra que há dúvidas. De toda forma, apesar dos pesares, estou bem onde escolhi ficar desde o dia do álbum de figurinhas, que completará 50 anos neste 2023.

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A única vez em que saí do estádio no intervalo foi em 1979, arrastado pelo meu pai, devidamente emputecido com o show de Mendonça: 3 a 0 no primeiro tempo. Foi muito chato, até porque vínhamos de dois bailes sobre Bangu e Flamengo. Essas coisas marcam a gente. Tudo bem, o Flu já tinha feito 4 a 1 naquele mesmo ano e daria um belo troco em 1980, também com um baile no primeiro tempo por 3 a 0 – e show de Cláudio Adão, o maior camisa 9 que acompanhei no Flu – vi Doval, claro, mas poucas vezes. Sim, amigos, Fred jogou demais, é o segundo maior artilheiro da história, fez um monte de gols em cima do Botafogo e tudo isso trata de fatos inquestionáveis, mas para meus cansados olhinhos Adão conseguiu jogar ainda mais – por média, dentre os que jogaram mais de 50 partidas, está entre os quatro maiores artilheiros da história do Fluminense.

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Junto com Sussekind, vimos o 5 a 0 de 2003, num show de Romário, às vésperas de sair do Flu para o mundo árabe. Jogamos um campeonato de botão na saudosa Rex e fomos para o Maracanã, era tudo tão simples. Um domingo glorioso.

Romário, por sinal, aniversaria hoje ou amanhã. Não foi campeão no Flu, mas fez chover em vários jogos. Um monstro supremo. Ele em campo era um Fluminense à altura de suas tradições.

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Agora, o que me tem tocado ultimamente é 1983. Assustador que já tenha 40 anos.

Flu x Bota, eu fui para o Maracanã nas cadeiras – os escoteiros não pagavam. Vesti meu uniforme e coloquei um agasalho verde que meu pai me deu de presente. O tempo estava fechado, ia chover.

Saí cedo, peguei o 435 vazio e, no Catumbi, um assaltante roubou o passageiro perto do motorista para fugir em seguida. Roubou ou tentou roubar, eu vi de longe, estava no último banco.

O Maracanã lotado como nunca mais esteve no Clássico Vovô. Mais de 110 mil pessoas. Fizemos 1 a 0 com Washington, botamos a mão na Taça Guanabara mas, a dez minutos do fim, Nunes – ele mesmo – acertou uma bomba no travessão e a bola sobrou limpinha para Marco Antônio – ele mesmo – tocar de cabeça para o gol vazio. Claro, passaram a noite e a segunda-feira falando de 1971 mas não dava pra comparar: ali começava a nascer a história de um Fluminense grandioso, campeão, protagonista. Ainda não sabíamos da traição do Cláudio Garcia, nem do que Assis iria aprontar. O passado é fascinante, em especial o que antecede grandes momentos.

Quarenta anos.

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Hoje vamos com o time titular. Yago está mal, deve rodar. Vinte ou trinta mil pessoas no Maracanã, são outros tempos, já está bom. Mais de cem mil? Nunca mais.

O domingo já não tem rádio ligado cedo, jornais empilhados, pão francês fresco nem pão de queijo. A casa não tem barulho. O coração não bate mais forte, sonhando com a frase mágica “Paulo, vá tomar banho pra gente sair”, senha para o Maracanã. Pelo menos sobrou um monte de histórias. São elas que alimentam o eterno presente em que vivemos.

Delei, Gilberto e Mário. Leomir, Washington e Tato. Já falei aqui que o Leomir tinha que ser patrimônio eterno do Fluminense.

Pintinho, Cléber e Rivellino.

Ok, passou, passou, mas o Flu é favorito logo mais. Quero dizer, favorito até começar o jogo. A partir daí, tem que provar o favoritismo em campo.

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Ia falar dessa verdadeira palhaçada sem caráter de louvor a Caio Paulista e Marrony, mas fica para a próxima. O clássico é muito, mas muito mais importante.

Mesmo assim, não custa lembrar: likes comprados não garantem talento nem credibilidade. Aliás, nem os grátis.