O foco é outro (por Paulo-Roberto Andel)

laranjeiras 1991

THESE ARE DAYS

Dias de julho, nem tão frio e com alguns pequenos momentos de calor, as ruas violentas da cidade com suas pessoas em passos rápidos antes que venha a próxima facada ou bala perdida. O resto? Continua quase tudo onde sempre esteve. Exceto visíveis pioras, sempre possíveis.

Aí está o futebol, essa paixão secular que tinha a missão de divertir e agora parece muito mais do que isso, quando não sobe nas tamancas e troca os pés pelas mãos – muitas vezes, pois. Antigamente o sentido da coisa era vibrar com as vitórias do time, lamentar as derrotas, cobrar quando necessário, apoiar sempre, mas sem deixar o mundo paralelo tomar conta do real. Parece que mudou, mas não vai ser assim para sempre – e o sol há de nascer nas Laranjeiras do nosso amado Fluminense.

DOIS ZEROS

Vá lá, eu até tinha algum motivo para a pequena empáfia que alimentei até os dezenove anos de idade – e todo ser humano que a cultiva depois dessa idade é, tecnicamente, idiota: aluno nota dez, com vários noves e alguns oitos, ponteiro em Matemática, passei no vestibular quando ele ainda era um desafio. Sem dinheiro, sem cursinho, com a família falida, encontrei na querida UERJ o refúgio em 1988. Formação de ponta, integração acadêmica, gatinhas, o Maracanã ao lado (quando ele ainda era o Maracanã), parceiros tricolores, pelada no ginásio (literalmente), a vida era uma festa para quem só tinha o dinheiro da passagem no bolso.

Veio a prova de Cálculo I, minha autossuficiência a mil e… BLEARGH! Um retumbante zero, daqueles de nocautear Tyson no auge. Mas um garoto de dezenove anos tem direito a moderadas doses de empáfia e, ao saber que a primeira prova tinha registrado 52 (cinquenta e dois!) alunos sem pontuação numa turma de 100, fui o único daqueles a voltar para fazer o segundo exame. Estudei (mas não muito: eram tempos difíceis). Segundo zero, óbvio.

O fracasso é capaz de recuperar as pessoas, pelo menos aquelas com raciocínios mais apurados. Caí estatelado no chão. Três meses antes, eu não tinha tido mais de cinco notas vermelhas em todo o meu boletim escolar, nenhuma delas em Matemática. Desmaiei. Aquilo mudou a minha vida. Em Copacabana, no Bairro Peixoto, na Figueiredo Magalhães, eu podia até ser o garoto bom nas contas, mas na UERJ eu era um estreante de segunda divisão. Carreguei aqui comigo por dias e dias e, na verdade, para sempre. A empáfia é uma merda. Ela tira o sujeito de sua realidade factível e o coloca num mundo de sonhos e rococós às vezes impossíveis de cumprir.

Entendi minha modestíssima posição no mundo e toda vez que chegava ao grande pavilhão acadêmico, eu olhava para aquele complexo gigantesco de prédios, cinzento, minha Gotham City particular, e me sentia absolutamente minúsculo como sou. Uma formiguinha diante de uma bela obra do homem. E só. Isso não me impediu de obter pequenos progressos numa vida com belas experiências e vários momentos felizes.

Nunca mais me deslumbrei com nada, nem quando dois ganhadores do Prêmio Jabuti me recomendaram para uma editora, no que sou eternamente grato. Nem quando consegui meu suado diploma, sendo um dos seis sobreviventes daqueles 100 da turma dos zeros. Nem quando beijei algumas das garotas mais bonitas de meu tempo. Nem, quando me tornei o profissional mais antigo do país em minha área específica de atuação profissional. Centenas de pessoas já me agradeceram e me enalteceram em função de minha carreira literária tricolor, o que me deixa bastante orgulhoso. Contudo, nada disso pode ter sido mais importante do que as experiências de amor e camaradagem que vivemos pelaí, seja numa mesa de bar com amigos, no beijo da mulher amada, no grito de um golaço do nosso time, na vitória de uma pessoa querida diante de uma enfermidade, na comida chegando à boca de uma sofrida pessoa faminta.

Há muito a ser feito em todos os lugares, em todos os cenários da vida.

No futebol não é diferente e no Fluminense, menos ainda.

A empáfia nada constrói além de vantagens individuais para um ou outro malandro de ocasião. Acontece que malandro que é malandro, é malandro demais.

Por menor que tenha sido a arquitetura intelectual da nova casa temporária, essa estadia em Edson Passos pode ser muito importante por um aspecto que considero essencial: o reencontro do Flu com o povo, o seu povo. Esse que ainda pelos trens, pelas gares, nas filas, às vezes carregando caixas de isopor com refrigerantes, pacotes de biscoito ou surradas mochilas com o uniforme do trabalho. O Flu dos bairros humildes, das favelas, dos conjuntos habitacionais. O Flu dos radinhos de pilha na portaria e dos escudos pintados nas portas das biroscas. Um Flu sem sobrenomes estrangeiros nem tradicionais, cheio de Silvas, Souzas, Oliveiras, Ferreiras, Pereiras. De nordestinos, negros, homossexuais, gordos, baixos. Aquele Flu que por um, dois ou seis motivos, andou sendo convidado a se retirar dos estádios paulatinamente e precisa estar presente, queiram ou não os pernósticos de ocasião.

Mas é bom que se diga: um Flu sem ser excludente. Também o dos chiques e famosos, dos ricos, da turma da orla, dos grandes salões reservados e companhia limitada vert, blanc, rouge. Um Flu do povo, um Flu do mundo, familiar a milhões. Ou milhares, feito esse domingo em Edson Passos, com um time limitado, mas que pode render bem mais do temos visto. Lembram daquele “timinho” de 1991? Pois é, muitos dizem que eram anos terríveis, mas chegou à final do Carioca (quando ele ainda era o Carioca) e às semifinais do Brasileiro. Bem mais do que temos feito nos últimos anos. Aos desavisados, sugiro comparar as escalações.

O Fluminense não rima nem casa com empáfia. Ficam de lado essas bobagens dos papagaios de pirata da internet. As milícias virtuais. A grandiloquência dos deslumbrados ocos. A politicagem babacopata. A conversa para boi adormecer em berço esplêndido.

Precisamos vencer. Ponto. Mais gente, menos falácia. Mais povo, menos pose. Três cores, não uma só.

Domingo é dia do Flu se reencontrar com um bom resultado, com um astral positivo e, principalmente, com sua história, cheia de talheres de pratas e também marmitas.

Um dia, todos entenderemos que esse é o nosso amálgama e aí sim o Fluminense será invencível de corpo e alma.

torcida do flu canal fluminense

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: pra/cflu

o fluminense na estrada set feature

1 Comments

  1. Belíssimo texto, estarei em Edson Passos com seu texto na memória 🙂

    ST!!

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