O Flu e os números do futebol (por Crys Bruno)

“E eu? O que é que eu faço com esses números?”

Esses dias, enquanto apreciamos nossa molecada, me deparei com matérias que me chamaram bastante atenção, todas com análises e bases em números do jogo de futebol e do jogador.

Após viver cinco dos últimos sete anos entre Inglaterra e Portugal, acompanhei de perto essa “coisa” que chamam no Brasil de “futebol europeu” que importamos dos anos 1990 para cá, como “vira-latas”, complexo bem definido pelo nosso amado Nelson Rodrigues.

Lá, eu já esperava o uso excessivo da métrica analítica, especialmente na Inglaterra, copiada pelos portugueses, o que de certa forma pode indicar a escassez de triunfos das suas escolas, bem como a busca sedenta pelos resultados e a excelência conquistadas pela Itália e Alemanha, com o assombro recente dos “baixinhos” da Espanha.

A conclusão foi responsável e lógica: a métrica identifica alguns fatos do jogo. Alguns. E só. Sinto-me até solidária quando vejo Junior, Casagrande ou mesmo outros ex-atletas que comentam na grande mídia, terem que comentar sobre estatísticas que os narradores falam. Isto porque no futebol esses números estão bem distantes de catalogar o todo.

Em esportes como Basquete, Baseball, Futebol Americano e Rugby, há o talento e toda beleza do esporte num todo, mas no futebol, metricamente, o espaço facilita quem tem talento porque lhe oferece mais possibilidade para executá-lo sem prejudicar o coletivo, enquanto noutros, talvez pelo espaço restrito e dinâmica mais acelerada, seu atleta talentoso fica mais restrito, o espaço para o improviso é menor, diferente do futebol.

Isso pode explicar bastante porque ainda os números, suas estatísticas e dados indicam muito pouco do jogo e da atuação do jogador no futebol, diferente do que se consegue captar, por exemplo, no basquete da NBA.

No entanto, há de se exaltar e muito a sua importância na área física, no preparo corporal do atleta para seu rendimento, que beira à exatidão como o seu nome pede.

Áreas das ciências exatas evoluíram maravilhosamente, assim como a Medicina, enfim. Basta uma simples pesquisa sobre expectativa de vida de 50 anos atrás em relação a hoje. Os recursos, tanto para a prevenção quanto para o tratamento, são infinitamente melhores.

Seus profissionais são indispensáveis para o cuidado e a orientação ao atleta de alto rendimento tanto quanto a tecnologia é para eles, porque colabora na possibilidade de trabalhar cada um no desenvolvimento de recursos necessários como resistência, equilíbrio, força, agilidade, potência. Aliás, potencializar algo já natural daquele indivíduo e melhorar algo nele mais escasso em termos atléticos é o que há de fantástico em seus bonitos trabalhos.

Mas tecnicamente a lacuna é quase total. Uma menção: os profissionais físicos não são obrigados a ensinar técnica. Não é “culpa” ou “falha” deles a técnica ruim dos moleques. Então, a questão: onde estão quem têm essa excelência? A queda do nível técnico dos jogadores profissionais brasileiros está assustadora, doída, sofrida e precisamos de uma força-tarefa (está na crista da onda) para isso nas divisões de base, na formação do jogador, inacreditavelmente ruins em recursos básicos como passe, finalização, desarme, posicionamento, leitura de jogo.

Os grandes craques, chamados assim pela capacidade de criar o movimento distinto, imprevisível, estão cada vez mais raros. Temos ido buscar meio-campo de criação e atacantes dribladores na Argentina, Colômbia e até, pasmem, no Equador.

Orejuela, magro, sem músculos, dificilmente chegaria ao profissional no Brasil. Na sua posição, nos últimos dez anos, tivemos na Seleção: Emerson, Felipe Melo, Luiz Gustavo.

Dados e estatísticas de jogo não captam ainda nem qualidades fundamentais para cada função, nem defeitos letais, os quais indicarei alguns: passe médio e longo frontal, drible frontal, visão de jogo, noção de cobertura, tempo de bola, movimento de corpo para proteção da posse de bola, movimento de cabeceio correto, posicionamento, recomposição.

Os números não explicam como laterais como Welington Silva, com trezentos anos praticando futebol, erram 50 ou mais cruzamentos para acertar um? Eles também não mostram os erros da inação do defensor, que larga o lance ou trota, o erro no deslocamento (movimento), as situações que o levam a falhar.

No futebol, ainda, os números dão muito poucas respostas, uma porcetagem muito pequena da atuação do coletivo e do indivíduo.

Não raro, nos deparamos assombrados quando números “dizem” que Diguinho passa melhor que Deco, ou que André Gomes acerta mais passes que Xavi e Iniesta, ou Luiz Gustavo pontua mais que Tony Kross. O que os passes laterais produzem ao time? Nada. O que adiantam ou dizem esses números? Nada. Eles cravam coisas óbvias, tipo: assistências, desarmes, gols.

O futebol exige e apresenta mais complexidades de movimentos e dimensão de improviso e os métricos estão diante desse desafio de aproximar os números à realidade do jogo. Se um dia conseguirem, adeus resenhas e arte, eu suponho. E mais: como sobre toda arte, não conseguirão, o que também revela a beleza da ciência. Mas se aproximarem mais do fato do que hoje temos, seria bacana porque essa área gera empregos a muita gente. Isso é louvável e apoio.

Só que academicamente se sabe que a métrica das estatísticas ainda é capenga sobre o futebol. Afirmar o contrário é decidir se distanciar da própria ciência e sua histórica ausência da verdade absoluta e imutável. No entanto, pela razão boa deles comporem o departamento de futebol, podem e, creio, irão melhorar mais.

Sem querer transformar o texto em peça acadêmica, longe disso, embora a especialização em Gestão de Futebol Profissional tem me ensinado muito da razão do excesso de tecnologia, exagerada até, porém tão indispensável quanto o nosso empirismo, me preocupa o coordenador do centro de ciência e base de dados do Fluminense afirmar que Henrique Dourado tem surpreendido e que Morata, pelas estatísticas, fez temporadas com médias do nível de Messi e Cristiano Ronaldo.

Bastariam essas informações, catalogadas pelos mais bacanas softwares do futebol, para provar a falha dos números e o seu perigo caso se valha somente deles para embasar avaliações de jogo e jogadores.

Não que os números erraram. Nada disso. Mas eles, por si só, em sua incompletude, podem igualar Morata a Cristiano Ronaldo e Messi. Por quê? Porque a métrica das estatísticas são capengas no futebol. Para um papo de mesa de bar, resenha na TV, “têtra” no Twitter, dinâmica para uma transmissão ao vivo do jogo, entende-se.

Para embasar a decisão e direção na avaliação do rendimento de equipe e de jogador num departamento de futebol de um clube profissional, jamais.

O trabalho de catalogação é bacana e um colaborador, ele soma, mas não resulta. As estatísticas, por exemplo, não mostram características fundamentais na avaliação tanto do jogo quanto do jogador tais como jogo de corpo (saber proteger a bola), deslocamento, posicionamento, média de passe e drible frontais, média de cabeceio correto, senso de cobertura, tempo de bola, domínio e qualidade de condução da bola, só para eu citar alguns.

Não, senhores, os números de estatísticas não dizem tudo sobre futebol, ao contrário, dizem até bem pouco comparando com sua base quase exata que é usada por exemplo, para decretar que Michael Jordan foi melhor que “A” ou “B” ou Tom Brady é um quarterback dos melhores e Schumacher o piloto mais vitorioso da F1. Ainda assim, prefiro Tim Duncan, Joe Montana e Senna (risos).

Toques rápidos:

– Em nenhum instante quis diminuir o trabalho atual do Dourado no Flu nem do Morata na Juve. Mas, ainda mais um centroavante, que precisa de “N” situações de equipe, como os garçons, encaixe de seu estilo ao time, para ser avaliado como jogador bom ou não. Afinal, lhe peço, lançando um desafio: SEM VER O NOME, pegue os números do camisa 9 do Leicester City, campeão inglês na temporada 2015/2016 e os números do “atual” camisa 9 do mesmo Leicester atualmente.

Depois, me diga: os números dizem tudo e bastam para definirmos contratações para o Fluminense? Você hoje contrataria Jamie Hardy como há um ano? O que mudou? Por que mudou? Os números dizem?

Nãaaaaaaooooo!

Afinal, como bem cantou Humberto Gessinger: “Mega ultra híper micro baixas calorias Kilowatts…gigabytes e eu? O que faço com esses números?”

– Seguindo essa linha de pensamento que dominou nossos teóricos dos anos 1990 para cá, técnicos, comentaristas e a nova geração Dunga de torcedores, “macaquitos” dos técnicos italianos e alemães, uma da lenda Paul Breitner, ícone do Bayern e campeão na Alemanha de 1974, numa entrevista em Munique, em junho de 2013, quase um ano antes do maior vexame e desmoralização da nossa história: “Sabíamos que hoje em dia só se pode ser campeão com o futebol que o Guardiola pôs em prática no Barcelona.”

– De Guardiola sobre seu Barcelona: “Cresci ouvindo meu pai falar da Seleção de 1970 do Brasil. E em 1982, assistimos o Brasil na Copa da Espanha. Carreguei o ideal de perfeição de equipe dela. É minha inspiração.”

– Agora pegue os comentários sobre “os fracassados” de 1982 e Telê. Desvalorize e prefira Parreira e Felipão e Muricy e Dunga, Mauro Silva, Felipe Melo, Emerson, Lúcio. Junte tudo num liquidificador e toma 7 a 1.

– Sábado é semifinal. Tomara que o presidente Abad consiga com o Botafogo – e a Globo – realizar o jogo no Engenhão porque quero ver minha molecada Orê, Sornoza, Scarpa e Wel! Risos.

– Agora é comprar até giz da Under Armour. Bem-vinda! Vamos com tudo!

– E O BANCO?

Sobre elenco que pedi para repor para o setor defensivo, exclua a parte do volante: Wendel dará conta.

Quanto ao Calazans, achei cheio de pernas, não me impressionou como o Wendel. Então ainda acho que precisamos de um lateral esquerdo mais marcador. Pela direita, contra o Internacional, Luiz Fernando foi melhor que Renato na marcação. É só ele não passar do meio campo e será útil nos ajudando ali. Na esquerda, precisaremos. Nem Marquinho serviria, talvez pela lentidão. Mas não enfrentaremos o Real Madrid, Barcelona, Bayern.

A questão é que se planeja até junho por conta da janela européia. Já que Orejuela, Douglas, Sornoza, Scarpa e Richarlison têm potencial mercado de transferência e serão vendidos, mais cedo ou mais tarde, é trabalhar com seus potenciais substitutos.

Vi três: Wendel, Danielzinho e Pedro. E já temos o Nogueira.

Precisamos aproveitar o bom momento e ir colocando os meninos para adquirem confiança, baixarem a ansiedade, fluirem bem e aos poucos, como o Santos com Dorival faz.

Vamos, minha molecada!

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @CrysBrunoFlu

Imagem: bic

6 Comments

  1. 2 – Guardiola não se inspirou nas seleções brasileiras para criar seu estilo de jogo. Tudo vem do lendário trabalho de Cruyff, portanto da escola holandesa, muito presente na base catalã, da qual fez parte. O que ele fez foi mencionar, educadamente, o nosso futebol, que sabidamente era de toque de bola, numa resposta à um brasileiro na coletiva após o “sacode” dado no Santos no final do mundial de clubes. Isto (a não inspiração) já até foi confirmado por auxiliares e amigos do técnico catalão.

  2. Muitos pontos de acordo e dois não, que acho importante pontuar:

    1 – os “passes para o lado” que diagnosticou como “não servirem para nada”,
    são absolutamente fundamentais para o gerenciamento da posse de bola, com vistas a esperar o melhor momento, o que inclui a movimentação dos demais jogadores e da marcação adversária, para aquele passe mais “importante” acontecer. Caso contrário, se todos a frente estiverem marcados e for forçado o passe, perde-se a bola gerando o contrataque.

  3. Só pra implicar: Magic Johnson, nem falo mais nada…rsrs

    Os nºs por si só, contam a história do matemático, quem leu O homem que calculava vai entender o que eu digo.

    Vc já falou sobre isso, eu tb, mas pra relembrar, essas estatísticas são boas quando se tem um objetivo claro, balizar decisões de contratações nelas é realmente estapafúrdio.

    Senna unanimidade, talvez a única que não seja burra…rs

    Mais um belo texto.

    ST

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