O dilema de Abel (por Paulo-Roberto Andel)

Com 60 anos de futebol, vitorioso, aclamado e trabalhando em seu clube de coração, é natural que o querido treinador tricolor tenha crédito perante a torcida do Fluminense. É dele que vem a melhor lembrança do time em dez anos, que venceu 23 dos 38 jogos no Brasileiro 2012 – muitos contestam aquele time, atribuem muitos resultados à excelente fase de Cavalieri (com justiça) mas, honestamente, se equivocam ao atribuir à sorte aquele grande ano do Flu – a campanha fala por si.

Por alguns meses em 2017, Abel também montou um Fluminense bonito de se ver, que perdeu a final do Carioca numa garfada e que, embora efêmero, deixou lembranças de um excelente futebol praticado por uma equipe basicamente jovem.

Cinco temporadas depois, Abel voltou ao Tricolor acompanhado por uma série de contratações, quase todas discutíveis mas de acordo com a atual política do clube. Acabou que o elenco ficou cheio de jogadores veteranos, rodados e que naturalmente não veem o banco de reservas com naturalidade, por mais que se fale em grupo. É o tipo de rojão que só um treinador com estofo aguenta. Por esse ponto de vista, a volta de Abelão à beira do campo foi perfeita.

Contudo, a temporada tricolor começou confusa nestes dois jogos, ainda que tenha vindo a magra vitória sobre o Madureira neste domingo.

Ficou a nítida impressão de que, se não havia um entrosamento mínimo antes da estreia no Carioca 2022, seria melhor treinar o futuro time titular para jogar mais à frente, priorizando a base de 2021 nas partidas iniciais.

Também causa reflexão a escalação de quase todas as contratações ao mesmo tempo, bem como a sobrevivência do 3-5-2 para deixar confortáveis as titularidades de jogadores como Fred e Ruf, por exemplo.

O fato é que, depois de um primeiro tempo muito ruim em Volta Redonda, o Fluminense melhorou na segunda etapa com as entradas de Nathan, Arias e Cano, chegando então à vitória, além de desfazer o esquema inicial. Claro, é preciso avaliar o desempenho nos treinos, mas é no jogo que as coisas acontecem.

Aí está o dilema de Abel. Treinador querido pelos jogadores, paizão, terá que optar: ou insiste no 3-5-2 e corre os riscos já vistos nas duas primeiras partidas, ou mexe como fez no segundo tempo contra o Madureira e deixa medalhões no banco. Num 4-4-2, não há como André perder a vaga para Ruf, pelo menos sob razoabilidade. Fred, o maior ídolo tricolor no século XXI, não tem mais condições de jogar 90 minutos de alto rendimento, talvez nem 60, por mais que isso doa a seu imenso fã clube. Ainda tem o caso do único veterano que não estreou, o goleiro Fábio; Marcos Felipe salvou o Fluminense de uma goleada na Ilha e teve mais uma boa atuação contra o Madureira.

Para fazer seu time evoluir e competir, provavelmente Abel terá que cortar o elenco na própria carne, administrando a situação e deixando nomes consagrados no banco, ou até mesmo fora da lista de relacionados. Não será fácil contornar eventuais arroubos de vaidade, comuns nessa situação. O tempo dirá.

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O torcedor do Fluminense precisa entender que o tempo chega para todos os ídolos. Num clube que coleciona estrelas há 120 anos, é um processo natural: de Marcos Carneiro de Mendonça a Didi, depois a Félix, a Rivellino, a Assis e um sem-número de jogadores.

Fred foi um jogador fantástico, está eternizado na história do clube, é multimilionário e consagrado.

O que está acontecendo, afinal?

Simples: mesmo com sua grande qualidade técnica, chegou o momento em que aquele segundo atrasado faz toda a diferença. Não é de agora, já vinha nitidamente desde o ano passado. Na Ilha, chegou a ser constrangedor.

Sentimentalmente falando, é difícil de engolir para muitos tricolores. Mas é preciso aceitar. E mais do que isso: fazer o que é melhor para o Fluminense.

Espero que, até pela preservação da imagem, o artilheiro tricolor decline da prorrogação de seu contrato. Pode não parecer, mas o maior beneficiado será ele mesmo.

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Mais cedo ou mais tarde, a Matemática mostrará sua força e porá por terra muitas mentiras.