O chicote tricolor só bate na base? (por Wagner Victer)

Saiu nos jornais – como uma bomba – a notícia sobre o afastamento por indisciplina dos jogadores John Kennedy, Aleksander, Kauã Elias e Arthur.

Algumas coincidências chamam atenção.

Primeiro, são quatro garotos da base com menos de 20 anos, com potencial fantástico e um valor absurdo para o futuro, não só para o Fluminense, mas para os empresários que os comandam. Aliás os quatro formados e educados pela própria estrutura do Fluminense, o que já afasta as absurdas teses dos “vícios e comportamentos herdados”.

É claro que os jovens, como toda a base, devem estar irritados, como o próprio torcedor do Fluminense está, e isso é pouco explorado na análise, de como no Fluminense os espaços são abertos para barangas e até jogadores novos que chegam do exterior, ou de outros clubes do país (exemplificando em Pirani, Alexandre Jesus, Caio Paulista, Giovanni Manson, Marrony), enquanto garotos da base de Xerém têm o seu ponto de passagem devidamente fechados ao longo do tempo.

Em todas as discussoes e escalaçoes que estamos vendo antes dessa crise, fica claro que o plano do Fluminense não é utilizar a base de Xerém e, com isso, valorizar e até fazer bons negócios como aliás outros clubes fazem, especialmente Flamengo e Palmeiras, (estes muito bem estabelecidos financeiramente), mas sim gerar um processo de desgaste contínuo desses garotos.

Fui Secretário Estadual de Educação em uma rede de ensino com mais de 700 mil jovens e adolescentes. Nessa faixa de idade, indisciplina é até algo normal e temos que saber conviver com ela, atuando com inteligência, sem arroubos, para de forma pedagógica saber transformar erros da imaturidade em processo de evolução . Há uma distância muito grande em “passar a mão na cabeça” e agir no devido tom que é específico para cada situação.

Não digo que indisciplinas devam ser plenamente aceitáveis, porém é descabido o rigor e a exposição que fizeram desses atletas, especialmente alguns torcedores inexperientes que começam a bater nos garotos, pedindo sua expulsão e como se eles fossem os grandes responsáveis pelo que acontece no Fluminense.

Os quatro atletas são jovens e joias da nossa base, portanto sao ativos financeiros e esportivos do Fluminense que merecem um tratamento diferenciado, não essa exposição. Esse tipo de afastamento acaba sendo parcialmente justificável pelo que vem acontecendo no Fluminense.

Aliás, esse mesmo Fluminense que age com esse “rigor moral”, foi o que trouxe um jogador decadente do exterior, que tirou a roupa em campo e que tinha denúncias de bater em mulher; manteve e ate renovou um contrato de um jogador envolvido em estelionato; trouxe um goleiro envolvido em uso de drogas e manteve seu contrato ativo mesmo após ser reincidente no Flu, e até trouxe um garoto envolvido em baderna semelhante vindo de Minas Gerais! Ou seja se relativizam os erros para atender interesses de empresários.

Esse acolhimento seletivo que aconteceu com outros que vieram de fora, e que agora não acontece, faz com que venhamos a ter um olhar com outros olhos, pois pode ter caroço nesse angu.

Esses quatro jogadores poderiam valer, se realmente valorizados, centenas de milhões; estão entre os dez maiores jogadores produzidos pelo Fluminense nos últimos dez anos e já começam a especular movimentos de empréstimos e negociações na bacia das almas de JK e Aleksander. O pior de tudo: apoiado por otários que são manipulados.

Fazer esse grau de exposição, em forma de escândalo, com quatro garotos que com menos de 20 anos cometeram o “pecado capital” de pegar umas mulheres na véspera de um jogo onde sequer entrariam, é não conhecer como funciona a juventude e a garotada no início da sua vida; aliás, até uma certa hipocrisia pois a maioria já cometeu suas irresponsabilidades nessa idade.

Aliás, o que mais me estranha, pois já estive hospedado mais de uma dezena de vezes em hotéis onde o Fluminense ficava concentrado, e a rotina era ter um segurança que ficava em cada corredor de andar para justamente evitar essas estripulias é que que ninguém levantou essa omissão de procedimento adotado no passado. Quem vazou o ocorrido e onde estavam? O que fazem Angioni, Fred e os “psicólogos” do Flu na gestão dessa crise, surgida com um delay reativo e muitos dias após o acontecido?

Os garotos certamente mereciam algum tipo de punição como um bom esporro no particular, multa no salario e perda de folgas, mas a forma de punição foi inábil, desproporcional e desvalorizou nosso próprio ativo, sabe lá sob que interesse. Ao meu ver, o que é imoral e não gera tanta indignação são os Jabaculês, é estar quase em maio e não ter o balanço financeiro de 2023 que deveria estar publicado em março desse ano. Mais imoral é não ter o orçamento de 2024, que teria de ser apresentado ainda em dezembro de 2023. Essas são as imoralidades de fato, na prática um “bacanal” que não causa a mínima indignação tal como a hipocrisia de crucificar publicamente quatro garotos que são execrados por “pegar” meninas da sua idade no hotel.

Certamente nenhum dos jogadores experientes, citados pelos inFLUencers de plantão, na idade deles se envolveu em farras em vésperas de jogos, como foi desnudado pelo próprio depoimento recente do Rafael Sobis num podcast que, aos risos dos torcedores descreveu como se comportavam a época do Campeonato Brasileiro 2012 e como Fred, um dos nossos atuais supervisores e referência para os jovens, agia como um vestal e nunca participando de farras…

A pergunta para os “pedagogos” de plantão é que se esses erros fossem cometidos por seus filhos, se eles agiriam dessa forma os expondo a sociedade ou buscariam agir firmemente, porém com o devido cuidado diante do que aquilo representaria para vida futura deles em uma vida pessoal cada vez mais invadida e julgada em redes sociais.

Essa estranha situação nos leva até refletir se não há na prática uma distorção do tradicional “quem desdenha quer comprar” para o “quem desdenha quer vender” e temos que ficar muito atentos, pois aí sim podem acontecer as “putarias”, muito mais pornográficas que aconteceram naquele quarto de hotel, onde não teremos as camareiras para denunciar nem as gravações de corredores.