Nelson Rodrigues por Luiz Mendes (da Redação)

Nelson Rodrigues

Grande jornalista esportivo, radialista e apresentador de TV durante toda sua longa vida, Luiz Mendes acompanhou de perto o início da carreira de Nelson como cronista esportivo e sua paixão pelo Fluminense.

Como começou a carreira de Nelson como cronista esportivo?

Em 1936, o “Jornal dos Sports” era comandado pelo irmão dele, o Mário Filho, que teve a idéia de convidar pessoas que não eram do futebol para assinar colunas. O José Lins do Rego, grande escritor, tinha uma coluna chamada “Esporte e Vida”. Assim como ele, outros escritores, como o Vargas Neto, um dos maiores poetas regionais gaúchos, sobrinho do presidente Getúlio Vargas, e autor da “Trupilha crioula” e do “Gado chucro”.

A idéia era que literatos escrevessem sobre futebol. E como Nelson era um dramaturgo conhecido, começou a escrever sobre o assunto também.

Você, que era um especialista no assunto, chegou a ler essas primeiras crônicas. Como eram?

Nelson aproveitou sua paixão pelo Fluminense e foi criando um estilo próprio. Ao mesmo tempo, escrevia os contos de “A vida como ela é” para a “Última Hora” e fazia as seções esportivas do “Jornal dos Sports” e da “Última Hora”, onde assinava a coluna “À Sombra das Chuteiras Imortais”.

Na sua opinião, por que Nelson se destacou na área esportiva?

Nelson era um grande escritor apaixonado por futebol. Nelson criou coisas interessantíssimas como, por exemplo, o Sobrenatural de Almeida, uma entidade que explicava o inexplicável.

Todos os fatos inexplicáveis, ele responsabilizava o Sobrenatural de Almeida. Se um time inferior ganhasse de um time superior, se o Bonsucesso ganhasse do Fluminense, por exemplo, ele dizia: “O Sobrenatural de Almeida não deixou o Fluminense ganhar, e ajudou o Bonsucesso descaradamente”. Era a linguagem dele.

Nelson também tinha alguns termos específicos para se referir ao jogo: “porfia”, “contenta”, “peleja”. Eram uns oito nomes… Mas isso era um costume dos cronistas de jornal da época. Para não repetir a mesma palavra muitas vezes no mesmo texto, escreviam assim: “Aos dez minutos da porfia, aos trinta e cinco da partida. Daqui a pouco, aos quarenta do jogo. A contenta já estava na altura de seu quadragésimo quinto minuto, quando…”. Era completamente diferente de hoje.

Como ele era em relação ao Fluminense, seu time de coração?

Era capaz dos maiores sacrifícios pelo time. Nelson era uma pessoa que não gostava de viajar, nem de se afastar muito de casa. Costumava dizer que o lugar mais distante que visitava era o Méier (bairro do subúrbio carioca). Uma vez, o Fluminense foi jogar em Niterói. Neste tempo, na década de 60, não havia ponte entre as duas cidades, só se chegava lá de barca. Quando entrei na barca, dei de cara com Nelson, ele virou-se para mim e disse: “Ao que me leva o Fluminense, atravessar o Atlântico!” Ele estava indo só a Niterói, que é logo ali, ao lado do Rio de Janeiro…

Quem era o principal adversário do Fluminense na época?

Era muito difícil ganhar do Botafogo, que foi o melhor time na década de 60. Em 1971, ele acabou perdendo para o próprio Fluminense. E até hoje os botafoguenses não engolem essa vitória. Quando faltavam uns dois minutos para o fim da partida, o Fluminense fez um gol de falta. O jogador Marco Antonio fez falta no goleiro, mas o árbitro não deu. E o Fluminense foi campeão com o placar de 1 X 0, sendo que o empate dava o campeonato ao Botafogo.

E quando o time perdia, como ele reagia?

Ele ficava triste e tal, mas não falava nada, não reclamava. Não era do tipo que ficava se queixando, contestando os fatos. Entendia.

E havia muita gozação dos colegas?

Não, porque ele também não encarnava em ninguém. Quando outro time ganhava, ele aceitava e pronto.

Vocês também foram colegas na TV… Como foi essa experiência?

Fazíamos o programa “Grande Revista Esportiva”, que foi a primeira mesa-redonda da televisão sobre esporte, Nelson era um dos convidados e eu conduzia o programa.

Você conheceu Nelson a partir do programa?

Eu já conhecia Nelson de nome. Ele era um homem de grande prestígio, de grande força popular. Escritor, dramaturgo, essa coisa toda. Mas ele também me conhecia de nome, porque eu fazia cobertura esportiva para o rádio. Quando nos juntamos e passamos a conviver, fizemos amizade.

Você lembra de algum comentário inesquecível de Nelson na TV?

Ah, foram muitos. Houve uma vez, num jogo entre Botafogo e Fluminense, que o árbitro deu um pênalti a favor do Botafogo. O lance era claro, o jogador tinha dado uma tesoura voadora no pescoço do Jairzinho. No programa que foi ao ar naquela noite, Nelson disse que não havia sido pênalti. Então eu disse, vamos ver o vídeo tape. Todos que estavam na mesa, João Saldanha, Armando Nogueira, José Maria de Castro concordaram com a arbitragem, menos o Nelson, que disse: “O vídeo tape é burro!”. Essa frase ficou até famosa depois.

Você lembra de outros casos?

Uma vez, eu e João Saldanha fomos à Argentina, cobrir um jogo Argentina X Uruguai. Quando voltamos, Nelson nos perguntou durante a mesa redonda, se tínhamos visto algum jogador que nos impressionasse. Então, eu disse: “O Labruna e Osto”. E o Saldanha concordou: “Essa ala esquerda Argentina é infernal”.

Aí Nelson, ordenou “Câmera em mim”. A câmera fechou em seu rosto e ele Nelson soltou: “Vejam só os senhores, o Luiz Mendes e o João Saldanha, que nasceram, se criaram e vivem na terra do Pelé e do Garrincha, elogiando o Labruna e o Osto!”.

Ele era nacionalista, acima de tudo. Criou a expressão “Pátria de chuteiras”, que no início era contestada pelo João Saldanha. João não aceitava essa idéia do Nelson de que o futebol era a tradução da pátria brasileira.

Ele tinha algum jargão, algum termo ou comentário muito usado nos debates da TV?

Ele tinha umas coisas muito engraçadas. Quando ele queria encerrar um assunto, dizia: “É só”. Ou seja, “não se falava mais nisso”. Ele sempre usava isso.

Ele seguia algum roteiro?

Não, ele vinha puro. Como nós todos. A produção entregava o assunto, fazia a pauta. Eu participava da organização da pauta. Escolhia: “essa pergunta aqui, sobre isso, eu vou fazer pro João”, “essa aqui é perfeita pro Nelson”, e assim por diante….

Nelson gostava de aparecer na TV?

Não. Ele era tranqüilo, muito tranqüilo. Ficava assim meio murcho, de repente, chegava a vez dele, e ele dava um show.

Durante o debate, ele e o Scassa discutiam muito. Porque o Scassa defendia o Flamengo fanaticamente, como todo rubronegro. Nelson, não. Fazia um estilo mais educado, porém muito incisivo e tremendamente inteligente.

Você sabe como nasceu essa paixão do Nelson pelo Fluminense?

Ele dizia que era de família. Realmente a família inteira era Fluminense.

Mas o Mário Filho, irmão dele, tinha uma queda pelo Flamengo…

Não sei disso não. O Mário foi quem criou o termo Fla X Flu. Acho que ele gostava do Flamengo como gostava dos demais times… Mas o Mário era Fluminense. O filho dele era Fluminense. O neto dele, Mário Neto, é Fluminense. Toda a família era Fluminense. O Nelson não podia ser diferente. A paixão estava no sangue.

Nelson nasceu em 1912, ano do primeiro Fla X Flu da história…

Nesse primeiro Fla X Flu, aconteceu um caso curioso. Tinha ocorrido uma cisão no Fluminense: dez jogadores saíram do time e foram para o Flamengo. Então, esse primeiro jogo foi entre o ex-primeiro time do Fluminense, contra o segundo time do Fluminense, que tinha passado a ser o titular… E o Fluminense ganhou de 3 a 2!

Como foi a criação desse termo “Fla X Flu” pelo Mário Filho?

A expressão surgiu quando ocorreu uma cisão no futebol brasileiro. Fluminense, Flamengo e América se uniram para defender a implantação do profissionalismo. O Mário Filho apoiava essa facção, e, com o racha, tinha Fla x Flu quase toda semana. Então ele criou a mística em torno do jogo, que pegou e ficou até hoje.

Existiu algum Fla x Flu que tenha sido marcante para o Nelson?

Nas vitórias do Fluminense, ele vibrava muito. Mas lembro de uma crônica que ele escreveu sobre um Fla x Flu, de 63. Foi o jogo que tinha levado mais público ao Maracanã até então: 172.20 pagantes. O Flamengo seria campeão com um empate, e foi empate, 0 x 0. No último instante do jogo, Escurinho, ponta esquerda do Fluminense, chegou sozinho na frente do Marcial, goleiro do Flamengo, e chutou. Marcial saltou e pegou a bola. No momento em que ele segurou a bola entre as mãos, terminou o jogo. O Nelson escreveu uma crônica sobre o Marcial, dizendo que a bola tinha homenageado aquele que evitou a vitória do Fluminense. Escreveu uma crônica linda, mesmo sofrendo a derrota.

Nelson preferia ir de arquibancada, ou de cadeira, tribuna?

Ele ficava na tribuna da imprensa, sentadinho. E olha, vou contar uma coisa curiosa, ele não via direito o jogo. Ele nem olhava. Quando ouvia aquela vibração de público ele, perguntava para quem estivesse do lado: “O que foi que aconteceu?” Aí, o outro dizia assim: “O fulano perdeu um gol na cara do gol…” No dia seguinte, estava tudo lá no jornal, ele escrevia como se tivesse visto… Ele não prestava muita atenção. Acho que ele via o jogo, mas se distraía.

E como era a relação dele com os atletas?

Ele não convivia com os atletas, mas escrevia sobre eles com muita propriedade. Sobre o Garrincha, por exemplo, acho que nunca ninguém escreveu tão bem… Quando não tinha assunto, ele falava do Garrincha…

O Nelson tinha algum jogador preferido?

Acho que era mesmo o Garrincha. E o Pelé também. Como eu. Se me perguntassem quem foi o maior jogador do século, eu votaria no Garrincha.

Na copa de 62, Garrincha confirmou isso pro mundo, ganhando praticamente sozinho. O Pelé se machucou no segundo jogo e não voltou mais. Garrincha então assumiu todas as jogadas da seleção brasileira. Ele armou, chutou em gol, fez gol de cabeça, fez tudo. Foi a maior proeza individual da história das Copas. Nem o Maradona em 86, que fez grandes jogadas, chegou aos calcanhares do que fez o Garrincha, em 62.

Nelson costumava fazer comentários para o rádio durante o jogo, na cabine do Maracanã?

De vez em quando. Às vezes, ele ia à cabine, e eu perguntava: “Nelson, como você vê o jogo e tal?” Ele costumava admitir se o adversário estivesse sendo superior, mas não era muito incisivo na demonstração dessa superioridade. Às vezes, ele explicava mais porque o Fluminense perdeu, do que porque o adversário ganhou. Isso era muito comum entre os cronistas torcedores.

É verdade que alguns comentaristas se recusavam a comentar quando o lance era contra o seu time?

O Ary Barroso, que era Flamengo doente, fazia isso. Quando transmitia jogo e o adversário atacava, ele dizia assim: “Não quero nem olhar…”

Qual a sua opinião sobre o Nelson escritor?

Nelson escrevia muito. Sabia escrever até como mulher. Foi como Susana Flag, que ele fez uma novela que se tornou muito famosa, um livro grande, imenso. Como era o nome desse livro? Não lembro agora o nome, mas era um nome bem bonito, bem escolhido….

Era “Núpcias de fogo”?

Isso. Nelson era muito bom para dar títulos. Ele tinha uma coluna que se chamava “Meu Personagem da Semana”, no jornal. Uma vez, falei pra ele: “Nelson, você escreve muito bem, é uma maravilha sua forma de escrever, mas esse título está errado gramaticalmente. Ele perguntou: “Como assim?” Expliquei que a palavra personagem era feminina e ele concordou: “Você tem razão, mas eu não vou mudar o título.” Acabou que ele tinha razão, porque atualmente as duas formas, feminina e masculina, são aceitas.

Nelson Rodrigues se dividia entre a crônica esportiva e o teatro. Como ele transitava entre esses dois mundos?

O futebol nunca colidiu com o teatro. O teatro tem matinê, de tarde, mas tem à noite a mesma sessão. Então, ele sempre conseguia freqüentar os dois…

Nunca houve uma colisão entre as duas paixões. Ele adorava o teatro. Na minha opinião, Nelson é o maior autor brasileiro. Era muito incompreendido na época. Uma vez, foi vaiado no Teatro Municipal, e escreveu em sua crônica que vibrou com a vaia. Ele considerava a vaia como uma consagração.

Nelson escrevia sobre todos os assuntos, era um homem eclético. No meu modo de ver, ele foi perfeito em tudo. Foi muito bom em tudo aquilo que fez. Embora, na época em que estava vivo, fosse muito combatido. Alguns críticos de teatro arrasavam o Nelson.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Do site nelsonrodrigues.com.br

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1 Comments

  1. Não vivi esta época. Como é bom saber um pouco da vida do Eterno profeta-poeta ?Tricolor Nelson Rodrigues. Mas, sempre ouvi na rádio globo as belas palavras de Luis Mendes, do qual adimirava muito.

    Que os dois estejam prozeando muito lá de cima.

    Bela homenagem do Panorama Tricolor.

    ST

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