Não é preciso dar dois treinos para se saber isso II (por Paulo-Roberto Andel)

Em mais de 1.000 colunas publicadas aqui, reprise não é algo comum. Mas desta vez vale a pena. É uma excepcionalidade válida.

Depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias, o texto abaixo continua atual. E continuará até que o Fluminense rompa esse modelo de colônia futebolística, mandando mão de obra para a metrópole exterior apenas para pagar os absurdos financeiros, decorrentes do carrossel de jogadores nas Laranjeiras nos últimos anos, especialmente a partir de 2015, após o fim da parceria com a Unimed.

Quem sabe dizer quantos jogadores o Fluminense contratou nestas cinco temporadas e meia? E quantos repassou? Quantas ações na Justiça decorrentes destas negociações alvejaram o clube? Desse saldo, quem deu retorno esportivo ao Fluminense?

Quantos Evanílsons o Fluminense já deu de bandeja? Dez? Vinte? Quantos ex-juniores sem o menor retorno esportivo e rifados por um pão na chapa e um café?

Entra ano, sai ano, o cenário não se altera: vivemos de lampejos, de migalhas, com parte da torcida apoiando lorotas ridículas que chegam a ser constrangedoras. Cinco temporadas em sete se escorando nas paredes para não cair. Ganha duas, é Libertadores. Toma duas porradas, cai na realidade. Quantas vezes isso não tem se repetido, gente?

Traga o agosto para agora, troque o Bragantino pelo São Paulo, faça alguns ajustes e pronto: o texto abaixo tem o frescor deste exato instante. Mas poderia ser um relato de 2015, 2017, 18 ou 19, tanto faz. As peças e fisionomias podem até ser diferentes, mas o modus operandi é exatamente o mesmo.

Para transformar conversa fiada em feitos épicos, monta-se uma quadrilha igualzinha à dos guardiães desse prefeito maldito, ou das fake news do abjeto presidente negacionista. Depois, junte coletivas inúteis com verborragia oca, falas abobalhadas de dirigentes sobre o papel da torcida na televisão, tuítes boçais e pronto: o bolo chocho da mediocridade está na bandeja para ir à mesa. Se o garçom é Siemsen, Abad ou Bittencourt, tanto faz: a receita é a mesma. É mais do mesmo.

O pessoal que tocou e toca o Fluminense (não é quase a mesma curriola?) precisa entender de uma vez por todas: o bom senso recomenda parar de tratar o torcedor tricolor como otário. E o mesmo vale para todos os que sustentaram essas sandices por anos e agora pagam de guardiães da moralidade, feito sites de clipping traídos e congêneres: todos esses têm as mãos sujas da cagada em algum momento.

O pior é imaginar que, daqui a alguns meses ou até anos, essa republicação continuará nova em folha, podendo ser repetida sem ressalvas. Enquanto o Fluminense pegou a estrada completamente errada, uns e outros batem boca pra saber em que ponto do caminho teve algum problema…

De resto, vamos ao Fla-Flu. Eu sempre torço, eu sempre acredito, mesmo que a racionalidade jogue contra. São cento e dezoito anos de uma camisa que luta e fez história. É nela que confio, porque se for depender de dirigente…

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Publicado originalmente no Facebook do autor em 20/08/2020

Tava muito cansado ontem e passando mal, então me poupei de falar. Continuo me poupando. É agosto, tudo pesa.

Não é preciso ser muito inteligente para saber que a fanfarronice que toca e cerca o clube é incapaz de colocá-lo em seu devido lugar. E nem é por ontem não. Falo de um contexto geral, de uma década perdida. Tudo que aí está não é novo, não é de ontem nem da eleição de 2019. Trata-se de um longo processo de apequenamento do Fluminense, que passa pelo desprezo à sua história em todos os sentidos. É apenas mais do mesmo.

Viramos um meme, uma hashtag. O ponto e não a reta. No dia seguinte ninguém mais se lembra e la nave va. Aí vem uma vitória e boboides começam a dizer “Chupa, secadores!”, como se algum torcedor do clube tivesse interesse em suas derrotas, num eterno campeonato da lacração babaca, que leva do mofo ao fétido.

Perde de novo, as pedras voam nos céus das redes sociais e, de semana em semana, vamos nos arrastando, quem sabe rumo ao décimo terceiro lugar? Afinal, segundo a FluPateta a maior desgraça da história do clube – os rebaixamentos de vinte e tantos anos atrás – é justificativa plena e absoluta para se tolerar todas as sandices desta década de 10. Afinal, lutar cinco vezes contra o rebaixamento em sete temporadas, jogando quase 300 partidas, é um exemplo de gestão, uma performance maravilhosa. Enquanto esse discurso mofado permanece, outros times que foram rebaixados bem depois do Flu se recuperaram, remodelaram seus estádios, conquistaram grandes títulos e alguns foram até campeões mundiais.

O problema maior não é perder do Bragantino. Esse é o retrato momentâneo. Há muito mais em jogo. É ter a certeza de que completaremos oito anos sem títulos importantes. É saber que disputamos duas finais contra o Flamengo e não tivemos a menor chance de título. É a ausência de relevância no cenário nacional. É a condição de figurante, se muito. É chegar a cada novembro e dezembro e não comemorar nada, mas sentir alívio e buscar renovar as forças para a porrada no ano seguinte.

É a desesperança.

O contrário do que foi vivido pela torcida em grande parte da história tricolor.

Os exemplos são muitos, mas me atenho aos nomes de Francisco Horta e Manoel Schwartz. Chega a ser engraçado que no pior momento da Era Horta, em seu último ano, com muitas críticas, a “baba” do Fluminense tivesse Wendell, Edinho, Pintinho, Doval, Rivellino, Marinho Chagas e outros, enquanto a esperança atual para virar jogos seja o Caio Paulista – que deve ser um bom rapaz, nada a favor de apedrejamentos virtuais, apenas uma referência nominal.

Desculpem o desabafo. Sou do tempo em que se comemorava vitórias e títulos, não o pagamento da folha salarial do elenco (que é obrigação). Do tempo em que o clube valorizava sua torcida e não uma claque particular. Torcida não é claque. Eu torço pelo Fluminense, não sou torcedor do presidente, do vice e do “gestor” seja lá quem for. Quero mais é que dê certo, mas o mais incrível é que, depois de dois títulos brasileiros quase consecutivos, a maionese – sem trocadilhos – desandou.

Antigamente era o Villela, o Graúna, o Castro Gil. Agora é a lacração do tuíte, a picocelebridade, o discurso de valentia oca que não se sustenta com a realidade, a legião dos puxa-sacos tentando sobreviver.

O técnico vai mal? Vai. Claro que vai. Mas e o anterior? E o anterior? E o outro anterior? E os dez anteriores? Sinceramente, alguém pode acreditar que oito anos de fracasso são culpa exclusiva dos treinadores?

E o jogador? Os jogadores? Alguém sabe dizer quantos jogadores o Flu teve nesses oito anos? E desses, quantos não emplacaram seis meses? E quantos acionaram o clube, até mesmo alguns que sequer entraram em campo? E quantos mostraram que não tinham a menor condição de vestir a camisa tricolor?

A culpa é de quem trouxe, não é?

Se o clube é incapaz de atrair grandes patrocinadores e investidores, a culpa é de quem? Da torcida é que não é. E a dívida? Da torcida também não é.

O problema do Fluminense é muito mais embaixo, é estrutural, vem de longe e não será resolvido com entrevistas bravateiras, promessas de campanha abortadas e claque. Não é preciso dar dois treinos para se saber isso; basta raciocinar, refletir e não se deixar levar como massa de manobra.

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Paulo-Roberto Andel, escritor, estatístico, cronista, torcedor do Fluminense há quase meio século presente nas arquibancadas, sócio do clube, editor do Panorama Tricolor e autor de 16 livros sobre o Tricolor das Laranjeiras.

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