Na estrada II (por Paulo-Roberto Andel)

ESTRADA 3

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Devia ser algo por volta da onze da noite quando nosso ônibus estacionou no Maracanã. Voltávamos de Volta Redonda ao fim do domingo. Houve um Fla-Flu, a Gávea foi melhor numa parte do jogo e construiu seu placar, fomos melhores a seguir, mas o grande clássico travestido de amistoso já tinha seus melhores números consolidados. Perdemos quando se podia perder e continuamos em frente. Ah, Maracanã de tantos sonhos realizados, agora com parte de suas luzes acesas, eu querendo saber de seus segredos e intimidades tal como um cavalheiro diante da mulher amada. O Fla-Flu nunca acaba, o Fla-Flu nunca termina, mesmo que seja um jogo matematicamente sem maior relevância como o de ontem. O meu Fla-Flu começou em 1978 e permanece vivo toda vez que as camisas, ainda sinto isso em meu coração e, num súbito, tenho um susto ao perceber quantos anos já se passaram, quantas pessoas queridas já não estão mais aqui, tantas outras tão desejadas e ausentes.

E foi meu primeiro Fla-Flu na estrada. E não começou no domingo, saudável contradição para o interminável. Respirei este jogo quando, na semana passada, sexta-feira, entreguei à editora os originais de meu novo livro, contando um pouco daqueles dias incríveis de Aílton, de Renato Gaúcho, Djair e Wellerson. Uma pequena grande história da minha vida de torcedor. Achei graça quando descobri que minha nova editora é uma jovem bonita – esperamos sempre alguém com tom sóbrio demais, sorriso fechado demais, anos à vista além do demais. O meu Fla-Flu continuou na casa de Garcez, amigo e anfitrião irreparável.

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Continuou sábado quando saí do Odeon depois de ter visto “Django” e fiquei bastante emocionado com os códigos daquele filme. Então passei pelo Passeio e lá estava a linda Silvana com seu sorriso de mil arquibancadas, pena que foi tão rápido. Ou com o amigo rubro-negro Trino em rápida pizza no Vieira. Ou com Epocler, Pepsi e Wal num inesperado encontro num bar da Barão de Iguatemi que contarei depois. E se eu dissesse que nunca uso computador na madrugada, mas cheguei em casa e alguém muito especial surgiu do nada dizendo coisas especiais – e inesperadas! – e imprevisíveis! – que me alegraram num instante? – Era quem você gostaria de verdade agora? – Deixe meu coração em paz com os passos de ballet daquela linda mulher! – Não perca seu tempo com bobagens, a vida é breve, pare com isso! – O amor não é bobagem! Nunca será! Estamos aqui por amor, não? Talvez o Fla-Flu tenha começado nestes últimos quinze dias loucos que tenho vivido, sem dormir direito, sem comer ou descansar direito numa espécie de autoflagelação involuntária, tudo por nada ou algo que não sei explicar. Quinze dias loucos, alguns dolorosos, outros cenários de anos incríveis.

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E também continuou quando chegamos às Laranjeiras no almoço de domingo e tomamos o ônibus para Volta Redonda. Jota, simpático como sempre. Eu posso assegurar a todos vocês que Yohana é muito mais linda do que qualquer foto que divulgamos, e tudo fica pequeno diante de sua voz avassaladora. Oh, fantasmas imperdoáveis! Eu falo de beleza, de vida e de admiração somente, que me entendam.

Havia, contudo, algo diferente na tarde de ontem. Às vezes parecemos sentir o que vem pelo caminho, não sei explicar a razão. Nossa viagem não foi tão vibrante como em muitos dias, éramos certo silêncio e reflexão, como se o céu gris e suas nuvens a chorar pedissem isso.

Em certa altura do fato, otimismo e momento são coisas até menores diante do cenário da vida. Esta experiência de atravessar duas centenas de quilômetros é muito mais do que ver um simples jogo de futebol. Só entende quem a vivencia. Duzentos quilômetros de gris; a tarde em prata fosca, amadurecida. Estávamos diferentes.

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O Fluminense perdeu, mas isso está longe de ser um problema. Por mais que se negue, é claro que o time classificado entrou em campo pensando na Libertadores e no futuro do Carioca. Por isso, perdeu terreno e foi imprensado pela Gávea, melhor e com o canto do cisne de Leonardo Moura. Parecíamos num coletivo apronto, mas isso não é justificativa para jogar tão mal um Fla-Flu. O Flamengo fez um de começo, conseguiu seu pênalti ao estilo Lima Henrique e deixou 2 x 0 no fim do primeiro tempo. Jogaram melhor, com velocidade, dominaram a cena enquanto espiávamos em campo.

Ao voltarmos do intervalo, logo tomamos o terceiro e isso foi desconfortável diante dos sorrisos estrambóticos e os gritos de “terceira divisão”. Meus amigos escritores certamente deram uma sonora gargalhada ao imaginarem este momento.

Com três nas costas, o Fluminense se lançou com tudo ao ataque. Aí jogou como time grande, perdeu vários gols, descontou com Sobis e merecia ao menos mais um gol que nos causasse a derrota por 3 x 2 e também a ironia: – Oh, vencemos! – Não importa: não era o Centenário! Felipe fez grandes defesas, levamos uma bomba no travessão, o placar não descreveu o jogo. Perder nunca é bom, mas essa derrota teve seu sentido. A caravana não para: temos Libertadores e Carioca pelo caminho.

Respeitáveis cientistas ocos do futebol constroem a tese de que o time do Fluminense é uma bosta. Tenho a mesma impressão quando penso na massa encefálica que lhes rege.

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As jovens garotas do fim do ônibus gritavam como nunca até chegarmos ao Rio, coisa da paixão juvenil que é chama acesa noite e dia, enquanto a estrada escura e deserta oferecia sombras e silêncio, reflexão e talvez medo. Numa hora, brincamos, noutras rimos mesmo quando o coração não se alinha com os lábios. Senti falta de Bruno treinando para o “The Voice”, também Jojo e Abrahão. E quando Gabriel desceu com Bruna do ônibus, sabe-se lá porque, senti um indesejável aperto de adeus – eu não gosto de dizer adeus, eu nunca digo adeus e um de meus poemas prediletos versa sobre o queimar ser melhor do que apagar aos poucos – é o que parece que farei um dia, não sei quando e espero que esteja longe – se precisar -, longe como a estrada que todos temos que percorrer por ora. Contrariando qualquer bom senso, ainda tenho muito a dizer.

A derrota de ontem pode ser o início de grandiosos passos amanhã.

O verão disse adeus.

O outono fala de folhas que caem. Renovação e esperança.

É melhor queimar do que apagar aos poucos, sem viço, sem força. É melhor o fogo lancinante, demolidor, do que a fagulha modesta. Algo como Rubem Braga definiu tão bem: “Crônica é viver em voz alta”. A estrada já leva a São Januário.

Em memória de todos aqueles que depositaram suas vidas na poupança, evitando a dor, a exposição, o drama e, por isso mesmo, simplesmente não viveram. 

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

4 Comments

  1. Caro Andel,

    Numa das poucas vezes, ousarei discordar de suas colocações. Vejamos.

    Não acho que perdemos quando podíamos perder. Então, isto significa que perdemos para o Vasco, Grêmio e Flamengo, sempre quando podíamos perder?

    Até agora, em 2013, fizemos 14 partidas contra NINGUÉM, NADA e COISA NENHUMA. Vencemos 10 e empatamos 4. Maravilha. O problema surge quando observamos que os adversários eram os listados acima.

    Nos jogos considerados clássicos (Flamengo, Vasco, Botafogo e Grêmio), disputamos 6 partidas, com 3 empates e 3 derrotas, sendo que em TODAS as derrotas nossa “excelente” zaga levou 3 gols em erros bisonhos e infantis.

    Creio que isto seja um sinal de que algo não anda bem, pois, além da imensa letargia e modorrência que nos acometia nos primeiros jogos do ano, continuamos sem vencer um único jogo importante ou contra aqueles adversários que possuem alguma história no futebol.

    Vencemos uns quatro joguinhos meia-bomba contra adversários horripilantes e já achamos que encontramos o belo caminho de 2012. Ledo engano.

    Isto sim é preocupante, pois, até agora (ABRIL) ainda não nos encontramos em 2013. E olha que Caracas é logo ali!

    Não acredito que seja o fim do mundo, não estou dando uma de carpideira rancorosa nem tricolebando.

    Estou colocando FATOS para serem analisados e vermos, juntos, o que podemos fazer para ajudar a muda-los. A Libertadores não costuma perdoar estas bizarrices que andam acontecendo com nosso time.

    Creio, sinceramente, que passaremos pelo Caracas. Mas, e depois, contra o Tijuana, naquele campo sintético? Lá longe no México. Os caras já demonstraram que não são bobos.

    E contra o Botafogo embalado, com Seedorf e Lodeiro comendo a bola?

    Espero e desejo, honestamente, que tudo se ajeite a tempo do jogo de quinta-feira e das finais do Carioca, a fim de que possamos gritar, mais uma vez, É CAMPEÃO!

    ST, Luiz.

    1. Paulo-Roberto Andel comenta:

      Luiz, comento sobre jogo a jogo.

      O Flamengo é campeão dos superclássicos e não vai disputar nada.

      O resumo é de cada um.

      Brax.

  2. Ontem foi um final de domingo triste pra mim. A derrota veio como um fantasma inesperado e quse se transformou em um chocolate rubro-negro. Quase. Não sei qual é a do Abel, mas o time volta a demonstrar que não tem consistência. Meu medo é perder o carioca, o mais fácil dos últimos tempos, e ser eliminado da Libertadores, mesmo que não na quinta-feira, mas nas fases seguintes,a tnes da final. Continuo vendo o flu com preocupação, mesmo com os cãnticos das meninas.

  3. Yohana e amiga, as meninas entoando sem parar cânticos de ode ao Fluminense na volta, o segundo tempo do time, gritar “Eliminados”s para a molambada, o jogo de quinta… Tudo isso é mais importante que o Fla-Flu de ontem.

    Quem não entende isso… Azar!

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