Morrendo aos poucos (por Zeh Augusto Catalano)

No Maracanã, cabiam 200 mil pessoas. Cem mil de cada lado. Estas pessoas não tinham celulares ou internet para comprar ingressos. Duas, três, quatro horas antes do jogo, as pessoas se acotovelavam na frente de bilheterias, com filas monstruosas e (incrível!) compravam o seu ingresso e assistiam ao jogo junto à multidão. Era meu costume entrar no estádio pela rampa do Bellini. Subia lado a lado com os rivais. Provocações de lado a lado. No final da rampa, desvio à esquerda. Pronto. Estava em casa, na minha torcida.

Fim do jogo, mesma rampa. Agora não mais os torcedores que subiam aos poucos na entrada, mas uma massa compacta de torcedores de ambos lados, separados por uma corda, que era amarrada nos pilares históricos da rampa, com policiais munidos de cassetetes de choque. Brigas? Sim. Provocações? Todas. Mas o fato de haver uma multidão de cada lado era o principal fator de controle da violência. Os bandidos estavam todos ali. Os “valentões” que se manifestam em bando também. Mas eles eram inibidos pela presença dos mesmos cidadãos vestindo a camisa adversária, no outro lado da corda, ao alcance da mão. Perdi a conta das vezes em que desci aquela rampa andando devagar, tamanha a multidão. Depois, a luta por um ônibus, lado a lado com o adversário, sem corda separando. Grupos de policiais por toda a parte. Às vezes, saia sim uma porrada. Mas na maioria das vezes, voltava em paz pra casa num ônibus cheio de torcedores das duas cores.

Até que, um dia, um gênio qualquer resolveu que essa mistura de torcidas era fator de violência. E passaram a forçar as torcidas a entrarem cada uma por uma das rampas do estádio. Passei a ter de entrar pelo lado oposto do estádio, longe da minha casa. E ai, companheiro, passei a sentir medo. Porque essa medida imbecil criou bolsões das duas torcidas nos dois lados do estádio. E você, que por azar, precisava voltar para a sua casa passando pelo lado da torcida oposta, se via num mar de torcedores adversários. E ai, os imbecis valentões, que gostam de tirar onda quando em bando, se muniram daquela conhecida coragem. E a violência aumentou. E muito.

Pra piorar, numa das milhares de obras faraônicas do Maracanã, algum gênio resolveu dividir o anel da arquibancada com muros, grades e vidros blindados. A divisão que se fazia do anel – outra corda (ou duas, em jogos grandes) era controlada por um time de PMs e podia se deslocar para os lados, dando o espaço necessário à maior torcida presente. A separação fixa criou um novo problema. Comprimiu a torcida maior num espaço em que ela não cabia. Segregou ainda mais as torcidas.

Em meus vinte e cinco anos de Maracanã (já tenho sete de exílio em Brasilia) eu nunca vi grandes porradas dentro do Maracanã. Uma ou outra confusão maior, mas nunca uma grande pancadaria. Aliás, as maiores a que assisti foram, certamente, entre integrantes de uma mesma torcida. Portanto, a medida da torcida única – por ora cancelada, graças ao bom Deus – é de uma hipocrisia completa. Mas rezo para que neste Fla-Flu não ocorram confusões sérias, pois estas seriam a “prova” para as “autoridades” de que a medida da torcida única era, sim, correta. Infelizmente só nos resta isso mesmo. Rezar e torcer.

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Dia 20 de julho de 1986. Vasco e Fluminense empataram por um a um, num jogo pra lá de esquecível. Quando saímos da rampa do Bellini, eu e dois amigos, passava pela Avenida Maracanã um 239 – Engenho de Dentro – Praça XV – dando sopa. Corremos e entramos no ônibus. Dentro dele, uns 40 tricolores… e nós três. Recebemos olhares nada carinhosos. Pensei que o tempo fosse fechar. Por sorte, na frente do ônibus, vi um rosto conhecido. Chacrinha, meu amigo de colégio, que era (é?) da Young Flu. Tratei rapidamente de chamá-lo. O cumprimento mútuo aliviou as tensões. Fomos até o Méier brincando uns com os outros.

https://www.youtube.com/watch?v=Nmt0VKXtqHg

Fui pesquisar no google sobre esse jogo e achei os gols. Da partida, eu só lembrava do resultado. Do dia, eu lembrava claramente da viagem de volta ao Méier. Ela foi mais divertida do que o jogo.

É isso que estão tentando matar.

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Boa sorte, Fluminense. Que São Assis os proteja!

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: lan