O sabonete vibrador (por Alva Benigno)

alva japonês tricolor

ATENÇÃO: LITERATURA IMPRÓPRIA PARA MENORES DE 18 ANOS.

XXIV

Sábado de sol, ou quase, e nosso herói se prepara para ir às Laranjeiras na assembleia tricolor. É claro que ele não está nem aí para qualquer benefício ao clube, mas na verdade tem um excelente motivo para enrustir seu passatempo predileto, chamado sauna:

“Esmeralda, vou ao clube e devo ficar o dia inteiro por lá. Sabe como é, são as discussões políticas…”

“Tudo bem. Eu vou para a FNAC do Barrashoping encontrar uma amiga e só volto de noite, ok? Lá não pega sinal de celular; querendo, é só deixar recado.”

“Que amiga?”

“Ah, você não conhece…”

XXIV

Mal havia saído de casa, parou no calçadão para ver recados da internet e um de seus grupos prediletos, o “Conselheiros Unidos”, cujo título é a singela sigla “CU”. Um monte de mensagens, quase todas desinteressantes, exceto uma, que falava da repercussão de certa postagem do lutador fortão careca no Facebook, que teria desmascarado a ele mesmo, a Filhão e todos os demais integrantes do Village People tricolor. Enfurecido com a audácia, ele deu print geral e respondeu:

“Bando de mona velha. Vocês não têm o que fazer não? Isso é tudo mentira! Não estão vendo que é tudo montagem? Tão precisando é de uns sobrinhos e afilhados pra enxergarem a vida de outro jeito. Porra, caralha, ficam o dia inteiro nessa viadagem, em vez de torcerem pelo gatérrimo do Henrique Dourado, do Danilinho maravilhoso O MELHOR DE TODOS OS TEMPOOOOS. Vão arrumar o que fazer. Vou lá votar e depois que os fortes me sigam na sauna. Eu e Filhão somos just one heart, just one mind, ok babies? E tomem vergonha na cara: tranquem esse cadastro a sete chaves, que não quero ninguém com os nomes dos meus bofinhos por aí.”

Caminhando nas imediações do Leme Praia Hotel rumo ao clube, alguma coisa aconteceu em seu coração e ele fez o que ninguém esperaria: tomou um inacreditável ônibus para chegar ao outro lado de Copacabana. Teve um ímpeto de saudades. Com a pista vazia e o coletivo também, ainda que enojado com o kling klang do veículo, voltou décadas no tempo assim que saltou na Raul Pompéia, logo depois do túnel. Seguiu até a Francisco Sá, virou à esquerda – ARGH! -, esquerda novamente – ARGH 2! – e quase em frente à delegacia da Nossa Senhora de Copacabana, olhou para o outro lado da rua e suspirou: ali estava o que sobrou de seus anos de glória, nas paredes da Galeria Alaska.

A assembleia podia esperar.

XXIV

Tudo na Alaska mudou, exceto na memória dos que ali viveram em noites de luxúria em nome do amor que não ousa dizer seu nome. E tudo encaretou. A vida homo, tão curtida nas disco nights, foi trocada pelos Tinders e Whatsapps da vida. Ninguém mais sai numa noite de insônia procurando emoções diferentes. Copacabana está sóbria, envelhecida, sisuda. Muitos morreram ou deram no pé. As grandes boates homossexuais deram vez a igrejas evangélicas. A única coisa que parece dar pinta ainda na Galeria é sua lan house, com gente de todos os lugares do mundo: panamenhos, holandeses, russos, paraguaios, todos conversando em computadores. Se fosse no tempo da Bofelândia, céus! Ali é que era bom. Oh, ditadura!

Num estalo, Zanzi espia a lan pela vitrine, admirando os modelos do mundo, quando se depara com um homem forte, maduro, de grande porte físico, o crânio raspado a navalha. Imediatamente todos os seus comandos nervosos homoeróticos começam a pulsar corpo afora. Será que o belo macho estaria postando algo no Facebook, ou conversando com uma mocreia pelo inbox? E o Google Talk?

Chega a morder os labios de tesão. A imagem do lutador careca lhe atordoa em todos os lugares: másculo, viril, com o grande pênis ereto como se fosse um gladiador do amor entre iguais, pronto para lhe fazer mulher como nunca num de seus delírios homoeróticos.

Depois de minutos de caminhada e contemplação pelo corredor de glórias do passado, ele chega à saída da galeria na Avenida Atlântica, lembra-se de muitos momentos de prazer que começaram ali, quase chora – é incrível! -, caminha lentamente até a beira do calçadão e pede um táxi:

“Laranjeiras, please!”

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CHIQUINHO também me contou que estava a conversar via telefone ontem à noite com Loló, um dos Filhettes, integrantes da banda (ou bonde) da Mulher Filhão, mas ficou até irritado. Embora nosso Macunaíma gay tenha verdadeira idolatria pelo fascismo choque de ordem cor de rosa – vibrando com a possibilidade de varrer da Terra os malditos sáites e blogues tricolores, especialmente levando os blogueiros comunistas para um campo de concentração – estava cansado do interlocutor. Loló insistia na tese da destruição suprema da chamada mídia segmentada tricolor – também defendida por Mister Cafunga -, porque o Flu não precisa de miseráveis blogues de opinião, mas sim de um jornalismo de grande porte, isento, padrão “Ame-o ou deixe-o”. Quando perguntado por Chiquinho sobre quem poderia oferecer o serviço jornalístico da melhor qualidade, capaz de formar o monopólio da opinião tricolor, Loló não se furtou: “Eu mesmo, ora!”.

Pediu licença, disse que tinha que atender a um pedido da “patroa” (Esmeralda) e que depois continuava a conversa para marcar a campanha da banda. Um tremendo caô. Desligou e sentiu alívio: estava sem saco para politicagens baratas, só estava nisso para garantir a vaga de conselheiro e tentar o levadinho com deliciosas promessas da base. E apesar de todo o seu reacionarismo, tinha certa aversão ao assunto político em qualquer esfera, quanto mais no club. Para Chiquinho, basta que o poder seja exercido pelos iluminados – homens brancos, de bem, infalíveis, senhores da ética e da moral – e nem precisa dessa babaquice de eleição. Por ele, o Fluminense seria uma monarquia. Você adivinha quem seria a Rainha Mãe?

Pensou em Loló e resmungou sozinho: “Mona despeitada. Eu não sou lá essas coisas, mas não precisa ser muito inteligente pra saber que esse veado é muito recalcado.”

E sorriu feito Silvestre Soluço, o mitológico personagem efeminado dos desenhos animados de Penélope Charmosa, sua sobrinha na ficção.

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Depois de ter votado rapidamente, Chiquinho correu para seu aquário natal para a sauna. Não queria saber de politicagens, fofoquinhas, tuiteiros boiolas, blogs comunistas, absolutamente nada. Na solidão do calor eletrônico, ele buscava a felicidade. Até um reacionário fascista tem seus momentos de liberdade plena.

Bem quentinho depois de uma rápida sauna gostosa – e completamente sozinho -, ele partiu para o momento mais esperado: o banho da alegria. Trouxe um Francis cor de vinho novinho para a ocasião. Abriu a caixinha e desnudou o sabonete como se fosse a pessoa amada.

Nu, debaixo do chuveiro, começou o lento processo de se ensaboar, até que chegou ao próprio dorso e fez daquele ato um teatro de prazer. Reviu na memória a lan house da Galeria Alaska. Aos poucos desceu, até chegar perto da própria cavidade anal e esfregou o artigo de asseio pessoal com mais força e ritmo, até que começou a se enrijecer de desejo enquanto o sabonete lhe fazia as vezes de pênis imaginário roçando-lhe o veterano rabo. Então gritou:

“FILHÃO DA PUTAAAAAA: PERDOA-ME POR ME TRAÍRES! CADELÃO DE MERDAAAAAA!”

O silêncio solitário das paredes só foi interrompido pelo esquálido gozo que escorria num dos azulejos, tendo como contraponto a leve percussão das últimas gotas de água do chuveiro no chão.


Panorama Tricolor

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