Libertadores de corpo e alma (por Aloisio Senra)

“Bendito seja o Mundial com que sonhamos
Bendito cada nome que foi designado
Benditos os jovens que sempre revelamos
O peso da história, o respeito conquistado
Malditas sejam as lembranças dolorosas
Maldita a impotência, a injustiça que vivemos
O “voltarmos para casa”, cada um por seu lado
As finais sem jogar, em que ficamos pelo caminho
Bendita a anestesia geral às dores
A tristeza, que curamos com abraços
E a garganta, que se rompe com os gols
Nos sentirmos os melhores por um instante
Malditos os sorteios e os grupos da morte
Os controles propositais que definiram nossa sorte
Malditos os mesquinhos que jogam sem poesia
Os que batem, os que invejam, os que quebram e machucam
Bendito seja o orgulho com que entramos em campo
A várzea e a bola não se mancham
A TV que repete o drible
Estufar a rede dos outros, inflar o peito dos nossos
Merecer a camisa!
Os turistas, os cronistas, os patrocinadores, os amigos
O hino!
E as mulheres assistindo às partidas!
Benditas as superstições que dão resultado
As risadas e choros que guardaremos tanto
E bendito esse momento que é um presente do futebol
De poder mudar nosso destino e sentir outra vez, aos olhos do mundo
Quão glorioso e maravilhoso
É ser Fluminense”

Tricolores de sangue grená, o texto acima (tirando a última linha) não é meu, é de um comercial do Quilmes, clube argentino, para um vídeo produzido há mais de uma década. Inclusive, há uma montagem, igualmente antiga, em que se mantém a narração em espanhol, mas se mudam as cenas do vídeo, para retratar momentos da história do Fluminense. Para quem não conhece, eu recome

Já assisti dezenas de vezes e é realmente hipnótico.

Escolhi falar sobre o que as mensagens contidas no texto realmente têm a ver com o Fluminense e, principalmente, com a Libertadores. Quando o Fluminense adentrar o gramado do palco mais sagrado do futebol mundial, por um momento vamos esquecer todas as nossas limitações e lembrar da nossa tradição e do peso da nossa história, da nossa importância, do nosso protagonismo e do respeito conquistado, que fez até torcedores do River Plate torcerem o nariz ao verem o Fluminense como seu adversário. O título sul-americano mais importante e o Mundial, ambos com os quais sonhamos, passarão a estar mais próximos a cada minuto de jogo que se passar. Cada nome que vestir nossa camisa, mesmo aqueles com os quais não concordamos, representará o nosso fervoroso desejo, que ganha contornos de possibilidade após quase uma década de dormência. Cada jovem revelado em Xerém que se apresenta para fazer parte da armada tricolor carrega a insígnia de sua formação consigo, uma tonelada de esperança e uma fragrância de destino.

Que aprendamos com as lembranças dolorosas, para que não fiquemos novamente impotentes perante as injustiças. Quantas foram as escolhas erradas que nos tiraram esta taça no passado? Priorização das competições erradas, falta de planejamento para jogos na altitude, insistência com jogadores que acabaram sendo determinantes para nossos infortúnios e, principalmente, bravatas, muitas bravatas, que foram devidamente castigadas, para nosso azar. Tudo isso deve ser usado como exemplo para o caminho a não ser seguido se queremos realmente receber nossa compensação pela tragédia que jamais esqueceremos. Neste ano não teremos as arquibancadas. Não teremos a nossa torcida pulsando. Não teremos cânticos e apoio, bem como não teremos as vaias aos adversários. Mas… ainda vamos nos sentir permeados de alegria a cada gol, gritando a plenos pulmões “NENSE, NENSE, NENSE”, cumprimentando nossos amigos tricolores em abraços virtuais e tirando um sarro dos secadores. E, quem sabe, no final de tudo, voltemos a nos sentir os melhores, porque de fato o somos.

Sorteios, grupos da morte, nada disso poderá impedir o destino. Já nos tomam como azarão, como o primeiro brasileiro a ser eliminado, e mais uma vez nos subestimam. Temos como característica a tentativa do jogo bonito, não o futebol de destruição. Não vamos e não podemos ceder ao pragmatismo dos medíocres. E, no fim de tudo, é com orgulho que veremos a camisa tricolor entrar em campo, enquanto o “estandarte imperecível de paixão” de Nelson Rodrigues estará muito atento, acompanhando os replays de dribles e redes estufadas na TV, no Facebook, nas tevês pagas e mais onde o diabo permitir, enquanto o peito, cheio de alento, carrega também a serenidade de quem sabe o que vai acontecer, mesmo que pareça improvável. Turistas em Laranjeiras, cronistas, patrocinadores, amigos e as tricolindas, todos estarão juntos conosco cantando o hino no início de cada partida, mesmo que seja apenas em nossas mentes.

É o momento de toda e qualquer superstição entrar em ação. Aquela camisa que você sempre está usando quando o Fluminense vence, seu costume de ouvir os jogos pelo rádio para “dar sorte”, tudo está valendo agora. O sentimento de “agora ou nunca” está cada vez mais intenso. Que as risadas sejam mais constantes que os choros, e que estes, quando vierem, sejam de alegria e emoção pela conquista derradeira, que há tanto ansiamos. A competição em si, por vezes, é feia, de futebol questionável e, como já falado, injusta, mas é a que nos falta de fato. Não para que o Fluminense seja gigantesco, porque ele já o é, não para que a torcida possa esfregar na cara dos rivais qualquer coisa ou rebater zoações indevidas, mas, principalmente, para que o futebol sul-americano tenha a honra de reconhecer o Fluminense como campeão em suas fileiras. Assim, finalmente, a justiça terá sido feita e, talvez, a ordem de todas as coisas possa voltar à normalidade. E se te disserem, tricolor, que é impossível, porque os fatos apontam que o Fluminense não tem o melhor time, responda apenas com “fodam-se os fatos”. Essa Libertadores tem que ser nossa e será! Chegou a hora, vamos ganhar a Libertadores!

Curtas:

– Fluminense 2 x 0 River Plate. Sem mais.

2 Comments

  1. Parabéns, Aloísio!!! Que o destino lhe reserve ainda mais alegrias para serem colocadas nas linhas por aqui.
    Somos os azarões? Que seja…
    Como diria o Diniz, façamos o bizarro, então.

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