Greve, sonho e atitude (por Paulo-Roberto Andel)

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Houve um tempo em que – espero ver revivido e valorizado em breve – a torcida do Fluminense era a mais politizada, combativa e contestadora do Brasil. Fato natural para um clube que nasceu abrindo trilhas e desbravando os caminhos do esporte no país.

Falo do fim dos anos 70 e começo dos 80. Aquele cantado e decantado time tricampeão teve sua formação precedida por diversas manifestações no clube, nas arquibancadas e gerais – incluindo greves de comparecimento, leia-se torcidas organizadas e, em especial, a Fôrça Flu (com circunflexo da época). Não se pode desprezar a participação política da torcida do Fluminense na gênese de um dos nossos esquadrões mais vitoriosos, direta e indiretamente falando.

Hoje, os sítios e blogues tricolores têm essa missão sendo cumprida, nos diversos formatos e cenários democráticos.

Este Campeonato Carioca é um desastre, venha o Tricolor a ser campeão ou não. É uma competição esvaziada, carcomida, que não faz jus ao lindo Maracanã de outrora, com clássicos de cem mil pagantes. Tempos em que o Rio era o coração do futebol do Brasil.

O Fluminense, na figura de seus dirigentes, tem encarado o problema de frente, embora abaixo do que se espera, pensando num confronto onde o fundador do futebol brasileiro tem sido diariamente ridicularizado, aviltado e desrespeitado pelo bolsão de esgoto que hoje é a Ferj. Ora por escassez de ações mais efetivas, ora pelo engessamento que as questões jurídicas e econômicas lhe impõem. E numa aliança com o clube da Gávea que nem sempre parece ter ares de reciprocidade plena.

O despautério e a pequenez de se retirar o segundo jogo das semifinais do Maracanã para o Engenhão, até outro dia interditado por anos, servem de termômetro dessa verdadeira febre tifoide que assola a mentalidade do futebol do Rio de Janeiro.

A expressão máxima de um clube de futebol está na força de sua torcida.

Hoje, esta mesma torcida, a do Fluminense, tem sido desrespeitada em seus direitos mais elementares como o de comprar ingressos com descontos para jogos decisivos, mesmo com a reversão desse entrave anunciada há pouco. Tudo culpa do clientelismo feudal imposto pela Ferj e seus vassalos. Há muito se passou da hora de reagir.

Seria de ótimo tom que a torcida do Fluminense organizasse uma greve geral e negasse veementemente todo esse processo vergonhoso da Federação. Coisa para ninguém entrar no estádio mesmo. Mas não tricolebagem, claro; protesto em volta do Engenhão ou outro lugar de concentração tricolor.

Boicote, não ao time, jamais, mas a essa competição espúria, de cartas marcadas e claramente manipulada.

Dar um verdadeiro FORA! a tudo isso que aí está em matéria de desmandos, hipocrisia e casuísmo, costurado por essa Federassalto vadia, incensado pela parte vil da imprensa esportiva. Trocaram a frase: em vez de “Roubado é mais gostoso”, leia-se “Manipulado é mais gostoso”.

Para que o torcedor não perdesse sua razão de ser nesta decisão contra o Botafogo, que é acompanhar o time, o próprio Fluminense poderia organizar espaços de convivência para que a torcida visse a partida junta, deixando o Engenhão às moscas e reduzindo a audiência da TV com menos aparelhos ligados individualmente – doendo no bolso, esta se mexe e intervém como devido, em vez de favorecer seu time mais querido na quantidade de transmissões e nas cotas. Uma excelente sugestão do Antonio Gonzalez foi a de colocar telões no Maracanã a preços populares. O Sambódromo. Qualquer lugar. Isso seria uma forma séria de repúdio com repercussão fora do Brasil. Depois, protestos na porta da Ferj seriam mais do que bem vindos. Favor não confundir greve com sonho.

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Ah, o clube seria punido? Teria prejuízos financeiros? Mais do que vem tendo? Mais do que terá se (muito provavelmente) inventarem a sandice de final de campeonato no Engenhão, em São Januário ou em Volta Redonda? Mais do que ter tido seu contrato com o (maldito) Consórcio Maracanã desrespeitado, sem poder exercer a condição de mandante, trazendo prejuízos à sua torcida e seus sócios? Mais do que ter seu principal jogador punido por criticar legitimamente um sistema falido e prostituído, que só atende a interesses pessoais, passando por cima dos direitos dos clube, torcedores e profissionais envolvidos no sistema?

Particularmente, eu nem defendo o fim dos campeonatos regionais. Tenho meus três ou quatro motivos para isso, a serem publicadas em coluna futura. Agora, esse que aí está eu abomino com todas as minhas forças. O que estes sujeitos fazem na Federassauro é rasgar todas as minhas grandes lembranças de infância. O que defendo é a derrubada dessa federação atingindo seus tenebrosos dirigentes. Não quero a amputação do braço para curar tendinite, mas sim uma fortíssima medicação que cure a doença.

Ninguém tem sido mais prejudicado neste Carioca 2015 do que a torcida do Fluminense. Ela desempenha a força nômade do futebol brasileiro, porque nosso direito de mandantes no Maracanã tem sido cassado por sujeitos que acham estar acima da lei. E essa mesma torcida precisa mostrar de vez a sua força. O clube está limitado por diversos fatores, o que não quer dizer que não poderia estar sendo mais incisivo na questão. Essa querela não precisa de qualquer espera até 2016 para ser resolvida de forma nenhuma. É AGORA!

Amar o Fluminense de forma intensa não pode (ou, ao menos, não deveria) limitar a atitude a chavões, onde o eventual título deste ano (pelo qual todos torcemos muito) possa ser a borracha para se apagar os descalabros desta competição. Não se fazendo nada, ano que vem é só mais um ano dentro de um processo de decadência irreversível que precisa ser estancado. Novamente indo para os rincões de Bacaxá, novamente tendo o mando de campo surrupiado, novamente vendo os eternos acordos prejudicando as Laranjeiras. Chega de empurrar com a barriga. A gravidade ultrapassou todos os limites.

E se a torcida não agir, caso se confirme a classificação diante do Botafogo (que nosso time, mesmo com seus limites, tem plena condição de êxito), o prêmio do Fluminense em chegar à final pode ser… jogar mais duas vezes no Engenhão sem poder utilizar o estádio onde tem um contrato de 35 anos.

Títulos, o Tricolor tem aos montes, a granel. Todos queremos muito esse campeonato. Mas derrubar a Ferj, seus tiranos, seus vassalos, dar um recado claro à televisão, às marionetes da Flapress e mostrar que merecemos respeito é muito mais do que um título. É marcar posição novamente diante da História, a mesma que reconhece o Flu com um dos seus gigantes no cenário mundial. É muito mais do que vociferar nas redes sociais ou sonhar com festinhas. É exercer efetivamente a condição de torcedor do Fluminense, defendendo-o desse mar de lama. É intervir contra tudo de podre que há nesse futebol hoje vivido por aqui. A negação a toda essa patifaria.

Uma causa das três cores, independentemente de amigos estarem no governo das Laranjeiras ou na oposição. O fuzilamento que temos sofrido é alimento para nossa união. O Fluminense só faz sentido com sua torcida unida. Mil pessoas na porta da Ferj já fariam muita gente suar frio.

Quando me tornei coautor de “Pagar o quê? – Respostas à maior bravata do futebol brasileiro”, meu principal capítulo na obra teve o seguinte título: “Nada vira do avesso sozinho”. Era ao mesmo tempo, uma homenagem a uma banda de rock que adoro, a estadunidense Yo La Tengo, e também uma referência direta ao objetivo do livro: se não fizéssemos nada para responder às mentiras de parte infame da imprensa esportiva brasileira, quem o faria?

Ou reagimos diante dessas aberrações no futebol do Rio ou então perde o sentido discutir sobre o que não se faz questão de melhorar. Quando ganhamos 2010 e 2012, o sucesso das conquistas trouxe inércia diante da situação local. Basta lembrar aos mais esquecidos que, no ano do tricampeonato brasileiro, o Maracanã só começou a sofrer intervenções sérias em seu retrofit praticamente no final daquela temporada, enquanto tivemos que pular de galho em galho pelos estádios afora. Foi coincidência ou fomos retaliados nas esferas nacional e estadual?

Nada vira do avesso sozinho. Quanto mais o mau caratismo, tão visível nesse desgoverno do futebol do Rio, com suas pistolas e fuzis apontados 24 horas para Álvaro Chaves.

E o Flamengo? Não vai dizer nada ou fica bom como está? Mão na boca no Fla-Flu é pouco.

Tão pouco quanto o tamanho das torcidas nos clássicos, que rapidamente vão se tornando jogos comuns, sem brilho e finalmente transformando o futebol numa novela “Malhação” do horário “nobre”. Um mero recheio de programação enquanto as pessoas batem papo no sofá ou na mesa de jantar. Esse Fluminense x Botafogo é um sinal claro: 20 mil pessoas, quando o óbvio em tempos decentes seria 70 mil.

reve generale

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: pra

o espirito da copa divulgação

8 Comments

  1. Mais um belo texto meu amigo. Só acredito que o Clube como instituição, poderia estar à frente deste projeto. Já que estamos rompidos oficialmente com este clube dos Cafajestes, seria d[o mais uma briga. O Maraca seiria uma ideia ótima.

  2. Essa dita união com os mulambos é via de mão única. Será que agora eles farão o que fizemos por eles ?
    Belo texto e ótima ideia a do protesto
    ST

  3. Caro Andel, quem pariu Matheus que o embale.

    Já que teve a ideia, formate esse protesto e nós o seguiremos qual a um general.

    ST

    Savioli

  4. Andel, o espirito de luta de nossa torcida tem que ser exatamente este!! Digamos não a esse modelo falido que insiste em massacrar o nosso time a decadas!!Chegou a hora de nos manifestarmos como torcedores e como pessoas pois a falta de respeito a todos nos ja passou dos limites!!

  5. Muito bom, Andel! Essa idéia do boicote é interessante. Também, já havia pensado. Se todos ficassem na porta do estádio durante o jogo, haveria uma repercussão internacional. É difícil! Pela nossa paixão, sempre estaremos dentro do estádio, sacudindo pó de arroz e gritando forte pelo Fluzão. Fica a idéia!

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