River Plate, Nova Iguaçu, Manoel e os puxa-sacos de gestão (por Aloísio Senra)

Tricolores de sangue grená, torcer por um clube de futebol é como investir em um título de capitalização emocional. Por vezes, passam-se anos de investimento diário sem que nenhum retorno aconteça, sempre na expectativa de que o dia tão sonhado chegue, aquele em que o grande prêmio de um belo título será conquistado e fará valer a pena todo o tempo que foi aguardado. É algo, muitas vezes, não intencional, inescapável e inevitável. Paixão é o que nos move, e não há como explicá-la facilmente. Os seres humanos têm várias paixões invariavelmente, mas nenhuma é tão única como a devoção por uma agremiação esportiva, principalmente se tratando de um clube de futebol no Brasil. E poucas são tão significativas quanto torcer pelo Fluminense. Às vezes o retorno não vem quando mais o aguardamos. Aquele número que faltou para completar a sequência vencedora em 2008, por exemplo, que nos deixou extremamente abatidos, foi seguido por quatro anos catárticos, em que fomos do inferno ao céu e vice-versa. Desde então, o investimento tem tido pouco retorno. O título de capitalização desvalorizou por anos, com raras chances de mudar o panorama. Até que 2021 chegou.

O Fluminense, sabe-se lá como, classificou-se de forma direta para a fase de grupos da principal competição do continente e, para nós, ao menos no momento, do mundo. Enquanto outros times se matam na altitude e em outras praças para chegar onde estamos, nós apenas aguardamos o início do certame sem muitas certezas, mas cheios de esperança. Não ter público em competições como a Libertadores é certamente um desastre, e nesse ano seria o momento do resgate, mas pode ter um lado bom: equilibra as coisas. Veja a competição do ano passado (que terminou esse ano). Palmeiras e Santos fizeram uma das finais mais chinfrins da história da Libertadores, com um gol alviverde no apagar das luzes depois de uma partida protagonizada por dois times medianos, se muito. O mesmo Santos só empatou conosco no Brasileiro por uma talagada da arbitragem, e o Palmeiras ficou atrás de nós na classificação. Não obstante, eles levaram a taça, que é o que interessa. Sem público, tudo é possível. Mesmo um time limitado como o nosso pode, com uma dose de sorte, chegar longe. E quem irá dizer que, após 13 anos de dívida dos deuses da capitalização futebolística conosco, não será a nossa vez?

É claro que é mais fácil falar que fazer. A administração tricolor, em que pesem alguns acertos, não é das melhores, há vários senões constantes envolvendo tudo o que acontece com o Fluminense e o planejamento claramente envolvia estarmos discutindo o primeiro – e não o segundo – sorteio desse dia 9 de abril. A despeito de tudo isso, nos foi dada uma chance, que podemos desperdiçar, fazendo uma campanha medíocre, ficando em terceiro lugar na fase de grupos e retornando ao “planejamento” original, ou podemos aproveitar e, quem sabe com um pouco de sorte, conseguir talvez o mais improvável (embora merecido) título de nossa gloriosa história. O grupo D, em que caímos, talvez não pareça muito auspicioso à primeira vista. River Plate, gigante argentino, Independiente Santa Fe, time colombiano de grande relevância sul-americana e que tem a altitude a seu favor, e o vencedor do confronto entre Bolívar, time boliviano que também joga com a altitude a seu favor e tem investimento do grupo Red Bull, e Junior Barranquilla, um time colombiano que é figurinha tarimbada na Libertadores e na Copa Sul-americana em quase todos os anos. Mas nós somos o Fluminense.

Perdi algum tempo assistindo a vídeos que continham reações dos torcedores do River Plate à presença do Fluminense em seu grupo no momento do sorteio. Nenhum deles pareceu feliz, despreocupado, tranquilo. Houve até quem falasse sobre a grandeza do Flu e que seria um confronto difícil. Nas redes sociais, o comportamento é bem similar. Só aqui no Brasil a mídia faz o possível para diminuir o Fluminense, mas lá fora vemos o quanto ele é colossal. Logo, nós não temos o direito de duvidar da nossa mística, da nossa história, da nossa tradição e da nossa camisa. Sabemos que temos um time bastante limitado e que não foi reforçado adequadamente. Pode ser que ainda venham jogadores, mas estes dificilmente conseguirão jogar na fase de grupos, posto que precisarão de entrosamento, ritmo de jogo e, também, serem contratados a tempo, já que na próxima sexta-feira encerram-se as inscrições para esta etapa da competição. De qualquer modo, as cartas estão na mesa.

Em 2008, o Fluminense tinha inegavelmente o melhor time, fez partidas fantásticas, exibições inesquecíveis e que deixaram um gosto de fel ao final de tudo. É difícil lembrar de outra Libertadores que tenha sido tão injusta com um clube quanto essa foi com o Fluminense. Em 2012, tínhamos um timaço, mas outra vez esbarramos num conjunto de problemas, dessa vez lesões e má utilização dos principais jogadores em outras competições, e acabamos eliminados para o Boca. Aquela talvez tenha sido a segunda chance real de ganhar a Liberta. E estamos agora em 2021. Somos azarões para muita gente, alguns já nos dão como eliminados do grupo mesmo antes de tudo começar, e cabe a jogadores, comissão técnica e torcida provarem que eles estão errados e que podemos, sim, surpreender. Há mais de uma década esperamos justiça dos deuses do futebol. Que em 2021 nossa espera finalmente acabe com um título apoteótico, histórico e, sobretudo, extremamente merecido. Que essa Libertadores seja, finalmente, nosso bilhete premiado após tanto tempo investindo na capitalização da nossa paixão.

Curtas:

– Tem jogo nesse domingo, né? O Fluminense pega o Nova Iguaçu no… Maracanã. Depois de excursionar pelo Rio de Janeiro, nossa equipe volta ao palco principal do futebol no Brasil. Com mais duas vitórias, o Fluminense se garante nas semifinais do Carioca e não teremos discussões sobre escalar reservas ou titulares contra o Madureira após a estreia contra o River Plate na Libertadores. Aliás, toda semana vai ter jogo da Liberta, então Roger já pode ir preparando os reservas mesmo para a fase semifinal. Teremos viagens demais e acho que é aí que entra a tal cláusula do Carioca que previa essas situações, certo?

– O zagueiro Manoel está sendo ventilado (alguns sites dizem que ele já acertou com o Fluminense inclusive). Provavelmente foi uma tentativa realizada pela negativa do Goiás por David Duarte. Ele é um bom zagueiro, mas temos que ver suas condições físicas. A idade também pode pesar, acredito que ele não seja novo. Se David Braz for mesmo acertar, precisaremos de pelo menos um zagueiro mais jovem e, nesse caso, não sei se Manoel seria o ideal. Vamos aguardar.

– Toni Platão como artista tem meu respeito. Como comentarista pró-gestão Mário Bittencourt, tem meu desprezo. Espero que peça desculpas à torcida – e rápido.

– Aliás, o corporativismo está se intensificando na mídia segmentada tricolor. Alguns canais, blogs e influenciadores que eram mais neutros começam lentamente a migrar para o lado da gestão, mesmo que no geral, até aqui, sejam desprezados por ela. Já sacaram que a galinha dos ovos de ouro é ser puxa-saco. Todo mundo quer uma boquinha, né? Bizarro.

– Palpite para a próxima partida: Fluminense 3 x 0 Nova Iguaçu. Vamos ver se Roger vai parar de insistir com certos jogadores, se vai testar outros e se vai realmente preparar o time para a estreia da Libertadores.

3 Comments

  1. Você foi cirúrgico em todas as colocações. Apenas no placar do jogo contra o Nova Iguaçu talvez tenha sido um pouco mais otimista que eu. Aposto na Vitória mas não com placar tão amplo.
    Que na Libertadores, o Fluminense possa repetir a surpresa de conseguir resultados mesmo com um futebol não tão belo, no brasileirão.

    1. Não saberia dizer, Dilau. Mas na próxima live dele talvez valha tentar um Super Chat com essa pergunta rs. ST!

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