Fluminense campeão de 1980, 40 anos depois (por Paulo-Roberto Andel)

Faz muito tempo, mas parece que não. Tudo passou rápido demais.

Esturricado por dívidas e há três temporadas sem títulos – um escândalo naqueles tempos -, massacrado na Taça Guanabara – disputada como uma competição à parte naquela temporada -, o Fluminense não teve outra saída que não montar um time caseiro com apenas duas contratações, recheado de jogadores da base que inclusive vinham de campanhas fracassadas.

Paulo Goulart, terceiro goleiro efetivado com as saídas de Wendell e Renato, já era titular em 1979, assim como os eternos Edinho e Rubens Galaxe. Robertinho, Mário e Zezé, crias do clube, também já figuravam na equipe principal. Sem Miranda, Edevaldo ganhou a lateral direita. Givanildo, com passagem efêmera, vindo da troca por Wendell, voltou para Pernambuco e abriu espaço para Deley. Os dois reforços foram Gilberto, revelado pelo Atlético Goianiense mas formado no Botafogo, e Cláudio Adão, um senhor jogador mas que vinha de um momento de dúvidas, depois de maus momentos no Flamengo e no Botafogo. No banco de reservas, Nelsinho ocupou a vaga de Zagallo, que afirmou publicamente ter trocado o Fluminense pelo Vasco porque queria ser campeão – o que se revelaria um ledo engano. Nelsinho, craque dos anos 1960 pela Gávea, veio treinar o Fluminense.

Com sua mocidade em campo, o Tricolor foi subindo degraus e encarou suas provas de fogo nos clássicos do primeiro turno. Goleou o Botafogo por 4 a 0 em tarde épica de Cláudio Adão, virou em cima do poderoso Vasco por 2 a 1 e empatou em 1 a 1 com o Flamengo, campeão brasileiro em 1980 e Carioca em 1979/1980. Só perdeu para o America e chegou empatado com o Vasco ao final do turno. Veio a decisão num jogo extra, empatado em 1 a 1 no tempo normal e sem gols na prorrogação. Na disputa de pênaltis, Paulo Goulart foi um monstro e garantiu não somente a primeira taça, mas também a presença na decisão do campeonato.

No segundo turno, o Flu fez uma campanha irregular e terminou a etapa num modesto sexto lugar, perdendo pontos para as equipes de menor investimento. Contudo, encarou os grandes e não perdeu para nenhum deles, com três empates cheios de gols: 2 a 2 contra Botafogo e Flamengo, 3 a 3 com o Vasco (penúltima partida de Cleber, craque tetracampeão carioca, com a camisa tricolor), que acabaria campeão do returno. A má pontuação no returno acendeu os sinais de alerta para que o Fluminense encarasse a final com seriedade máxima.

A partida final foi disputada em 30 de novembro de 1980. Chovia, chovia. A torcida do Fluminense urrava como nunca. Edinho, aos 22 minutos do segundo tempo, cobrou uma falta e marcou o gol do título tricolor. Meia hora depois, o Rio de Janeiro ganhava uma festa em três cores, mas também uma tarja de luto porque no mesmo dia morreu Cartola, a maior expressão do samba brasileiro e um dos nossos maiores torcedores. O sonho de supremacia rubro-negra estava liquidado graças à trajetória tricolor de luta e humildade. Cláudio Adão foi o artilheiro do campeonato, com 20 gols. Edinho foi a garra, a liderança e o talento.

Algumas lições de 40 anos atrás podem ser bem úteis para os dias atuais. Primeiro, é possível montar um time campeão mesclando jogadores da base tricolor com contratações pontuais de qualidade. Segundo, mesmo com a classificação assegurada para a final do campeonato, não teve oba-oba nem no clube nem na torcida quanto ao título.

Nunca mais o Fluminense foi campeão com um time titular praticamente todo feito em casa. Nestes quarenta anos, o Flu conquistou doze títulos, a saber: os campeonatos estaduais nas temporadas de 1983/84/85/95/2002/2005/2012, os campeonatos brasileiros de 1984/2010/12, a Copa do Brasil de 2007 e a efêmera Primeira Liga em 2016. Média de uma conquista a cada pouco mais de três anos. Nos últimos oito anos, passamos em branco em termos de relevância. Que o Tricolor aproveite o bom momento para almejar mais do que uma ida à Libertadores, resgatando a grandeza dos tempos em que comemorava títulos.

A decisão de 1980 também marca um divisor de águas na literatura tricolor. Nela, Nelson Rodrigues fez sua última crônica sobre o Fluminense, já em situação de saúde agravada, com seu filho Nelsinho digitando o texto na máquina de escrever:

“FLUMINENSE, CAMPEÃO DEMAIS

Amigos, em futebol, nunca houve uma vitória improvisada. Tem sido assim através dos tempos.

Foi uma doce e santa vitória. Vocês viram como aconteceu o nosso triunfo. Foi uma tarde maravilhosa.

Tudo começou há seis mil anos atrás. Vocês compreenderam? Podia ser o Flamengo, o Botafogo, o Vasco ou outro, mas estava escrito que a arrancada era tricolor.

Há quarenta anos antes do nada, Nelsinho foi chamado. E foi tão fulminante sua presença no túnel tricolor que merecia ser carregado numa bandeja com uma maça na boca.

Amigos, os idiotas da objetividade custaram a perceber a evidência ululante, segundo a qual seríamos campeões. Eu lhes falei do Roberto Arruda. Pois o Arruda, desde o primeiro jogo do campeonato, me procurou dizendo: – “Seremos campeões”. E neste domingo, o Arruda telefonou para dizer uma única e escassa frase: – “Ninguém nos tira a vitória”.

E desde o primeiro momento do jogo, ficou claro que a vitória era tricolor. Foi 1 x 0 mas poderia ser dois ou três. O Edinho fez o gol e o Fluminense em vez de recuar para garantir o resultado partiu para cima do Vasco como um leão faminto de mais gols.

E vocês viram: nosso adversário não pode esboçar a menor reação.

Gostaria de falar dos campeões. O Fluminense tem um elenco fabuloso do goleiro ao ponta-esquerda, e só os lorpas e pascácios não veem que o futebol brasileiro está encarnado nos craques tricolores”.

Como se lê e vê, o passado do Fluminense não pode ser desprezado, exceto por quem não está à altura do clube.

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05/10/1980

VASCO l x 2 FLUMINENSE
Local: Maracanã
Árbitro: José Roberto Wright
Renda: Cr$ 8.388.800,00
Públi­co: 58.269
Gols: Roberto 19 e Gilberto 39 do 1º: Robertinho 11 do 2º

Vasco: Mazarópi, Paulinho Pereira, Orlando, Ivã e Marco Antônio; Pintinho. Guina e Paulo Cezar Caju; Wilsinho (Catinha). Roberto e Silvinho (Marco Antônio II). Treinador: Zagallo

Fluminense: Paulo Goulart, Edevaldo, Tadeu. Rubens Galaxe e Edinho; Deley, Gilberto e Mário; Robertinho, Cláudio Adão e Zezé. Treinador: Nelsinho

23/11/1980

FLUMINENSE 3 x 3 VASCO
Local: Maracanã
Árbitro: Arnaldo Cesar Coelho
Renda: Cr$ 4.481.650,00;
Público: 31.646;
Gols: Paulinho 15, Mario 34 e Marco Antonio Rodrigues 35 do 1.°; Claudio Adão (pênalti) 4, Wilsinho 11 e Claudio Adão 29 do 2°

Fluminense: Paulo Goulart, Edevaldo, Tadeu, Paulo Roberto e Rubens Galaxe;(Marinho); Edinho, Mário e Gilberto; Mário Jorge (Cleber), Claudio Adão e Zezé. Treinador: Nelsinho

Vasco: Mazaropi, Paulinho, Orlando, Ivã e Marco Antonio; Pintinho, Marco Antonio Rodrigues e Guina (Dudu); Catinha, Roberto e Wilsinho. Treinador: Zagalo

30/11/1980

FLUMINENSE 1 x 0 VASCO
Local: Maracanã
Árbitro: Arnaldo Cesar Coelho
Renda: Cr$ 23.066.750,00
Público: 108.957
Gol: Edinho 22 do 2º

Fluminense: Paulo Goulart, Edevaldo, Tadeu, Edinho e Rubens Galaxe; Delei, Mário e Gilberto; Mário Jorge. Claudio Adão e Zezé. Treinador: Nelsinho

Vasco: Mazarópi, Paulinho Pereira, Orlando, Ivan e Marco Antonio; Dudu, Marco Antonio Rodrigues e Guina (Peribaldo); Catinha (João Luís), Roberto e Wilsinho. Treinador: Zagallo

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