Fluminense 0x3 Botafogo (por Paulo-Roberto Andel)


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A derrota, as derrotas

I

Antes de qualquer coisa, que se faça justiça: o Fluminense levou uma chinelada sem dó, semelhante à que tinha aplicado no mais-protegido. Uma laranjada na cabeça que deixou um dolorido “galo”, bem diferente do ilusório “chocolate” que, descontadas as devidas hipérboles, todos sabemos ser algo raro em se tratando de clássicos.

Depois do golaço de Bolatti, por instantes lembrei dos meus tempos de calouro de faculdade. Até chegar ao glorioso IME-UERJ, não tive mais do que quatro notas abaixo de 7 em toda a minha vida escolar e no primeiro curso superior que fiz.

A doce aura boba dos garotos de dezoito anos que sentem-se invencíveis.

Então veio minha primeira prova de Cálculo I, o primeiro e glorioso zero e a certeza de que eu não era rei da cocada preta coisa alguma. Mais ou menos como deveriam refletir certos bobalhões dos 140 caracteres e nenhuma idéia relevante.

Quando voltei à realidade segundos depois, o Flu já estava derrotado no clássico. Fred ainda perdeu o pênalti, um caso à parte.

A derrota humaniza. Nocauteia a soberba. Nem luxo, nem lixo. O Fluminense ainda é uma obra em progresso. Veio de sete vitórias, nenhuma à toa. Perdeu o Clássico Vovô com toda justiça. Foi dominado de ponta a ponta.

É clássico. Desimporta ter titulares e reservas. As camisas brigam em campo há mais de um século.

II

Vários sintomas de alguma coisa errada no domingo. Ou antes.

O site Futebolcard que bloqueia operações Mastercard. Torcedores que não atravessam uma rua para defenderem o time dos ataques verborrágicos da ESPN. O Maracanã cheio de grades, feito um presídio, como se os torcedores precisassem ser adestrados. O ingresso que só passa em determinada roleta. O clássico sem público, para alegria da televisão. Kote perde o celular. Só se salvou Maurício Lima, numa fase de humilhar a concorrência.

Aparece o árbitro e acerta um cartão amarelo em Cavalieri por maltratar o gramado sem que o jogo tivesse começado.

Sol na arquibancada. Calor. Terror.

III

Em sete vitórias seguidas do Fluminense, Conca brilhou em todas. Hoje foi opaco. A repercussão veio de forma imediata.

Parado, sem arranque e velocidade, o Tricolor fez-se presa fácil do matreiro Alvinegro, com sua garotada misturada ao talento decano de Renato. Bruno deu uma brunada, Henrique não tinha nada a ver com isso e marcou 1 x 0. Desde antes, narizes torcidos. A coisa não estava nada boa: frente parada, Sobis e Fred lentos, ligação complicada, Carlinhos errando e acertando. Basicamente, bolas alçadas para a área, muitas.

Valencia estava melhor do que Diguinho, mas tinha cartão e dançou para o segundo tempo, vindo Wagner. Dois gols em impedimento; o primeiro, de cofiar os bigodes. O segundo? Impedimento demais.

Aí, também dançamos.

IV

Com o miolo fragilizado, o Botafogo deitou e rolou. Era melhor o tempo todo, Henrique aproveitou o rebote no chute de Jorge Wagner, 2 x 0, logo depois de Walter ter entrado no lugar do cansadíssimo Sobis. Nem deu tempo de piscar, Bolatti fez 3 x 0 e, para sorte nossa, o Botafogo tirou o pé e se poupou – caso contrário, o risco de devolução dos 7 x 1 seria enorme. Chute rente à trave, Cavalieri voando.

V

O pênalti.

Pelos últimos jogos, era natural que Conca batesse. Fred pegou a bola. Paradinha infrutífera que não dá resultados. Repete…

Não ia dar certo.

Provavelmente, devo ser o cronista tricolor que mais defendeu em texto – e em livro – as torcidas organizadas do Fluminense – e a Young Flu em especial – na história. Nelas, tenho muitos amigos. Gente de bem.

Os torcedores têm o direito pleno de vaiar e aplaudir. Os torcedores têm direito à liberdade de expressão sem constrangimentos e sem uma capitania hereditária das arquibancadas. Vaia e apoio.

Claro que não ia dar certo. Defesa do Helton Leite, herdeiro do grande João do Atlético.

VI

A seguir, momentos de completa flamenguização. Para quem tem 36 anos de arquibancada como eu, difícil de definir. Vergonha por ver a torcida fraturada, vergonha pela burrice explícita, vergonha pelas vaidades pessoais rídiculas – basta um infarto ou uma bala perdida de merda e viramos carne podre ou incinerada em poucas horas – vergonha porque a torcida onde um dia eu fui criado era unida.

VII

Num dos momentos mais difíceis de nossa história, Young Flu e Legião juntas fizeram nas arquibancadas algo tão espetacular que, refletindo no campo, mudou para sempre toda a nossa história.

Os títulos de 2010 e 2012 começaram com aquela incrível arrancada de 2009.

A história fala por si só.

Este domingo foi um dia de várias derrotas.

A do alto das cadeiras, bem pior do que a do gramado.

VIII

Depois do jogo, conversei com alguns líderes de torcida, que merecem toda minha amizade e respeito.

Há quem ache – justamente – que tem mais é que vaiar quando a coisa vai mal. E quem ache que a vaia é inútil e leviana.

Todos são tricolores.

Basta o respeito mútuo à causa comum.

Minha infância está de luto.

Torcemos para o Fluminense.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: PRA