Torcida única: a saída mais fácil (por Felipe Fleury)

A pedido do Ministério Público, o juiz Guilherme Schilling decidiu, em caráter liminar, é bom que se diga, que os clássicos regionais daqui por diante só poderão ter uma torcida. A manifestação do MP estadual foi motivada pelos graves confrontos ocorridos no último clássico entre Flamengo e Botafogo, cujo saldo foi de oito pessoas baleadas, sendo uma morta e duas gravemente feridas. Na verdade, a violência desmedida entre torcidas organizadas naquela partida foi apenas a gota d`água para a adoção de uma medida que já vinha se desenhando há tempos e, inclusive, já fora adotada em São Paulo e Minas.

Trata-se, todavia, de uma medida simplista, uma resposta pronta à sociedade e à mídia que clamavam por um basta nessa onda de violência que assola os estádios e seus arredores em dias de grandes jogos. O Poder Judiciário, chamado a intervir, não pode se omitir e foi por isso que o juiz decidiu.

A proibição de jogos com duas torcidas em clássicos retira a responsabilidade estatal e a transfere ao torcedor, uma vez que é dever do Estado zelar pela segurança do público que vai a uma partida de futebol. A questão, assim, é de segurança pública e se afasta do âmbito desportivo. Torcedores organizados que praticam crimes são menos torcedores que criminosos e devem ser tratados como tais, inclusive sendo alvo das políticas de segurança do Estado e dos órgãos de persecução penal.

A Justiça, com essa decisão de cunho proibitivo, na verdade retirou um grande peso das costas de um Estado que é ineficiente naquilo que é sua obrigação primeira: garantir a segurança e a liberdade de ir e vir de seus cidadãos. E, consequentemente, ajudou a por mais pá de terra num futebol moribundo, cujos romantismo e glamour se esvaem à medida que o Maracanã também se deteriora.

Qualquer estudioso de segurança pública e, mais especificamente da infiltração das organizações criminosas relacionadas ao tráfico de drogas nas torcidas organizadas, poderá dizer com mais propriedade que a solução para a violência entre as torcidas não passa nem de perto pelo que decidiu o nobre magistrado. A prova cabal e mais recente disso foi a brutal tentativa de homicídio que vitimou o torcedor tricolor Pedro Scudieri, que voltava para sua casa após um jogo do Fluminense contra a Portuguesa. Ou alguém pode imaginar que os agressores tenham sido torcedores do clube da Ilha do Governador?

Torcidas organizadas, não é de hoje, marcam seus confrontos pela internet. Na falta de um serviço de inteligência eficaz, porém, adota-se a resposta óbvia e inócua que, a bem da verdade, nada resolverá e apenas desincumbirá o Estado de sua função que é garantir a segurança de sua população.

Se quisessem realmente resolver o problema, ou pelo menos minimizá-lo, deveriam seguir nossas autoridades o exemplo inglês. Lá, o gravíssimo problema dos hooligans foi praticamente solucionado quando todos os times ingleses foram obrigados a instalar em seus estádios sistemas de monitoramento por câmeras, a fim de que a polícia pudesse realizar um pente fino à procura de torcedores brigões. Localizado o torcedor indesejado, é imediatamente retirado do estádio. Além disso, há sempre um policial escalado para estudar o comportamento dos torcedores de cada clube profissional inglês, cujo relatório de informação ajuda na identificação dos torcedores mais perigosos.

Brasil não é Inglaterra, mas parece óbvio que um trabalho de inteligência policial bem desenvolvido pode ajudar a antecipar as ações desses criminosos, possibilitar suas prisões e evitar mortes. Não obstante, o Ministério Público e o Judiciário devem tratar os crimes praticados por esses vândalos com a gravidade que merecem, responsabilizando hordas de torcedores brigões como verdadeiras associações criminosas, o que afastaria, nesses casos, a competência dos Juizados Especiais Criminais, que cuidam apenas de delitos de menor potencial ofensivo e que nem mesmo ensejam a prisão.

Mas, ao invés de agir para resolver o problema, preferiu-se a saída mais fácil e menos onerosa para o Estado: a torcida única. Com essa decisão mata-se o futebol, mas não se mata o problema.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @FFleury

Imagem: f2

2 Comments

  1. Para já fica clara a incapacidade do Poder Público lidar com a violência urbana.

    E, se bem me lembro, o caso de agressões a tricolores durante o Caso Flamenguesa e até mesmo esse último perpetrado por torcedores do Vasco contra um membro da Bravo, não foram após confronto direto, não envolveu briga de torcida, nem foi nas imediações do estádio.

    O brasileiro está cada vez mais violento e o Estado não só não cumpre como ainda tenta se demitir de suas obrigações.

    1. Existem muitas outras saídas.

      Vide os casos do Reino Unido, Itália, Portugal, Alemanha ou Espanha.

      Se você não conseguir extirpar o mal de uma torcida como resolverá o assunto do tráfico?

      Do armamento pesado??

      Dos presídios???

      Parece engraçado, mas a verdade é que a violência no futebol é o problema mais fácil de tratar.

      E é exatamente esse que eles querem se demitir de resolver.

      Proíbe e pronto.

      Não é assim que se resolve.

      Mata-se o espetáculo enquanto dorme o Estado.

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