É proibida a entrada… (por Felipe Fleury)

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…após o início do espetáculo.

É comum, quase uma regra, a observação estampada nas portas dos teatros de que é vedada a entrada do público após o início do espetáculo. A advertência pretende preservar o direito daqueles que já se acomodaram e que não podem ter o seu direito de assistir à peça turbado pelos retardatários à procura de seus assentos.

Ninguém pretende implementar tal regra no Maracanã, palco, precipuamente, de jogos de futebol. Na verdade, o estádio – ou arena – já foi teatralizado demais após a sua adaptação aos padrões da FIFA de se assistir às pelejas e não precisa, portanto, de novas regras que são incompatíveis com o espírito popular do esporte bretão.

Os portões do estádio costumeiramente ficam abertos até o intervalo do jogo para garantir aos retardatários a oportunidade de assistir ao espetáculo por que se pagou ingresso. A medida é salutar porque antevê problemas na locomoção urbana de acesso ao local do jogo e permite ao torcedor entrar no estádio mesmo com a partida em andamento. A ausência, por ora, de lugares marcados em grande parte da assistência, facilita a ação.

Entrar após o início do jogo, porém, deve ser a exceção. Bom seria se os nossos sistemas públicos de acesso ao estádio fossem perfeitos e essa tolerância atingisse limites mínimos.

Todos, ou quase todos, os seis ou oito mil torcedores que ainda estavam do lado de fora do Maracanã na partida contra o Coritiba, contudo, saíram de suas casas em tempo hábil para comprar o seu ingresso e acessar o estádio. Todos, ou quase todos, estavam lá antes do início do jogo e todos deveriam ter conseguido entrar sem transtornos e outros problemas burocráticos.

Não houve, segundo consta, qualquer problema de trânsito reportado nos caminhos que levavam ao Maracanã. O problema se deu ali, nas bilheterias, onde uma multidão postou-se inerte ante os entraves proporcionados pela Administração do Consórcio.

Não se deve admitir que o torcedor – que é antes de tudo um consumidor – aguarde numa fila imensíssima, que caminha a passo de tartaruga e ouça, do lado de fora do estádio, o grito da outra parte da torcida comemorando o primeiro gol de seu time. E mesmo que, após esse gol, ainda permaneça por incontáveis minutos, mais de uma hora, para tomar assento e poder assistir à partida por que pagou.

Uma afronta, um descaso tamanho que nem o acionamento judicial do Consórcio seria capaz de reparar em sua integralidade.

O Consórcio Maracanã simplesmente deu à regra teatral de que “é proibida a entrada após o início do espetáculo” uma aplicação concreta no dia 4 de junho, quando Fluminense e Coritiba se enfrentaram uma bela tarde outonal de céu de brigadeiro na cidade do Rio de Janeiro.

Milhares de torcedores foram barrados à porta do estádio e outros tantos somente conseguiram entrar depois de muito tempo, alguns apenas já na segunda etapa de jogo.

A desculpa estapafúrdia de sempre foi dada: o torcedor chegou em cima da hora. A resposta, permito-me parafrasear o nobre companheiro Andel, é simples: Não é o torcedor que se deve adaptar ao Consórcio, mas este deve se adaptar ao torcedor, afinal de contas, nos tempos em que o Maracanã era Maracanã, cem mil entravam sem maiores transtornos.

O que teria havido então. Falta de previsibilidade? Creio que não. O Fluminense vinha de uma ótima vitória sobre seu maior rival, a partida foi marcada para horário acessível em pleno feriado e o dia, belíssimo, ajudava em muito. Quem não poderia prever um público superior a vinte ou vinte cinco mil, o que nem é o suficiente para encher as parte sul e leste inferior do Maracanã? A grande verdade é que não foram setenta mil, mas trinta e tantas, vinte e oito mil do lado de dentro e outras milhares do lado de fora.

Ouvi alguns informes dando conta de que funcionários da Concessionária foram dispensados antes da partida ante a suposta desnecessidade de suas presenças, outros, imagino, nem mesmo foram convocados. Seria a mais pura incompetência se fosse apenas isto: falta de previsibilidade cumulada com a necessidade de contenção de despesas.

Afinal, para quem administra o Consórcio não haveria mesmo muitos motivos para a torcida tricolor comparecer ao jogo. O Flu estava na zona de rebaixamento, vinha de uma derrota para o rival e chovia a cântaros na cidade…

Mas teria sido apenas isso? Como os esclarecimentos até agora lançados não soaram verossímeis, é absolutamente normal que o torcedor possa tirar a sua própria conclusão.

Recentemente o Fluminense reviu o seu acordo com o Consórcio Maracanã, estendendo-o ao seu plano de sócio-torcedor. Em quatro dos sete planos de associação a concessionária terá participaçao quanto às novas adesões. A partir de agora, todos os setores do estádio serão divididos pelas partes (Flu-Consórcio) e a partilha do montante final será feita na proporção 55% para o Tricolor e 45% para a Concessionária.

O sócio tem a facilidade (além do desconto relativo ao seu plano) de realizar o check-in com antecedência, evitando assim as filas, bem como carregar o seu ticket na sua própria carteira. Uma facilidade enorme e justa para quem se associa ao clube.

Não pretendo ser leviano, pois levanto apenas conjecturas diante do absurdo a que a torcida tricolor foi submetida, mas afastada a improvável – quase estapafúrdia tese da imprevibilidade – o que resta, infelizmente, é a suposta má-fé. Submeter milhares de torcedores a esse sacrifício, a essa angústia, pode ter sido uma forma bastante eloquente de se dizer: “se você fosse sócio não precisaria passar por isso”.

Ser sócio do clube – não falarei aqui das benesses para o Fluminense – seria bastante conveniente para o Consórcio. Com o novo acordo, o Maracanã ganharia uma participação nas novas adesões e ainda reduziria despesas, uma vez que o sócio não precisaria se dirigir à bilheteria – reduzindo os gastos com o quadro móvel da concessionária -, bastaria passar pelas roletas com sua carteira-ticket.

Não quero imaginar que o transtorno causado ao torcedor tricolor tenha sido proposital. Oxalá que não, porque se for isso, chegarei à triste conclusão de que somos apenas mercadorias nas mãos de quem só deseja angariar lucros.

A administração tricolor precisa exigir do Consórcio uma explicação satisfatória para o ocorrido, porque é seu dever preservar o interesse do seu torcedor. E além de exigir uma reposta, trabalhar para que fato idêntico não se repita.

Por outro lado, o sócio-torcedor tem todo o direito de ter um tratamento diferenciado, mas isso não significa que o torcedor que ainda não é sócio não deva tê-lo. Afinal, o torcedor é, antes de tudo, um consumidor e precisa ter a contrapartida pelo ingresso pago, que é a tranquilidade para a compra de seu ticket e o acesso ao seu lugar no estádio sem intercorrências.

Tentar impor a fórceps a associação – esta é a alternativa que resta se afastada a mera incompetência -, ainda que pela via transversa da criação de dificuldades para a venda de facilidades, é conduta que não se coaduna com a boa-fé que deve reger as relações contratuais. O torcedor deve procurar seu clube com o único intuito de ser seu parceiro; assistir a uma partida de futebol, portanto, deve cercar-se de todas as facilidades para que ele – o torcedor – exerça plenamente seu direito de consumidor, devendo ser tratado como tal.

O tricolor não precisa ser sócio-torcedor para obter um tratamento urbano da Concessionária Maracanã, pois esse é um direito que é corolário da garantia da sua própria dignidade, dignidade esta que deve ser preservada para sócios ou não sócios e zelar por ele é um dever da Concessionária que administra o estádio.

Maracanã não é teatro, embora teimem em imaginá-lo assim. Por isso, que não seja proibida a entrada da torcida após o início do espetáculo, sobretudo quando ela não deu causa ao atraso.

Nessa história toda, o torcedor é vítima de incompetência ou de má-fé. Tirem as suas próprias conclusões.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @FFleury

Imagem:google

“O Fluminense que eu vivi – Volume 1” – em agosto

1 Comments

  1. Não sei o que aconteceu. Cheguei às 15h e as bilheterias estavam vazias, comprei na hora. Entrei às 15h20min sem maiores transtornos. Será que a culpa realmente é só do Consórcio? A torcida do Flu já tem essa característica de entrar em cima da hora para os jogos. Não estou defendendo o Consórcio, muito pelo contrário, mas estranhei muito quando li que milhares de torcedores ficaram do lado de fora.

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