Conservando a moral II (por Luiz Alberto Couceiro)

 

Outro dia, conversava com uma pessoa de 19 anos, torcedor do Fluminense, e escutei a seguinte frase: “Mas esse clube vai ficar de bobeira, vendo os outros contratando a rodo, e não vai fazer nada?!?” Fiquei atônito por alguns segundos pelo grau de eloquência na performance do interlocutor. O tom de voz, alto para o ambiente público em que estávamos, era sinal de que com isso pouco se importava. Tendo me recuperado do susto, depois de um sorriso leve, sem mostrar os dentes – não que eles mereçam ser expostos – perguntei: “Venha cá (Nossa! Como Salvador ainda me acomete!): você acha que o nosso time é uma espécie de Facebook?” Dessa vez, foi ele quem ficou espantado. Ainda com ele nas cordas, emendei: “O que é passado pra você? Nosso time foi campeão carioca e brasileiro no ano passado porque, dentre outros motivos, vem mantendo a base desde 2009. Você não percebeu que nossos dirigentes mudaram, até o presidente, desde então e a política de contratações não?” No que ele perguntou, com a boca aberta e quase babando: “Como assim?” Disse que passamos a ter maior solidez em nossas atuações com elencos mais entrosados e esquemas de jogo melhor absorvidos, o que só se consegue com meses de trabalho.

Comecei, bizarramente, a explicar ao jovem – em relação a mim, claro! – que tínhamos em Fred a prova do sucesso dessas estratégias de administração de elenco. Perguntei se ele conhecia um jogador na idade desse ídolo que tenha vindo pro Brasil, conquistado tantos títulos, se tornado ídolo de uma enorme torcia e quisesse aqui permanecer? Ele disse que não. Continuei dizendo se ele conhecia um time que revelasse jogadores bons, alguns até ótimos, aos borbotões, como o Fluminense? E ainda, que, de tanto revelar, transbordavam talentos ao ponto de emprestarmos jogadores para times dos quatro cantos do mundo? Diante do seu silêncio, lhe disse que time de futebol, pra dar certo, ser campeão, não pode ser pensado como se fosse uma conta de Facebook. Muito menos com negociações estilo Twiter.

A noção de tempo é socialmente construída, vivida de maneiras distintas pela mesma pessoa de acordo com o grupo, o lugar que frequenta. O tempo das refeições, da diversão, das atividades sexuais, da emoção com um gol do time do coração, enfim, uma gama de acontecimentos é organizada de acordo com medições de tempo presentes na constituição da subjetividade. Não se ama pelo cronômetro, mas sim pela intensidade que vivemos afetivamente os fatos. Essa construção ocorre no processo de civilização, isto é, em resumo, as conformações dos nossos potenciais desejos e sentimentos em no processo de socialização. Cada trajetória pode apresentar suas peculiaridades.

O companheiro de papo não está conseguindo elaborar a dimensão temporal distinta entre um âmbito e outro. O mundo da comunicação virtual obedece a critérios diferentes em relação à administração de contratos empresariais ou mesmo da administração pública. Suas diferentes condições objetivas, sua vida pessoal, a pouca idade, experiências de trabalho ainda pouco limitadas a um mundo baseado em estudos devem ser levados em consideração para vermos com mais generosidade. Investimentos afetivos e materiais individuais são diferentes de coletivos. Facebook e Twiter não são negociações contratuais envolvendo pessoas as mais distintas, com papéis especializados e trabalhos com temporalidades bem localizados e complementares.

A complexidade para fazer contratos longos envolve planejamentos diversos, dos custos até mesmo o acompanhamento do desempenho de cada jogador e seus valores de mercado. A vida útil de um atleta de alto desempenho está ligada, também às antigas e novas contusões, seus graus de gravidade, e a alteração das características do jogador em campo. Equilíbrio emocional e espírito de coletividade também entram nas contas do Fluminense. Poderia enumerar mais variáveis, mas com essas já podemos perceber que não se posta jogador de futebol, que, pelo que está envolvido nesse grande negócio que é o futebol dos grandes clubes do mundo, é determinado pelas formas que as partes constroem os contratos. Contrata-se, demite-se, vende-se e recupera-se jogador de futebol.

O papo terminou com a frase: “Pô, podes crer! Não tinha pensado nisso tudo… Essa coisa de gerenciar clube de futebol grande é bem sinistro”. Com essas enigmáticas palavras, pensei que eu tinha ali uma chave de interpretação para tanto desprezo que a grande mídia dedicou ao Flu nessas últimas semanas. Como assim? Manter elenco não é uma conduta moralmente aceitável pelos grandes conglomerados da imprensa nacional, que cobrem futebol.

Ah, sobre a moral? Vamos ver as conexões na próxima coluna dessa série!

Luiz Alberto Couceiro

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Contato: Vitor Franklin

“Duas vezes no céu – os campeões do Rio e do Brasil, o novo livro de Paulo-Roberto Andel sobre o Fluminense em 2012 à venda:

http://www.travessa.com.br/DUAS_VEZES_NO_CEU_OS_CAMPEOES_DO_RIO_E_DO_BRASIL/artigo/40af87f6-9047-4c45-97e1-53ab8704b29e

3 Comments

  1. Excelente texto, Luiz, inclusive o convidamos a ler “O homem que falava futebolês”, aqui mesmo no Panorama, que em tom ficcional disserta um pouco sobre a corrupção que acontece nesta esfera de negócios. STT, Waldir Barbosa Junior

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