Conservando a moral – I (por Luiz Alberto Couceiro)

Ronaldinho Gaúcho quase contratado pelo Fluminense. Ah, pensei, que sorte a de nosso meio-de-campo e de nossos atacantes! Ledo engano… Segundo a grande mídia, parte significativa de nossa torcida o havia rejeitado por identifica-lo com um de nossos clubes rivais. Houve também o argumento de sua suposta agitada vida boêmia. Nesse momento, lembrei-me de Paulo César Lima, o Caju, que brilhou em nossa Máquina de Jogar Futebol. Mesmo tendo vindo da França, naquele momento, ele já havia feito miséria das defesas adversárias como titular de Botafogo e Flamengo. Além disso, era uma espécie de bandeira política de Caju assumir publicamente que era jogador, sim, mas nem por isso deixaria de badalar por onde bem entendesse. Em momento algum ele deixou de jogar acima da média dos meio-campistas-atacantes que atuavam no Brasil e de encantar pra sempre os olhos dos sortudos que puderam presenciar aquele timaço.

Pude ir mais perto a minhas memórias, já como frequentador dos estádios. Renato Gaúcho, campeão pelo Flamengo chegou ao Fluminense fazendo embaixadas mil com suas botas pontiagudas, óculos escuros e vestindo meio que de maneira improvisada a camisa tricolor sobre a que estava. No Grêmio, Renato havia conquistado o Mundial de Clubes ao lado de Caju e também, tal como ele, não escondia sua alegria em jogar futebol e viver nas noites outros prazeres. Nem todo jogador, vale dizer, gosta de jogar bola, e nem da noite. Alguns, até, não gostam das duas coisas – e tenho exemplos de que, nem por isso, ficam, ou ficavam, pontificando contra ambas àquelas atividades.

Ou seja, o Fluminense teria deixado de ter dois grandes ídolos, protagonistas de títulos importantes, caso os tivesse deixado de contratar pelos motivos que deixamos de ter Ronaldinho Gaúcho. Motivos ligados ao patrulhamento de condutas entendidas como sendo moralmente condenáveis, por parte da torcida tricolor mencionada nas reportagens que abordaram pesquisas de opinião.

Agora, Felipe chega ao nosso clube depois de uma primeira passagem confusa, no mínimo. Ele mesmo reconheceu isso, o quanto o seu revide às pancadas que vinha sofrendo em jogo pela Copa do Brasil teve consequências ruins para ele e para nosso clube. A saída dele, até hoje obscura, sem maiores explicações, meses depois disso ajudou a aumentar a sensação de mal-estar. Conclusão: ninguém saiu no lucro, na época. Não digo lucro financeiro, mas sim afetivo. Todas as partes, até hoje, saíram arranhadas.

Algumas coisas mudaram, desde então: a torcida do Fluminense ficou mais exigente com os jogadores e os dirigentes, porque voltou a se acostumar a ganhar títulos de expressão; manteve, desde então, elencos competitivos, mais do que bons times titulares; contratos longos deram lugar à enxurradas de “craques” desconhecidos ou ex-jogadores ainda em atividade; Fred se firmou como um grande craque, símbolo do clube, e havia tempo que não o tínhamos; o clube vem se organizando financeira e administrativamente; as divisões de base revelam jogadores aos borbotões.

Contudo, outras coisas continuam. Exigir seriedade de atletas no Brasil não é igual à Europa. Poucos jogadores ganham salários estratosféricos, no universo do número de jogadores profissionais que temos. Pagamos ingressos caríssimos pela renda per capta do brasileiro. Os times não apresentam, em geral, elencos bem equilibrados. Os gramados, em geral, são péssimos, assim como o são os estádios – com algumas exceções. Chegar até eles, e muitas vezes comprar os ingressos, e entrar para ver um jogo mais importante virou um safári urbano.

Nesse sentido, argumento, de forma mais direta, que o comportamento dos jogadores corresponde ao cenário no qual trabalham e pouco são repreendidos em nosso País. Suas condutas obedecem ao que ocorre na enorme caixa preta administrativa que é o nosso esporte mais popular. Felipe continua jogando bom futebol, acima da média de habilidade dos armadores em atividade. Todos nós sabemos que ele precisa apagar aquela sua confusa passagem, e ele também. Chega com um grupo unido, com um técnico líder e campeão que já o conhece, para jogar sob os olhares de Fred e Deco, e ao lado de colegas de profissão que em alguns jogos se entendem pelo olhar. No mercado da bola, que bom que o Flu optou por aproveitar a deixa do Vasco e contratar jogador para posição que precisamos. Seria tolice se mais uma vez uma boa contratação tivesse como motivo principal para não ocorrer a obediência dos dirigentes à parcela da torcida que se julga guardiã da moral e dos bons costumes.

(continuo na próxima coluna com esse tema).

Luiz Alberto Couceiro

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Contato: Vitor Franklin

3 Comments

  1. Caro amigo, respeito sua opinião, mas discordo totalmente. Sou francamente contrário a contratação deste ex-jogador em atividade, pois já não joga nada há muito tempo e é um notório criador de casos. Além disso, com uma rejeição de 70% da torcida, vejo um total anti-marketing por parte da Diretoria, que, como bem disse Sandrão, não se importa com a opinião dos torcedores, mas sim, da Comissão Técnica. Espero que eu esteja errado, e que o Felipe possa nos ser útil. ST.

    1. Oi, Andreiflu! Bom dia!

      Seus argumentos são consistentes. Eu não disse que sou a favor ou contra a contratação de Felipe. O alvo dessa e de minhas próximas colunas é um retorno à certas prescrições morais de conduta que remontam à ditadura cívico-militar como parâmetro de se contratar ou dispensar jogadores. Seus argumentos em nada têm a ver com isso, quero deixar claro. Espero que nas próximas colunas eu consiga deixar os meus mais ainda.

      Obrigado pela troca de ideias.

      Abração!

      Luiz.

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