Como funciona o direito de imagem – Parte 1 (por Felipe Fleury)

banner_socioUm amigo tricolor, há poucos dias, me fez a seguinte pergunta: como ficaria a situação dos jogadores do Fluminense em relação ao clube se a Unimed continuar atrasando os seus direitos de imagem?

Essa é, por certo, a maior preocupação do torcedor tricolor que espera que os problemas contratuais da Unimed com os jogadores do Fluminense, como Conca – já de saída –, Fred e Wagner, dentre outros, não repercuta na relação contratual destes com o clube. É também a preocupação de toda a sorte de torcedores adversários e de parte da imprensa, que anseiam por um desmanche profundo no elenco tricolor.

Respondi, de chofre, que a possibilidade dos jogadores acionarem judicialmente o Fluminense para alcançarem as suas liberações em decorrência dos atrasos – três meses de salários atrasados automaticamente determinam o fim do vínculo jogador-clube devedor – era remota. Isso, porque a relação contratual dos jogadores com a Unimed é de natureza civil, distinta da relação trabalhista, que têm com o clube e que os reiterados atrasos poderiam ser cobrados na esfera cível da empresa de planos de saúde sem que isso interferisse na relação trabalhista dos jogadores com o clube. Portanto, o Fluminense estaria resguardado de eventual debandada de parte de seu elenco em virtude do não pagamento dos direitos de imagem por parte da antiga patrocinadora.

Claro que, para nós, tricolores, a melhor solução para o caso seria essa. Ela não deixa de ser, em tese, uma saída viável e legal. Ocorre, porém, que o Direito não é uma ciência exata e, intrigado com a pergunta, resolvi investigar um pouco mais sobre o tema.

Assim, em breves linhas, tentarei sintetizar a questão, sobretudo quanto ao que particularmente nos interessa – relação Unimed-jogadores do Fluminense-direito de imagem. O assunto demanda um estudo mais aprofundado, o que inviabilizaria a sua publicação virtual; mas, de tudo o que li sobre a matéria, procurei trasladar para este texto apenas o essencial, de modo a dar ao leitor uma impressão, ainda que resumida, das decisões judiciais mais recentes acerca do tema.

Importante, por primeiro, iniciar este breve estudo pelo conceito de direito de imagem. Segundo a doutrina, o direito de imagem é um direito personalíssimo e negociado diretamente entre o jogador (ou a empresa que o detém) com a entidade desportiva (clube de futebol), por meio de valores e regras livremente estipulados entre as partes, assegurado pelo art. 5º, XXVIII, “a”, da Constituição Federal. No âmbito infraconstitucional, está previsto no artigo 87-A, da Lei Pelé (Lei 9615/98).[1]

O próprio dispositivo legal assevera que o direito de imagem não se confunde com o contrato de trabalho desportivo, ou seja, não tem a natureza de salário. Se parássemos por aí, ótimo. A lei, em seu estrito sentido, determina que são contratos distintos. Um tem a natureza cível, o outro, trabalhista e cada um deve ser pleiteado na sua seara. A discussão, entretanto, deve prosseguir.

Clubes de futebol, visando à sonegação de impostos e outros direitos previdenciários e trabalhistas, passaram a utilizar o direito de imagem como forma de dissimular a verdadeira remuneração devida ao atleta em razão de sua contratação. Assim, estabelecem com o contratado um valor remuneratório subdivido em salário na CTPS e direito de imagem. Este último, contrato cível, livre dos encargos acima referidos, passa a ser a maior, por vezes quase a totalidade da remuneração do jogador, enquanto sobre a mínima parcela referente ao salário anotado na carteira de trabalho incidem, proporcionalmente, as despesas trabalhistas e previdenciárias. Essa situação anômala e fraudulenta foi levada aos Tribunais pelos jogadores de futebol, ante o indisfarçável propósito de o clube mascarar o pagamento de salário com o nome direito de imagem. O falseamento passou, então, a ser severamente combatido.

Os Juízes do Trabalho (1ª. instância), os Tribunais Regionais do Trabalho (órgãos recursais de 2ª. Instância) e até o Tribunal Superior do Trabalho[2] (órgão máximo da Justiça Trabalhista) abandonaram o entendimento de que o contrato de direito de imagem firmado entre os clubes de futebol  e os atletas eram distintos e firmaram a convicção de que o contrato de direito de cessão de direito de imagem pago aos jogadores de futebol tem natureza de salário, devendo incidir sobre o montante todas os encargos legais. O direito de imagem, assim, passou a integrar o salário do atleta, uma vez que aquele possuía o mesmo objeto do contrato de trabalho, ou seja, amalgamados, constituíam a integralidade da remuneração do atleta.

A fim de que não se confundam os institutos, vale aqui abrir um pequeno parêntese sobre a distinção entre direito de imagem e direito de arena. O direito de arena, ao contrário da cessão do direito de imagem, está previsto no art. 42, § 1º, da Lei 9.615/98 (Lei Pelé)[3] e decorre da participação do atleta nos valores obtidos pela entidade esportiva com a venda da transmissão ou retransmissão dos jogos em que ele atua como titular, ou reserva. A titularidade do direito de arena, assim, pertence à entidade desportiva a que está vinculado o atleta e a cessão de uso da imagem a este último, como seu direito personalíssimo.

Esta é a posição majoritária dos Tribunais quanto à relação clube-jogador no que concerne ao contrato de direito de imagem.

A matéria não é tão tranquila, entretanto, quando esse contrato é praticado entre uma empresa que, via de regra investe no clube, e o atleta a ele vinculado. Justamente por ser uma relação pouco usual, são raros os precedentes dos Tribunais sobre o tema.

Observação: este artigo terá sua continuidade publicada amanhã.

Referências:

[1] Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

[2] “RECURSO DE REVISTA. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. DIREITO DE IMAGEM. INTEGRAÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS. O direito à imagem, consagrado pelo artigo 5º, inciso XXVIII da Constituição Federal, é a garantia, ao seu titular, de não tê-la exposta em público, ou comercializada, sem seu consenso e ainda, de não ter sua personalidade alterada material ou intelectualmente, causando dano à sua reputação. A doutrina, entendimento o qual comungo, tem atribuído a natureza jurídica de remuneração ao direito de imagem, de forma semelhante às gorjetas nas demais relações empregatícias, que também são pagas por terceiro. (…) A jurisprudência desta Corte, de igual sorte, vem se formando no sentido de que o -direito de imagem- reveste-se, nitidamente, de natureza salarial, reconhecendo, ainda, a fraude perpetrada pelos clubes. Neste sentido, precedentes desta Colenda Corte Superior. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 2007120055040203 200-71.2005.5.04.0203, Relator: Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 18/09/2013, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/09/2013).”

[3] “Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.” (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).“ § 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.” (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).

 Panorama Tricolor

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Imagem: fluminense.com.br

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2 Comments

  1. Mas aí tem uma diferença importante:
    No caso Fluminense unimed,o direito de imagem,foi assinado com a patrocinadora e não com o Fluminense.
    O atleta,pode negociar direito de imagem com quem ele quiser,o clube nem precisa saber dos valores e não pode responder por um contrato assinado pelo atleta,com a unimed,com a adidas,com Nike,com a Sky,com a in natura,com o banco Itaú,com a caixa,com o porcão,com a peixaria do Zé,a sapataria do Almeida e etc,etc,etc…

    1. Elias, o texto terá a sua segunda parte publicada amanhã. Confira a relação de direito de imagem com a empresa patrocinadora e não mais com o clube. Um abraço e ST

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