Chiquinho Zanzibar – um espectro ronda as Laranjeiras (por Alva Benigno)

alva benigno green

Pelos ermos caminhos de difícil acesso, Chiquinho Zanzibar anda acabrunhado. Ele é visto, sentido, mas nunca assumido. Do contrário, não seria ele. Está dentro de muitos, mesmo que morando como um incômodo inquilino que não anda lá em dia com o pagamento do aluguel. E, ainda mais, depreda todo o imóvel.

Anda pensativo porque gostaria demais que o seu time vestisse a camisa canarinho, de preferência com a folhinha do café semi-plantation da gloriosa revolução redentora de 1964. Não conseguiu repor seu perfume importado, mas teve alívio ao ver no Youtube uma série de episódios do TV Mulher. Amava Clodovil, ao mesmo tempo em que sua mãe a Marília Gabriela. Não tinha pudores em imitar o mestre que jamais conseguiria viver na vida real. Fora preparado para casar com mulheres brancas, finas, de bom comportamento. Mulheres que conheceu nas altas rodas. Vivia seu dilema erótico por ser misógino, e, diariamente, ver campanhas nas redes sociais pelo respeito a esse ser humano desprezível. Torcia para um time com inúmeras delas colorindo as arquibancadas, o que o deixava com muita raiva desde muito pequeno. Raivinha e nojo. E, agora, além de presidir o país, ainda votavam, vejam vocês, nas eleições de seu clube! Muita audácia!

Seu tio era generoso. Tinha apartamentos que passou para o seu nome, como agente do DOI, de propriedade de comunistas, inimigos da pátria, essas pessoas ressentidas que tomaram um sossega leão pra sempre. Não gostassem do Brasil, então que o deixassem em paz! De dentro do seu apartamento, herdado depois da morte do amado tio, pensava que havia algo de estranho pairando sobre sua mente. Os aluguéis estavam baixos. Afinal, havia herdado outros imóveis. Como, então, poderia se manter um nobre? Trabalhar era impensável! A bajulação dentro do clube não estava mais dando certo. Colocar jogadores obscuros para dentro de elencos das categorias de base e do time profissional não estava mais fácil. Tinha havido uma crise de egos e, como sempre, Chiquinho, ao som de Zanzibar, se encolheu debaixo de suas neuras.

Escrevia para os blogueiros vermelhos, essa raça que deveria morrer pelas mãos dos amigos do seu afável tio, em letras garrafais, os xingando de todos os tipos de nomes sujos que só havia escutado da boca de pessoas de cor, desqualificadas, dessas que tinha orgulho de não serem vistas com frequência em seu dileto clube.

Com um novo técnico, as portas de Chiquinho se fechavam, ou ao menos não estavam mais arrombadas. Seu mundo estava abalado, já não bastando conviver com tanta gente desqualificada nos aeroportos, as novas rodoviárias, os pardieiros da mobilidade social. Estava sem alvo, por isso, andava atirando para tudo o quanto era lado. Sempre em letras em caixa-alta, como se os supostos ofendidos pudessem escutar seus impropérios virulentos.

Sua torcida era paradoxal, haja vista que as vitórias de seu time, com um novo técnico, que, certamente, não daria entrada para seus arranjos com empresários, lhe traria felicidade e mais amargor. Por que, então, Chiquinho Zanzibar torceria com toda a força do seu rancoroso mundo pelo sucesso do time, agora, sob nova direção?

Se desgraça alheia consola… Chiquinho estava muito feliz em ter conseguido, com seus lobbies de fofoquinhas de alcova, driblar a democratização do seu clube – argh! Que nojinho! –, e fazer que a festa do lançamento dos novos uniformes fosse fechada para VIPs, famosos e os não menos afamados “quem?”. Só quem tivesse abadá poderia entrar na vetusta sede. Golaço de Chiquinho! Claro, sempre tem alguém desagradável perto do presidente, que não mais lhe dava a mesma bola de antes. Nem ao menos um olhar. Pessoas de cor? Só como serviçais desfilando com os novos uniformes, que ele conseguiu de graça, para seu delírio de propagador da meritocracia.

Mas, e agora? De noite, ele viveria um sonho ou pesadelo?

Panorama Tricolor

@PanoramaTri 

Imagem: chidasa

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