Cartola e o Fluminense: senhora tentação (por Fagner Torres)

fagner tricolor 2016

É belo que o coração de um menino pobre seja tocado por um clube nascido com a vocação aristocrática. E é belo que o cantinho tocado neste coração fique marcado pelo resto da vida, independente das novas paixões com ele ali divididas.

Foi assim com Angenor de Oliveira, o Cartola, e o Fluminense.

Quando o poeta nasceu, em 1908, o Flu já tinha seis anos. Ambos foram contemporâneos de um Rio de Janeiro mais lento, cadenciado, onde verde significava mais paisagem que esperança, e os dias passavam com a sutileza de versos.

Ambos foram contemporâneos de uma cidade desigual sem ser selvagem.

Ambos, cada um a seu modo, ajudaram a moldar o perfil de uma capital que se perdeu no tempo.

Os dois saíram do asfalto para o morro, construindo histórias em sentido inverso. Cartola subiu a Mangueira e quis pintar de tricolor a Estação Primeira. Se na sequência o grená virou rosa, pouco importa. A graça da vida está no desejo, não no fato.

cartola tricolor 2016

Viveu, criou, arrebatou e emocionou. E neste tempo, como o seu Fluminense, mostrou que o amor pode ser ao mesmo tempo rebuscado e sutil.

Entregou rosas aos corações com a paixão de um gol no minuto derradeiro. Genialidade e singeleza.

Escolheu deixar a vida num dia de final. Foi em 1980. Enquanto o Fluminense levantava o Campeonato Carioca, os céus nos roubavam o gênio. Numa tarde nebulosa, que viu a natureza chorar sua partida e lavar nossa alma.

Desceu à terra com o caixão envolto na bandeira tricolor, e seguiu com ela no caminho antes de abrilhantar o céu.

Ao partir, nos deixou a sensação de que sua vida fora apenas um sonho, não uma existência.

No que concluímos então, que precisamos sonhar mais.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @TorresFagner

Imagem: ft/pra

* Fagner Torres também escreve no Blog Laranjeiras, do portal ESPN FC Brasil.

2 Comments

  1. Belíssima lembrança e não menos bela crônica. O Fluminense está na alma da cidade e na alma dos que construíram a alma carioca. Cartola, Fluminense, Mangueira. Paulo Benjamim de Oliveira, Fluminense, Portela, minha Portela. Ainda há um lugar bom de se viver, que está nos corações dos cariocas de fé, da gema, que sobrevive em meio ao turbilhão.

    ST

  2. Ao invés de Cronistas Reunidos, deveria ser Poetas Reunidos. Em cada crônica, uma Poesia.

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