A madrugada da tristeza tricolor (por Paulo-Roberto Andel)

Duas e meia da manhã insone, o flamenguista Bebeto cantando na TV “Tamanco no samba”, o arranjo de metais tocando a Marcha Fúnebre. Que trilha sonora!

Quarenta anos depois, o Fluminense ainda tira o sono. Nove da manhã.

O velho cadáver insepulto do rebaixamento ergue sua carne apodrecida em ossatura incerta, levanta e anda com passos muito lentos, mas reais, a caminho do centenário estádio das Laranjeiras, que alguns querem derrubar por absoluta falta de caráter.

O cadáver está onde sempre esteve nos últimos anos. Em 2003, 2006, 2008, 2009, 2013, 2015, 2017 e agora 2018.

O que se viu ontem lembrou muito a derrota para o Santos no final de 2013. Muito. E pode lembrar jogos de outros anos também. A história se repete, às vezes com novos protagonistas mas sempre com um mesmo roteiro: os vilões fingem que são mocinhos.

Os dirigentes tricolores de agora não têm mais condições de conduzir o clube. Falta-lhes tudo, inclusive o bom senso da renúncia, o gesto de grandeza para pacificar a guerra.

Só que não existe solução do lado de fora neste momento, onde medíocres ex-aliados travestidos de “opositores” tentam fazer o torcedor tricolor de otário.

O que está em jogo: melhorar o Fluminense ou usá-lo de acordo com as conveniências pessoais?

Quase todos os líderes passaram por lá sem exceção, quase todos tiveram culpa no cartório em vários momentos dessa desgraceira, o que nem de longe exime a gestão atual (na qual desgraçadamente votei por redução de danos) de sua tragédia administrativa. Não existe almoço grátis nesta insanidade da política do clube, salvo raras exceções que são fáceis de localizar: basta ler quem enriqueceu pelo “amor ao Tricolor” e quem permaneceu economicamente pobre.

Há anos mergulhado num caos econômico, devendo uma fortuna a caminho do bilhão; sem patrocínio relevante; sem times competitivos; com uma torcida amargurada e exilada, dividida pelo ódio criminosamente planejado.

O velho Fluminense desafia definições de sobrevivência.

Contudo, em apenas seis anos depois do tetracampeonato brasileiro, sucumbe a olhos nus tal como o velho e querido America, que um dia eu tanto vi e respeitei na arquibancada lotada.

Duas rodadas de chumbo à frente.

A imprensa querendo celebrar de vez o cadáver tricolor. É um troféu cobiçado.

O próximo domingo contra o Inter tem a cara do Morumbi em 2008. Empatamos gloriosamente à época. Se não der certo, o América-MG lembra o Juventude em 2003. De lembrança em lembrança, velhos paradigmas. E a terrível certeza de que, nos dois casos, tínhamos times melhores do que hoje – ou menos piores, se assim preferirem.

O clube é um cadáver do que já foi um dia. Tirando as eleições, quem vai lá? Qual o sentido de deixar Laranjeiras ao relento às vésperas dos 100 anos do aniversário?

A fala de Gum à saída de campo revela muito mais do que uma sacanagem dentro das quatro linhas. É uma sacanagem geral, que há muito vem sendo feita e iludiu a trouxas feito eu, que se aproximaram do clube para ajudar voluntariamente e acabaram ganhando abacaxis como um processo judicial, enquanto dirigentes pilantras achavam graça em ver um livro sobre o Fluminense ameaçado de destruição. Sempre imagino o que teria acontecido no Vasco de Eurico Miranda, ele mesmo, caso um escritor vascaíno com mais de dez livros publicados sobre o clube fosse coagido e sofresse a mesma retaliação…

A torcida está cada vez mais de saco cheio de ser intimada a empurrar um time candidato ao descenso.

Se os jogadores são fraquíssimos, é bom que se diga: nenhum deles pediu para jogar no Fluminense. Foram contratados. Fazem o que deles podia se esperar, mesmo que o atual elenco seja muito mais fraco do que o que caiu para a terceira divisão – e vitimado pelos calotes e caôs dos dirigentes.

Contudo, ainda há pequena esperança de escapar do pior, desde que Vitória, Sport e América Mineiro não vençam na rodada 37. Do time do Fluminense não dá para esperar mais nada por vários motivos. Sua luta agora é saber se conseguirá marcar um gol até o fim da temporada. Quem não quer ser campeão da Sul-Americana? Agora, quem acredita que este time de hoje tem condições de disputar a Libertadores de 2019? Piada, né?

A nossa torcida, sofrida e amargurada, ainda espera um milagre na competição continental. Eu só penso que o Fluminense é o único clube do futebol brasileiro que não tem direito de ser rebaixado, não por causa de má campanha ou insuficiência técnica (que podem acontecer a qualquer time), mas por tudo que já proporcionou aos seus torcedores em seus dias mais tristes, inclusive quando escapou milagrosamente – caso de 2013 quando, rebaixado no campo fraudado, escapou por conta da nebulosa Flamenguesa. O Fluminense não tem o direito de humilhar seus torcedores novamente. Não tem.

Na pequeníssima parte que me cabe, escrever livros sobre o meu time foi uma experiência fantástica. Conheci muitas e muitas pessoas maravilhosas na torcida do Flu e no clube, mas também o contrário: algumas das piores pessoas que eu já conheci na minha vida, das mais ingratas, das mais escrotas, das mais recalcadas e invejosas, das mais fdps, covardes e mentirosas, também são Fluminense (ou ao menos dizem ser). Pessoas doentias. Todas elas tentam manipular de alguma forma o que cerca o Flu, seja pelos bastidores desta política de lixo, seja pela internet. Tê-las longe de mim ou como inimigas é um verdadeiro troféu. A prostituição do sexo é um trabalho duro e sofrido, mas a do caráter é inaceitável. Cheguei até aqui sem nunca vender ou alugar minhas opiniões, e assim continuarei enquanto o PANORAMA existir. É um orgulho. Deve ser uma merda testemunhar a própria falta de ética e de caráter…

O ano de 2018 é uma vergonha sem fim, é inaceitável, mas insisto: junto com ele, colecionamos 2017, 2015, 2013, 2009, 2008, 2006 e 2003. Quem conduziu estes barcos furados não tem condições de reabilitar o Fluminense. Em suma: para salvar o clube da sua extinção, será preciso muito mais do que escapar de um rebaixamento, mas de mudar para sempre uma mentalidade arcaica, que apenas alterna as peças de um museu de grandes novidades e desempenhos medíocres.

Seis jogos sem gols. E gente rindo como se fosse normal.

Ninguém aguenta mais os Irmãos Metralha pagando de Pato Branco Donald ou Mickey. De Pateta, muito menos. Se a mentalidade atual não for varrida das Laranjeiras, se não surgir uma nova política com nomes de apreço, novas atitudes e sem os velhos vícios, a péssima história vai se repetir.

Mais do mesmo é engodo, é farsa. Sem mudanças drásticas de atitude, daqui a um ano estaremos discutindo o risco de queda para a segunda divisão.

Ou para a terceira.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

3 Comments

  1. Para mim, é evidente que essa sequência de flertes com a segundona na década (de 2013 até hoje) é ao mesmo tempo um ensaio para o tombo e um aviso de que administrativamente o clube já faliu.

    Faliu, e se o clube ainda não se inviabilizou é porque ainda existe a lei civil que garante a existência das Associações Esportivas, a nossa história e a nossa torcida. Se olharmos o clube com um olhar gerencial, livre de paixões, está claro que hoje somos praticamente inviáveis.

    As dívidas, as…

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