O Fluminense não precisa de sofismas de araque (por Paulo-Roberto Andel)

O tema é extremamente batido mas necessário. Vem de longe. Aqui mesmo nesta coluna já apareceu muitas vezes, bem longe da pretensão de se impor verdades, mas reflexões.

Os últimos anos sem títulos relevantes têm atrapalhado as compreensões de certa parte da torcida tricolor e da imprensa esportiva, em especial quem confunde opinião e/ou análise com panfletagem política da atual gestão – ou das anteriores também, tanto faz, é farinha do mesmo saco. Ou ainda quem acha que torcer para o Fluminense significa fazer vista grossa a todas as suas deficiências, que já vem de anos e que andam intensificadas, mesmo que hoje estejamos longe da zona de rebaixamento.

Primeiro: torcer para o Fluminense e ficar contente com o resultado de suas partidas não implica em achar suas atuações convincentes ou qualificadas – e não são mesmo, salvo raras exceções neste 2020. Basta rever. Será que grande parte da torcida fica p$#@-+’*uta da vida após os jogos só por pirraça?

Segundo: para o Fluminense ser candidato ao título brasileiro, seria razoável que fizesse uma sequência de boas partidas. Quando foi que isso aconteceu? Favor não confundir a obtenção de pontos com a qualidade do futebol apresentado. Nas 23 partidas do Brasileirão, em qual delas o Fluminense jogou com postura de campeão? Qual? O máximo que conseguiu até agora foi uma bela atuação diante do Atlético Mineiro no Mineirão, uma atuação de time grande. E só.

Então, acreditar que o Fluminense pode conseguir uma pontuação satisfatória é possível. Espantar o mau agouro das cinco lutas contra o rebaixamento nas sete temporadas anteriores, também. Agora, o torcedor que se preocupou – e se preocupa – com a primeira etapa de responsabilidade, que é eliminar qualquer possibilidade de rebaixamento, deve ser chamado de bobo ou burro por causa disso? Não. Boçal é quem diz isso. Boçal é quem despreza todo o histórico da série de pontos corridos, recheados de times com belos primeiros turnos na pontuação para depois sofrer no segundo turno – caso do próprio Fluminense em 2015, quando por sinal tinha um time muito melhor do que o atual.

A cada nova rodada, vem uma avalanche de bravatagens travestida de jornalismo: basta um resultado positivo para que tudo se torne perfeito e “a resposta tenha sido dada aos críticos”. Patético. Como o time do Fluminense é irregular ao extremo e cheio de deficiências, se acontecer o empate ou a derrota, o jeito é minimizar os problemas e apontar o adversário como enjoado, perigoso ou em grande fase, com ladainhas verborrágicas que vão do nada a lugar algum. Nesta segunda passada mesmo, para alguns o Bragantino virou praticamente uma sensação do campeonato, embora esteja na 15a posição na tabela de classificação. Faça-me o favor! É o cúmulo do casuísmo.

Aí vêm os sofismas: retóricas rebuscadas para aparentar sofisticação na análise prévia e/ou posterior às partidas. A mesma fonte de babaquice que germinou neologismos como “agudo”, “intensidade” “leitura do jogo” – como se alguns pretensos analistas lessem muita coisa além de clippings, cujas fontes primárias já são de terceira categoria.

Então sou obrigado a procurar noutra dimensão visual o esplendor do futebol da dupla siamesa Caio Paulista e Felippe Cardoso? Sou obrigado a achar que o jogo moderrento e sem graça é brilhante, e que vou brigar pelo título me enrolando com o 15o colocado do campeonato jogando em casa? Faça-me o favor. Tenham vergonha na cara. Relativizar uma mediocridade dessas.

Tudo uma farsa. Vou repetir: FARSA!

O Fluminense de hoje até pontua mas não empolga. Não decola. Não arrebata. Não oferece confiança. Pode tanto fazer um jogo maneiro quanto outro deplorável, às vezes conseguindo os dois numa mesma partida.

Por que havia empolgação da torcida na incrível reação de 2009, no título guerreiro de 2010 e na verdadeira lavada no ano de 2012, por exemplo? Porque o time tinha atuações convincentes, passava confiança, mesmo quando não era brilhante. Porque tinha jogadores de alta categoria capazes de decidir jogos difíceis num segundo. Porque funcionou taticamente com três treinadores de alto nível em quatro temporadas diferentes. É tudo muito diferente de agora.

Mas então é tudo uma porcaria em 2020?

Não.

Pode até pontuar nesse campeonato chinfrim. Claro que pode.

Agora, para conseguir uma vaga na Libertadores ou até mesmo disputar o título, o Fluminense vai precisar nestas 15 rodadas finais o que não mostra há oito anos: regularidade de atuações qualificadas. Neste Brasileiro mesmo tivemos um momento de sete jogos e nada além disso. A maior prova da dificuldade do Fluminense está na falta que Dodi tem feito. Não estou falando de Didi, mas Dodi.

Tempo para treinar não falta. Eliminado de todas as outras competições, o Fluminense agora só jogará nos fins de semana.

Menos mal que as situações e o destino fizeram com que o Flu utilizasse mais jogadores da casa, a começar por Marcos Felipe. Se uns foram bem e outros não, acontece, mas é preferível torcer pelos garotos do que aturar Orinhos e Egídios da vida.

Ninguém é dono da verdade. Cada um sabe de si. Só não me levem a mal: vi Rivellino, Pintinho, Edinho, Deley, Assis, Romerito, Ricardo, Válber, Torres, Ézio, Renato, Romário, Roger, Petkovic, Deco, Fred e mais uns cinquenta. Não sou obrigado a igualar nenhum desses com o que vejo em campo agora, com todo respeito aos profissionais que estão lá. E não é nenhum jornalista de merda ou congênere que me fará fazer isso.

Se você acha o Kenny G o máximo, ok, mas não pretenda empurrá-lo para quem curte Coltrane, Cannonball Adderley ou o eterno Sonny Rollins. Não rola.

O mínimo que que pretensos formadores de opinião, sejam jornalistas, comentaristas, blogueiros, colunistas etc precisam saber é que, se querem respeito profissional, que parem de impor ladainhas pernósticas inúteis que não se sustentam em dois minutos de qualquer VT dos “melhores momentos”, ao menos para torcedores terráqueos. Se querem apenas likes e notoriedade, tudo bem. Se querem pagar de inventores da roda, que arquem com o ridículo disso. Cada um sabe do nome que tem a zelar. Ou não.

Nem falei do Odair. Sinceramente? Podia ser ele, o Diniz, o Cuca, qualquer outro. O problema é estrutural e mascarado quando o time ganha. A cada ano que passa, um rodízio de jogadores medíocres, um lote de negociações esquisitas, nenhum retorno esportivo das revelações e, às vezes, sequer econômico. Só não vê quem não quer ou quem está na falange da hipocrisia.

Meus amigos, torcer eu torço há quase 50 anos. Querer que seja campeão eu quero sempre. Já torci para Neinha, Fanta, Rinaldo, Hélio Maluco, Dico Maradona, Agnight, Milton do Ó, Marcelinho das Arábias, Junior Dutra, Lucão e o diabo a quatro. Não sou eu que bajula presidente do clube mas ia para o estádio secar jogos da gestão anterior.

Então, quem vier dizer que eu torço contra ou sou pessimista tem duas alternativas:

a) Comprar um livro chamado “Do inferno ao céu: a história de um time de guerreiros”, lê-lo por inteiro e aí conversar comigo a respeito;

b) Dar três pulinhos, três voltinhas e ir à merda.

Não espero quinze partidas brilhantes no desfecho deste Brasileiro. Espero um time com atitude, aguerrido, com postura de grande, que se imponha. Não é muita coisa, exceto para quem pensa pequeno ou acha que o lugar do Fluminense é de figurante, cujo grande sonho é jogar a fase de grupos da Libertadores.

Só para constar: o São Paulo, do Diniz, ele mesmo, tem 41 pontos em 21 jogos, dois a menos do que nós com 23. Tem a possibilidade de chegar a 47, com os mesmos 23 jogos. Honestamente, como esse futebol rame-rame do Fluminense, alguém acredita que, se o time paulista abrir 11 pontos de vantagem, nós vamos tirá-la em 15 rodadas? De coração, sem clubismo, sem paixão, só pensando em Wellington Silva, Caio Paulista e Felippe Cardoso. Vamos?

Desculpe qualquer coisa, um abraço, que o Fluminense tenha uma atuação convincente diante do Athletico e que os prepotentes tomem vergonha na cara antes de posar como sabichões.

Não precisamos de sofismas de araque, mas de reflexão, cobrança e coragem.

3 Comments

  1. Ótimo texto, sendo o parágrafo “dedicado” a Kenny G o melhor! Verdadeiro engodo da música instrumental!

  2. IRREPREENSÍVEL EM SUA LONGA E QUASE UMA EPÍSTOLA A SER LIDA POR TRICOLORES DAS MAIS VARIADAS FAIXAS ETÁRIAS A PERCEBEREM NA SINCERIDADE DE ANDEL A CONSTATAÇÃO DE QUE ÊLE QUE TORCE HÁ MAIS DE 50 ANOS NÃO CHEGARA A ESTIMULAR NEM A PARRARO E TAMPOUCO AO TOINZINHO…

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