A vida em riste (por Paulo-Roberto Andel)

macaé   xxxxxxxxx

Uma da manhã de segunda-feira nas imediações da Cruz Vermelha, Marília Gabriela entrevista a bela Deborah Blando na TV, o conteúdo pouco me importa. Penso em várias coisas e ainda sinto a adrenalina de mais uma viagem em busca do Fluminense. Desta vez foi em Macaé contra o Criciúma. Vencemos bem, 3 x 0, podia ter sido mais, pareceu que a pancada da eliminação da Libertadores não deixou nenhuma sequela significativa. Depois coloco Chico Buarque para tocar, “Voltei a cantar”, “Mambembe” e o sono vem com a força permanente de um dos maiores artistas da família tricolor.

Foi bom estar em Macaé outra vez depois de tantos anos. Não, não havia Cristina nem a praia dos Cavaleiros, nem o silêncio doce de Tatiana, nada disso. Ao lado, os queridos amigos fiéis de sempre, que não enxergam o futebol com a obviedade opaca dos números e títulos. Foi quem tinha que ir. Duas mil e poucas pessoas. Foi o que bastou. Gosto de ver os jovens empolgados no ônibus, dispostos a gastar o dia inteiro de folga em troca de uma hora e meia de Fluminense. Uma pena que a poltrona do meu lado estivesse vazia, como se demonstrasse a sangue-frio que quem deveria estar ali não está. Em compensação, a garotada ria e brincava: são felizes, querem o Flu de perto, isso renova e traz ânimo.

A vitória do Fluminense foi absoluta, pouco importando se o Criciúma é um time bastante limitado tecnicamente – e é mesmo! -; em 2008, quando sofremos o baque da América, custamos a nos recuperar. Agora não. A atuação de ontem mostrou o Fluminense com vontade, pegada, vibrante, sintetizado em dois nomes: Rhayner e Sobis. Se cada empresa, repartição ou sala de aula do Brasil tivesse ao menos uma pessoa com a disposição que Rhayner mostra ao entrar em campo para trabalhar, o país seria muito, muito melhor – ele é garra, a ponto de constranger seus detratores que esperam um futebol de Pelé. Sobis, nos últimos tempos, tem mostrado força, vontade, agressividade no ataque, combate, como se vivesse permanentemente o espírito da Libertadores – porém, diferentemente de alguns, não faz disso uma obsessão mas sim um ofício. Diguinho, que geralmente oscila ainda mais quando não está com os cabelos tão oxigenados, foi muito bem nesta vitória. E o destaque veio com sabor de destino: Digão. Depois da derrota para o Olimpia, poderia sentir o golpe. De jeito nenhum: fez dois gols de cabeça, mostrou segurança na defesa e deixou claro que o passado não é mais importante do que o que ainda virá pelo caminho. É um jogador tatuado por 2009 e, por isso mesmo, duro de matar. Fizemos os gols e não caímos na pasmaceira do recuo exagerado. Berna, segurança de sempre. Wellington Silva, bem mal. Edinho, para Caldeira, foi um Beckenbauer em pelo menos 85% da partida. Nas arquibancadas, surpresas e risos: uma lindíssima oficial da Defesa Civil – acompanhada de um brutamontes, claro -, cuscuz e quebra-queixo do Nei a módicos cinco reais, ninguém me explicou porque o Moacyrzão tem os setores verde de vermelho para os expectadores se tudo é pintado de azul e branco. Abraão prometeu conquistar uma garota, mas Bruno Vargas fez marcação cerrada no alvo, deixando o empate em zero a zero no campeonato de romances. No mais, as nossas torcidas de sempre fizeram presença e coros, sem modinhas e bandeirinhas. Com dois na sacola, o Fluminense desceu feliz para o intervalo.

A etapa final foi tranquila, com o padrão de jogo mantido tranquilamente. Jogando como time grande, fizemos o que tinha de ser feito e ainda poderia ter sido melhor, não fossem os eternos cruzamentos errados de Silva. Nenhuma ameaça no marcador. Depois, Wellington Nem e Neves vieram a campo: o primeiro cobrou bem um pênalti que sofreu e estabeleceu o placar final de 3 x 0, depois de um passe sensacional de Felipe, o terceiro a entrar. Neves fuzilou o travessão no fim da partida. O segundo tempo absoluto no campo adversário. Volto a Felipe: todos sabemos que se trata dos seus últimos momentos como profissional, mas que momentos! A bola desliza como se estivéssemos em 1975. Felipe tem um passe que remete à Máquina, ao passado de glórias do futebol brasileiro. Uma aula de futebol em forma de jogador. Tomara que seja melhor aproveitado por Abel, porque a elegância dos gramados merece isso. Não se pode esperar soluções geniais de jogadores medianos; de Felipe, sim. Um grande momento à parte: nosso querido Tartá, hoje no Criciúma, entrou em campo. Todos lembraram do que ele fez em 2009 e 2010 e gritaram muito seu nome. Tartá deve ter sentido uma emoção ímpar em sua vida e foi merecido.

Voltamos na estrada com serenidade. Praticamente nenhuma luz exceto a dos faróis em movimento. A minha poltrona ao lado continuou vazia e eu queria meu amor nela sem nenhum quase. Um dia virá – a estrada é longa, bem mais do que eu ingenuamente imaginava. Rimos das piadas de Desirée e Máscara. Não vi Thaís, uma pena. Alguém falou de Realengo, tive um sonho instantâneo bom com a mulher mais linda do mundo e depois lembrei de nosso Gilberto Gil cantando “Aquele Abraço”. Há vários Fluminenses num só – hoje, ele é superação, é vitória e um mísero passo que pode, no futuro, levar o sonho a um pentacampeonato brasileiro – o que só não pode ser importante para o supra sumo da ignorância. Horas depois, veio a Cruz Vermelha, também a televisão e eu já sonho com a volta a Macaé semana que vem. Antes, temos o Coritiba fora. Tudo faz pensar em 2009, é inevitável. Somos sonho e a vida em riste, é isso.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

ANUNCIO 1995

2 Comments

  1. Espetacular a viagem. Em todos os sentidos, claro!!! Vamos buscar o penta. Sds Tricolores

  2. Perfeita como sempre sua cronica meu amigo, fico cada vez mais fã pois além do futebol vc coloca poesia nas suas escritas. Abaixo a banalidade burocratica! Paulo Andel neles!

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