A onda tricolor (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, às vezes uma vida inteira vale a pena por um minuto, um momento ou por uma tarde de sábado. Anteontem, posso dizer que minha existência foi paga por um sábado inteiro.

Cheguei às imediações do Maracanã por volta das 14h para um agradável esquenta com amigos e família. Paramos num bar nas imediações e a conversa regada a cervejas transcorria solta e alegre.

O sábado foi um dia tal que até minha mãe foi ao estádio, além do sobrinho que não curte futebol, mas depois do jogo parecia um papagaio encantado a tagarelar as impressões da incrível experiência. Antes mesmo do jogo, no bar, dizia que aquela seria a primeira de muitas e que uma paixão estava para nascer.

Como, afinal, resistir à torcida do Fluminense? Como resistir ao Fluminense de Fernando Diniz, Cano, Árias, Ganso, Manoel, Nino, André e cia.?

Enquanto os demais se dirigiam ao Sul Inferior, eu e meu filho, os da muvuca, subimos para o nosso habitat natural. Depois que as minhas duas camisas tricolores, uma dos tempos da Adidas e outra do tempo da Under Armour, que recentemente perdeu o escudo, cujo paradeiro desconheço, me deixaram na mão, indo parar as duas simultaneamente na máquina de lavar, aproveitei a ocasião para comprar uma nova, já ali, na boca do fervo.

Era uma ocasião apropriada para estrear um manto novo, porque era a tarde predestinada a ressignificar o 2 de julho, pois aquele me proporcionou uma das piores noites da minha existência. Uma noite que teve desdobramentos. Foram longos trinta dias até que tomasse coragem de voltar a pisar no Maracanã, muito embora a sensação de vazio e angústia alimentasse uma terrível, embora justificável, vontade de ir embora.

O ano de 2009 começou com grandes contratações, entre elas a de Frederico Chaves Guedes, uma espécie de sonho de consumo que eu sequer cogitara sonhar. Mal sabia eu que começava ali um dos episódios mais inacreditáveis da história do Fluminense Football Club. Foi em agosto daquele ano que fui demitido depois de onze anos de serviços prestados a uma grande companhia de seguros, onde aprendi muito sobre muitas coisas, pelo que sou eternamente grato.

Até então, o trabalho me concedia poucas oportunidades de ir ao estádio. Doravante, porém, passei a ir a todos os jogos no Rio de Janeiro, e terminei em Curitiba, naquele 5 ou 6 de dezembro histórico. Vivi intensamente aquele segundo semestre. Vivi Fluminense. Comecei a escrever sobre aquela trajetória, já, em algum momento, confrontando os matemáticos com base em fatos e dados concretos. Começava ali verdadeiramente a minha carreira de jornalista, dezessete anos depois de ter celebrado a graduação.

Fred, depois de um longo período ausente por lesão, ressurgiu em campo como um messias. Ao final daquela temporada, já tinha escrito história suficiente para nunca mais ser esquecido. Mas a história estava apenas começando. Foi fundamental naquela arrancada inicial do Campeonato Brasileiro de 2010, antes de se lesionar e voltar só no final da campanha do tri. Entre o segundo semestre de 2011 e o final de 2012, viveu, talvez, sua melhor fase na carreira, se consagrando como artilheiro do Campeonato Brasileiro de 2012 e ícone de uma conquista formidável: a do tetracampeonato.

Àquela altura eu já nem via mais jogo. Tudo era só euforia. O Fluminense vencia por 3 a 0 e, de repente, veio aquele frisson no Maracanã. Um berro vindo de todos os cantos da arquibancada anunciava a entrada dele, seguido do famoso canto “O Fred vai te pegar”, do qual reivindico a autoria, mesmo sem ter muita certeza de ter sido a mente brilhante a ter criado um dos cantos mais icônicos da história do futebol. Não sei de um jogador que tivesse um canto próprio que atravessasse mais de uma década, para ser entoado euforicamente após um dos momentos mais emocionantes da história do Maracanã.

Recorro ao vocábulo do não menos icônico Abel Braga para expressar a minha experiência. “Foi lindo”. “Surreal”. Recusando-me a acompanhar o jogo pelo telão do estádio, eu driblava com movimentos frenéticos, de quase desprender a cabeça do pescoço, os corpos que se agitavam à minha frente. Consegui ver o passe de Martinelli (que jogador!) e aquele movimento característico, aquela recuada ante a possibilidade do gol, e aquele arremate fácil de reconhecer. A rede balança e um urro assustador estremece a arquibancada. O Felipe Ufo, que parecia submerso em um olhar vidrado pergunta: foi do Fred?

Verdade seja dita, meus esforços foram suficientes apenas para entender que o movimento e o arremate não poderiam ter sido de outro jogador. Cravei: foi. Afirmação desnecessária, porque logo o telão do Maracanã estampou aquela imagem: Fred. E o Ufo caiu de joelhos, se debulhando em lágrimas. É claro que não vi a correria desatinada do Fred, incapaz de conter a imensa emoção. Tudo que se dava ali eram abraços emocionados, com lágrimas banhando o momento e cravejando o encantamento de uma tarde divinal.

Ninguém sequer deu pelo apito final. Ninguém se lembrava de ir embora. Era uma celebração do amor ao Tricolor, o Prêmio Nobel do Esporte. Mas vocês pensam que acabou? De jeito nenhum. Voltando para casa, já dentro do ônibus, conversava com tricolores, que foi o que me restou depois de ter perdido toda a família no meio daquele êxtase coletivo, dizendo que iria para casa para secar o Palmeiras.

Chegando no prédio, passei na cantina para beber uma cerveja e esperar que o reencontro acontecesse. A primeira a chegar foi minha mãe, completamente extasiada. A vizinha vascaína conta que chorou vendo aquele momento que fez o Ufo desabar em prantos de felicidade.

Felicidade, meus amigos, minhas amigas! Felicidade!

Diniz fez boas escolhas, substituindo Nonato e Luís Henrique por Martinelli e Matheus Martins, mantendo o modelo e a pegada tricolor. Um susto no começo do jogo e foi só. O Fluminense foi senhor absoluto da partida, exceto no início do segundo tempo, quando pareceu acomodado e dando campo ao Corinthians. Imagino que Diniz não tenha gostado nada disso e os impropérios que tenham vindo da lateral do campo. O Fluminense voltou a se aprumar em campo e liquidou a fatura com jogadas de almanaque.

Jhon Árias é a melhor contratação de 2021, da qual só nos demos conta em 2022. Cano é um milagre em forma de artilheiro. Ganso tem andado até discreto, comandando a orquestra. André? Deixa pra lá. Samuel Xavier atua de forma monstruosa. Não dá para falar de todos. Todos foram muito bem.

A última alegria da noite, a cereja do bolo, foi o segundo gol do Athletico em cima do Palmeiras. “Estou sonhando”, eu pensei. O Palmeiras não é imbatível. Se a conquista do Campeonato Brasileiro parecia um delírio diante da regularidade palmeirense, cinco pontos descontados em uma semana e os mesmos cinco de distância para o líder mudam muita coisa. Muito embora tenhamos que ser realistas. Ainda é o time que tem o mesmo treinador há mais de dois anos e joga um grande futebol. É muito provável que tenhamos momentos de instabilidade ao longo do que ainda falta da temporada.

Por outro lado, o futebol que o Fluminense joga atualmente nos credencia no mínimo a sermos reconhecidos como postulantes ao título do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil. Não sei se essa é a onda perfeita, mas suspeito que sim. Chegamos essa semana ao sexto lugar no ranking de sócio-torcedor. O Maracanã vive intensamente sua vocação de receber a Mais Extraordinária Força Popular do Planeta. O Fluminense joga o melhor futebol do Brasil. Melhor que o do Palmeiras, mas vamos cumprindo a jornada passo após passo, curtindo esse momento especial.

Saudações Tricolores!