A Fifa não tem culpa (por Walace Cestari)

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1. A Fifa não obrigou o Brasil a sediar a Copa do Mundo

Lá pelo ano de 2006, a Argentina, a Colômbia e o Brasil pleitearam junto à Conmebol o direito de sediar a Copa do Mundo, respeitando o revezamento entre os continentes que a Fifa estabelece. Ainda em 2006, os outros países atenderam ao apelo brasileiro e retiraram suas candidaturas. Canadá e Estados Unidos também demonstraram interesse e foram candidatos potenciais em caso de falhas na organização brasileira.

Antes de encerrar-se o prazo das inscrições para país-sede, o próprio Joseph Blatter avisara que o Brasil não possuía nenhum estádio em condições para receber jogos da Copa do Mundo. Ainda assim, o país candidatou-se e concordou com as exigências da Fifa, coisa que, por exemplo, foi por demais negociada na Copa da Alemanha, cujo governo recusou-se a uma série de intervenções que a federação de futebol julgava necessária. Já os mandatários brasileiros concordaram com as cláusulas do contrato.

2. A Fifa não exigiu milhares de obras

A Fifa elenca no seu rol de exigências as estruturas necessárias à operacionalização dos jogos. Aeroportos com capacidade de receber o público estimado, infraestrutura de hospedagem e facilidade no acesso aos estádios dos jogos. A Fifa não exigiu projetos mirabolantes de trem-bala, VLT, criação de estradas, duplicação de ruas, sistemas integrados de transporte, linhas de metrô ou qualquer coisa parecida. Fechamento de ruas e mudanças de mão (que, de fato, é o que irá ocorrer), já atenderiam aos requisitos da Fifa.

Percebam que a Fifa exigir bons aeroportos, por exemplo, só é absurdo porque percebemos que, durante todo esse tempo, nós não exigimos bons aeroportos! Não é a Fifa quem deve exigir, somos nós! O absurdo não é a exigência, mas o fato de aceitarmos que nossos aeroportos sejam horrorosos, que a mobilidade urbana seja caótica, que não haja linhas de metrô ou ônibus em número suficiente! E, mais que isso, as promessas dos políticos foram, mais uma vez, meras promessas, pois nada ou muito pouco foi realizado.

3. “Queremos padrão Fifa na saúde e na educação”

O tão falado padrão Fifa é algo que deveria ser copiado, não criticado. A Fifa, dona do produto que comercializou com o Brasil, exige que esse produto deve atender a requisitos estabelecidos por ela. É como abrir uma franquia do McDonalds: você gasta muito dinheiro, mas não pode opinar em muita coisa; o leiaute da loja é padronizado e não dá para colocar aquela fatia a mais de queijo no Big Mac. E, se você oferecer algo fora do padrão, você pode perder sua franquia.

O problema não é que a Fifa exija os padrões para os estádios da Copa, por exemplo (ainda que eu critique esses critérios, mas não é este o ponto), é que não temos padrão algum para qualquer serviço público do país. E, os poucos que existem, não cobramos que sejam cumpridos nem mesmo acompanhamos! Qual o padrão de qualidade da educação pública? Quanto tempo deve demorar o atendimento de uma ambulância? Quantos médicos por habitante deve ter uma cidade? Qual infraestrutura deve ter um hospital? O quanto há de verbas para essas áreas? O quanto efetivamente é gasto? Tenho certeza de que, se buscarmos algumas dessas respostas vamos nos surpreender.

Para que ninguém pense que é exclusividade do governo brasileiro atender ao padrão Fifa, vale dizer que até a Nestlè, que decidiu produzir um chocolate na forma da Taça Fifa, foi obrigada a adequar sua produção aos requisitos da federação.

4. “A Fifa é uma organização internacional que visa apenas o lucro”

Sim, de fato, essa é uma verdade. Assim como a Apple, o McDonalds e a Coca-Cola, para citar apenas algumas. Afirmar que não vai colecionar figurinhas da Copa ou assistir aos jogos por esta razão é o mesmo que dizer que você não terá um telefone celular, não fará compras em grandes redes de supermercado, não beberá cerveja ou refrigerante ou não acessará – por meio de sua operadora de telefonia ¬ as redes sociais, já que praticamente todas são empresas (quase todas multinacionais) que visam apenas o lucro na comercialização de seus produtos.

Ora, acusar o sistema capitalista de produção de não ter retorno social é algo com o que concordo totalmente. Sou contra, inclusive, a propriedade privada dos meios de produção, mas entendo que não vivo no mundo que desejo, que as regras do país são essas e que eu não sou franciscano ou eremita para fazer voto de pobreza e isolar-me em alguma caverna.

Sobre a Fifa defender os direitos e patentes de seu produto, dentro da lógica econômica atual, não é de se estranhar. Tente você abrir uma lanchonete e ostentar arcos dourados na fachada para ver o que acontece. Não sejamos tolos: as empresas fazem isso porque a pirataria existe e, no modelo de sociedade em que vivemos, isso é contra a lei. Mesmo assim, basta uma visita nas feiras populares do país que você encontrará uma série de produtos “alternativos” com a marca da Copa.

5. No centro do alvo há ternos e gravatas

Não quero dizer com tudo isso que não deve haver protestos, pelo contrário! A Copa é uma excelente oportunidade para essa gente mascarada mostrar seu valor! Assim como houve protestos em todos os países que sediaram a Copa, chegou nossa vez de mostrar que não somos um povo passivo, que a situação do país não é boa e que exigimos melhores condições de vida. O ponto, no entanto, é protestar contra quem? Contra a Fifa? Ora, como isso é ilógico! Não é a Fifa a responsável pela má educação, saúde e segurança nas cidades, são nossos governos, não nos esqueçamos disso.

Devemos cobrar dos governos federal, estaduais e municipais tudo o que nos prometeram e não cumpriram. Nossa obrigação é mostrar a incompetência do poder público não só nas “obras da Copa”, mas no descaso contínuo e constante com o bem-estar da sociedade. Fazer isso na Copa é mostrar ao mundo que não estamos satisfeitos e isso é sensacional. Focar a crítica na Fifa é, de certa forma, aliviar os governos de suas responsabilidades. Um estádio não custou mais de um bilhão por culpa da Fifa!

Entendamos isso e separemos uma coisa de outra. Quem gosta de futebol não é alienado e pode protestar, xingar os governos, exigir melhores condições e parar em frente à tevê para assistir a um bom jogo de futebol. Que as arquibancadas e milhares de pontos de encontro da torcida brasileira sirvam como fator aglutinador para discussões sobre que país queremos. Que nos abracemos por um Brasil melhor. E por muitos gols também.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Foto: http://fifa.com/

3 Comments

  1. Não sei se a revolta popular é bem por esses motivos. A revolta é pelo fato de terem nos dito que os investimentos seriam privados. Que existiria um legado. Que o governo não investia em saúde, segurança e educação porque não tinha dinheiro. Agora descobrimos que são todas mentiras deslavadas. A revolta é contra o governo, eu particularmente não estou contra a FIFA. Mas se fizerem um protesto, engarrafar tudo e alguma seleção não conseguir chegar à tempo no estadio será lindo…para nós povo.

  2. Certíssimo Cestari,
    o povo acaba trocando as bolas, o fato da FIFA ser corrupta, safada e cheia de patifes que tocam o business futebol, não tem relação de causa/efeito nenhuma com seus similares corruptos, safados e patifes que compõem a grande maioria de nossa classe política. Mas que tem treta de milhões para cá, milhões para lá, difícil não acreditar, esses caras são capazes de se entenderem pelo olhar, de fatiar o jogo sem combinar, craques na arte da patifaria, mas 100% a FIFA não é o…

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