A cegueira e a falta de visão (por Marcus Vinicius Caldeira)

1.

Por três anos, tive o prazer de tocar numa roda de samba informal no Bar do Momo, famoso pé sujo tijucano na General Espírito Santo Cardoso, frequentado por Aldir Blanc, seu pai – Seu Ceceu, Seu Montauri que com oitenta e brau, bebia, fumava e quem sabe fazia outras coisas mais… E por um monte de gente boa. Era um oásis na Tijuca. Eu era “cego” no cavaquinho; ali aprendi tocando.

Pois bem, entre frequentadores sensacionais do Momo e da roda aos sábados, estava Mário André (foto acima). Descendente de espanhol ou espanhol (não me lembro agora), culto, tocava violão para caramba, uma voz exuberante e… Cego.

Uma figura espetacular.

2.

Mário André enxergava até os dezoito anos. Era do juniores do Botafogo. Numa trombada com um zagueiro adversário perdeu parte da visão em uma vista. Foi operar, e perdeu a visão dessa vista por completo. E depois a outra.

Para muitos seria uma tragédia. Tudo depende como as pessoas encaram os problemas. A torcida do Fluminense, por exemplo, resolveu achar que esse time é ruim e não foi nem em mil ao Fla-Flu. Uns encaram de frente, outros se suicidam.

Para Mário é como não se tivesse acontecido nada. Bebia, fumava, namorava, tinha filhos, tocava na noite, tinha uma barraquinha de incenso na esquina da Espírito Santo Cardoso com Uruguai e comanda até hoje um programa de música na Rádio Roquete Pinto.

Perdeu a segunda esposa. Casou de novo.

Vida normal.

Vida que segue.

3.

Eu chegava cedo no Momo. Fome de tocar. Os velhinhos já estavam lá. Paulo Cesar que tocava surdo chegava, e depois Gláucio e seu contrabaixo possante e a roda começava. De repente, era a vez do Mário cantar e tocar… E tome Chico, músicas autorais, Aldir Blanc, Mauro Duarte, as vezes rolava até Piazzola e Gardel. Ele era fantástico!

Volta e meia falava para mim: “Vininha, fulana está chegando”. Era uma ex-namorada. E eu adorava ser chamado de Vininha (apelido de nada mais, nada menos que Vinicius de Moraes). Sabe como ele sabia que ela estava chegando? Pelo perfume. Incrível. A velha capacidade do ser humano de se adaptar. E confesso que ficava com ciúme: “que filho da mãe, conhece o perfume da minha namorada”… Mas, depois passava.

4.

Um dia fomos tocar na Casa dos Poveiros na Tijuca. Errei o caminho. Mário estava no carro. Resmunguei. Ele para mim: “Vininha, está perdido”? Respondi que sim. Perguntou: “Onde estamos”? Disse a rua para ele. Como um GPS moderno, ele me deu a rota.

Sim, pessoal, fui guiado por uma pessoa cega. De boa, Mário enxergava mais que qualquer um e a sua cegueira nunca foi empecilho para nada.

5.

Comecei a cursar o TEPEM (curso de teoria e percepção musical da UniRio). Não pegava em instrumento. Só partitura, solfejo e tal. Mário queria fazer. Pensei, “como ele vai estudar se tem de escrever em partitura e tal”?

Fui conversar com a professora coordenadora do curso e esta lhe negou a participação. Não sabia como dar a negativa a ele. Criei coragem e falei. Me respondeu: “deixa quieto, o azar é o deles”!

Em verdade ele não precisava daquele curso. Sabia música, notas e cantava como ninguém. Para mim foi luxo, para ele seria só preenchimento de tempo.

Mário é uma pessoa fantástica. Sinto falta daquele tempo e da convivência com aquele espanhol, botafoguense e salgueirense.

6.

Antonio Leal não é cego. Enxerga muito bem e tem uma visão de mundo espetacular. Tricolor de carteirinha e coordenador do sensacional Cinefoot (mostra de cinema só com filmes sobre futebol) uma figura ímpar.

No Fla-Flu ele observou dois jovens, um deles cego, Felipe. Antonio, amigo de Felipe, o acompanhava no jogo. E segundo Antonio Leal ele transmite o jogo, o que ocorre na arquibancada, tudo para seu amigo que vibra e se emociona como se tivesse enxergando o jogo e todo seu redor.

Fantástico!

Só tinham mil tricolores (infelizmente somos uma torcida que só vai na boa, é histórico). Mas, de boa, esses dois valeram por dez mil.

Epílogo.

Vivemos tempos difíceis. Muita gente que enxerga muito bem, sem visão total. Muito imediatismo. Muita politicagem no clube. Gente que perdeu a eleição e quer incendiar Roma. A gestão tenta ser transparente e pessoal faz clima de ódio contra presidente e seu grupo político. Pode discordar, é de cada um, mas clima de ódio não dá! E além disso, 2019 está muito longe.

Óbvio que o torcedor tem o direito de contestar, reclamar, pensar de outra forma e tal, é soberano!

Mas, para os que querem fazer política e antecipar 2019, é preciso tomar muito cuidado.

A falta de visão de quem tem a vista muito boa traz mais obstáculos que a cegueira para muitos. Estão indo cedo demais ao pote. Necessário um Boston Medical Center para tratamento, pois nesse caso  o prazer muito rápido.

E depois?

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @mvinicaldeira

Imagem: vin

5 Comments

  1. Bom dia Marcus,

    Ótimo texto e,acima de tudo,ótimas historias.

    A respeito das questões politicas,muito ego na direção do nosso tricolor,qualquer um minimamente esclarecido consegue perceber…Mas qualquer tricolor minimamente esclarecido também não deveria perceber que todas as promessas e informações do Flusocio,principalmente do ultimo mandato Peter,são falsas?

    Que os tricolores não entendam mal,Abelão e a molecada de Xerem merecem nosso apoio acima de tudo mas o Fusocio tem que ser…

  2. Preferível sofrer algumas tristezas pela falta de experiência dos garotos, que morrer de raiva com o descompromisso de alguns milionários entediados de outras épocas.

    ST

  3. nao sei o que foi pior,o nao comparecimento da galera no flaxflu ou o vergonha time sem vergonha contra o gremio.

  4. Tenho ido a praticamente todos os jogos, compareci a todos os flaxflus. E revoltante ver o quase nenhum comparecimento da torcida. Politicagem burra. O time merece muito apoio. Os meninos(assim como os outros) dão a alma.

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