1984 – XVII (por Mauro Jácome)

1984 – Capítulo 17 - O Jogo

1984 – Capítulo 17 – O Jogo

A saída é do Vasco. Roberto e Arturzinho vão rolar a bola. Romualdo Arppi Filho apita e começa a decisão.

Desde o início, o Vasco procura encurralar o Fluminense, que monta o seu eficiente bloqueio. O Vasco força pela esquerda com Aírton. Tato recua para ajudar Branco e, também, para arrancar nos contra-ataques.

5:00 Na intermediária do Vasco, Aldo corta para o meio e sofre falta. Jandir faz o centro, mas a cobrança sai muito fechada. “Era aqui”, aponta Assis, que estava mais aberto.

5:30 Mário, na esquerda, tenta passar por Aldo. Não consegue, toca atrás para Mário, que cruza e Artuzinho finaliza de chaleira, mas a bola vai longe do gol de Paulo Vítor.

6:00 Branco sofre falta pelo lado esquerdo. Romerito se prepara para a cobrança. Os atacantes tricolores posicionam-se na área vascaína. O paraguaio bate fechado, a bola passa raspando na cabeça de Washington e cai nas mãos de Roberto Costa.

7:00 Escanteio para o Vasco. Arthuzinho cobra na pequena área. Paulo Vítor sai mal e Ivan quase consegue cabecear. A torcida do Vasco grita seu primeiro “uuuuuuuuuuu”.

7:40 O jogo está parado, falta para o Vasco, Aldo segura a bola, Roberto tenta tomá-la e agride o lateral do Fluminense. O árbitro dá cartão amarelo para Roberto. É o seu terceiro no campeonato e, caso haja um terceiro jogo, Roberto estará fora.

9:00 Falta na ponta-esquerda, quase na bandeirinha de escanteio. A bola é cruzada na área, Roberto sobe mais que a zaga tricolor e cabeceia rente ao ângulo esquerdo de Paulo Vítor.

O Vasco adianta seu time e força, quase sempre, pela esquerda. O jogo é truncado e acontecem os primeiros desentendimentos. Um reclama daqui, outro empurra dali.

12:00 Numa saída de bola do Fluminense, Assis vem buscar o jogo e Daniel González o acerta. Falta dura e amarelo para o uruguaio. Mais um que, se tiver o terceiro jogo, estará fora.

20:30 Tato entorta Edevaldo, que o segura e rasga sua camisa. Romualdo marca, mas não dá o cartão. Romerito cobra muito alto.

22:00 Escanteio para o Vasco, pela direita. Edevaldo cobra rápido para Jussiê, que cruza. Roberto mata no peito e ajeita para Mário, que bate de primeira. A bola passa raspando o gol de Paulo Vítor. Quase gol do Vasco. A sorte foi que a bola caiu no pé direito de Mário.

O Vasco domina o jogo. Chega com facilidade pelos lados, mas abusa do jogo aéreo.

Já naquele tempo, Parreira utilizava-se das duas linhas de quatro ao ser atacado. Aldo, Duílio, Ricardo e Branco formavam a primeira; Romerito, Assis, Delei e Tato posicionavam-se na intermediária. Jandir colocava-se entre as duas linhas ou no meio da zaga. Romerito, Tato e Assis, descolavam-se quando o time recuperava a bola para puxarem os contra-ataques.

23:45 Marquinhos chega ao lado da área e cruza. Jussiê finaliza fraco, fácil para Paulo Vítor.

O Vasco é todo pressão. Aldo tem muito trabalho com Mário, Aírton e Marquinhos. Delei conversa com Parreira, que orienta Jandir a ajudar o lateral. O técnico também pede que apertem na marcação sobre Arturzinho, que está jogando livre na intermediária tricolor.

A partir dos 30 minutos, depois das alterações táticas, a marcação tricolor melhora, a pressão diminui e jogo fica no meio-campo. O Vasco esbarra na muralha tricolor.

31:00 Marquinhos cai na entrada da área tricolor, Romualdo faz sinal que ele se jogou. A bola cai com Washington pela direita. Em velocidade, o atacante ultrapassa a linha central e lança Assis, em diagonal, que bate da meia-lua, mas Ivan trava. Bom lance do Fluminense.

33:00 Aldo, numa disputa no meio-campo, pisa em Mário. O tempo fecha. Os vascaínos cercam Romualdo e juram Aldo. Amarelo para o lateral tricolor.

O jogo diminui o ritmo. O Vasco não tem espaços. A marcação do Fluminense é forte.

39:00 Lançamento longo para Roberto, Paulo Vítor sai da área, corta com os pés, mandando a bola na geral. A torcida tricolor gosta e aplaude o goleiro.

O jogo vai se encaminhando para o intervalo. O Vasco fica mais tempo com a bola e troca passes, mas o Fluminense fecha os caminhos ao gol de Paulo Vítor.

45:00 Mário reclama de um impedimento marcado e toma amarelo. É o terceiro e, se tiver um jogo-extra, também estará fora.

Fim do primeiro tempo. O Vasco dominou as ações na etapa inicial. Até os 30’, o Fluminense estava vulnerável, principalmente, pelo lado de Aldo. Parreira ajustou a marcação e o time conseguiu afastar o Vasco do gol de Paulo Vítor. A principal arma tricolor, o contra-ataque, foi utilizada em poucas oportunidades. Jogo tenso, alguns lances ríspidos, empurra-empurra, mas Romualdo Arpi Filho, experiente, soube conduzir bem.

Os dois times voltam sem alterações. Assis e Delei em volta da bola, Romualdo apita e o jogo recomeça. A renda é anunciada: Cr$ 638.160.000,00, com um público de 128.781 torcedores.

2:00 Edevaldo cruza da direita, Roberto, numa de suas jogadas características, ajeita de peito, Marquinho bate da entrada da área, mas isola.

3:00 Aírton vem em velocidade, entra na área, corta para o meio e bate. A zaga tricolor chega e consegue desviar para escanteio. Perigo.

Pressão do Vasco. A torcida tricolor ensaia um “À Beeeeeeeenção João de Deeeeeeeeus”.

4:30 Tato puxa um bom contra-ataque, mas quando chega perto da área, cruza baixo e a zaga corta. Assis aguardava, livre, um cruzamento mais alto.

O jogo é bom, eletrizante. O Vasco força, o Fluminense se defende.

5:30 Aírton avança pela esquerda e cruza. A bola passa por Marquinhos, que fechava na pequena área, também por Paulo Vítor e sobra para Roberto. O atacante, livre do outro lado, bate para fora. Quase gol do Vasco. A melhor chance do jogo.

Surge um “Vaaaiiiissshhhcccooo” no ar. Os tricolores respondem. O barulho é ensurdecedor.

A partir dos 10’, o Fluminense se acalma e começa a ter espaços para os contra-ataques.

12:30 Falta para o Fluminense pela meia direita. Duílio bate forte, mas a bola sobe muito.

14:00 Roberto e Branco se estranham na área. Branco fica caído. O Fluminense vai para cima de Roberto e reclama de uma agressão. Romualdo consulta o auxiliar, mas segue o jogo.

Romerito, bem marcado, participa pouco do jogo, mesmo assim, quando tem a bola nos pés, esbanja categoria. Paulo Vítor gasta o tempo.

22:00 Branco arranca em velocidade e em diagonal. Passa por um, dois, vem o terceiro e o atropela. Assis bate a falta rápido. Aldo, de passagem por Aírton, vai ao fundo, cruza. Washington prepara-se para concluir, mas a zaga chega e raspa, cedendo o escanteio.

Branco cresce no jogo.

25:30 Jandir segura Arturzinho, toma amarelo. Empurra-empurra. Delei pede o grito da torcida tricolor. Mário, idem. As duas torcidas sobem o tom.

O Vasco vai para o tudo-ou-nada. O centroavante Marcelo entra no lugar de Jussiê. O Fluminense, melhor distribuído, vai trocando passes e tomando conta do jogo.

31:00 Washington arranca, mas Daniel González faz a obstrução na entrada da área. Falta. Duílio se prepara. “À Benção João de Deus” sobe. A bola vai forte, mas sem direção.

34:00 Delei lança Aldo, livre. O lateral avança e cruza, A bola passa alto. Washington acredita, corre e dá uma bicicleta para o meio da área. Ninguém chega e zaga corta.

35:40 Washington é lançado, mas Ivan chega e corta para o fundo. O escanteio vai fechado, sobra para Assis, que chuta, mas Roberto Costa abafa. Novo escanteio para o Fluminense.

Só dá Fluminense.

37:15 O Fluminense recupera, Delei faz belo lançamento para Tato. O ponta encara Edvaldo, dribla e cruza. A bola passa e sobra para Assis, que, livre na segunda trave, percebe a saída de Roberto Costa e tenta colocar por cobertura, mas a bola não ganhou altura. O goleiro corta. A torcida fica em pé. A respiração do Maracanã para. O silêncio é absoluto. Assis pega o rebote, dá um giro no corpo e toca o meio da pequena área. Washington cabeceia. Vai ser o gol do Fluminense, da vitória, do título. A bola vai entrando e a torcida tricolor abre a boca para soltar o grito de gol, de “é campeão”. A bola viaja. A rede se prepara para balançar. Aírton corta em cima da linha. Que chance. A torcida do Vasco respira. O pulso ainda pulsa.

39:00 Falta na entrada da área. Washington se encarrega da cobrança. A bola bate na barreira. Escanteio.

40:00 A defesa do Vasco corta e Roberto é lançado no círculo central. Duílio chega e faz carga no atacante. Falta. O Vasco tem pressa. Mário cobra rápido para Artuzinho. O ex-tricolor avança pela intermediária e toca para Marcelo na entrada área. Branco sai na marcação. Marcelo puxa para o meio e atrai o lateral do Fluminense, Arthuzinho corre e passa pelo espaço aberto, lado direito, quase bico da grande área. Pede a bola e recebe. Perigo. Agora é a torcida do Fluminense que gela. Tudo é medo. Os punhos cerram-se. As lágrimas apontam nos cantos dos olhos ante o fim do sonho daquele domingo. Eu estava lá. Eu sei o que se passou com todos aqueles tricolores que, juntos comigo, sofreram naquele lance. Para uns, a vida entrando contra seu próprio gol. Arthuzinho, cara-a-cara com Paulo Vítor. O goleiro fecha o ângulo, mas ainda tem muito gol para a bola. O meia-atacante vascaíno chuta cruzado e o goleiraço tricolor defende com a perna direita. O grito do nosso lado. Era como se fosse um gol. Ali, a certeza do título.

43:00 O Fluminense, refeito do susto, recupera a bola. Washington desloca-se pela esquerda. Delei vê o atacante tricolor e lança. O camisa 9 arranca e percebe Assis entre os zagueiros vascaínos. A bola sai precisa. Assis recebe, mas não bate de primeira, deixa-a passar por entre as pernas para se livrar da marcação, vira o corpo, ajeita e bate rasteiro. Roberto Costa, pego no contrapé, só torce. Caprichosamente, a pelota, como diriam os mais antigos, raspa a trave e sai pela linha de fundo. Mais uma grande chance de o Fluminense sacramentar o título.

Em 6 minutos, o Maracanã viveu as grandes emoções do jogo. Aquele pequeno espaço de tempo foi um exemplo infinitesimal de tudo que passara por aquele gramado. Naquele 27 de maio de 1984, 18 horas e 49 minutos, as arquibancadas, cadeiras e geral sentiram o porquê de o Maracanã ser a essência do esporte chamado futebol. Os primeiros gritos de “É Campeão” começavam a ecoar. De poucos até se tornar uníssono. Eu estava lá. Eu não ouvia minha própria voz. Sei que gritava tudo que podia, mas era surreal. Parecia viver um sonho em que você não consegue comandar sua própria vontade. Gritava, mas não me ouvia. Um turbilhão de vozes, mas não conseguia distinguir a minha. Lembro-me como se fosse agora. Um arrepio tomou conta do meu corpo.

O Vasco tenta as últimas cartadas. Vai com tudo, no desespero. O Fluminense se fecha mais. Paulo Vítor fica com a bola, enerva o Vasco. Roberto corre em cima do goleiro tricolor e chuta-lhes as pernas. Mais empurra-empurra. Os nervos estão além da pele.

45:30 O Fluminense não quer mais jogo. Tem a bola, procura as faltas. O Vasco, nervoso, desesperado, cai na armadilha.

47:00 O Vasco tenta pela direita. A bola some por entre uma multidão de repórteres à beira do campo. A bola vai para a linha de fundo protegida por Duílio. Paulo Vítor vai buscá-la, mas não há mais tempo. O árbitro levanta os braços e encerra o campeonato.

FLUMINENSE FOOTBALL CLUB, CAMPEÃO BRASILEIRO DE 1984!

O sonho: não sabia se pulava, se gritava, se chorava. As emoções fazem isso e tiram qualquer traço de racionalidade. Naquele momento, somos tomados por sentimentos que nenhum ser, por mais humano que seja, consegue descrever.

O fato: ao apito final, pulei, fui alto. Ao descer, escorreguei no cimento liso das arquibancadas do Maracanã. Desci uns três lances. À frente, havia um casal de tricolores. Dei um carrinho, por trás, na mulher e levei-a, no colo, por mais uns degraus. O marido, namorado, amante, sei lá, desceu desesperado em busca de sua amada roubada por mim. Meu sangue gelou. Que fim trágico em meio à festa! O rapaz se abaixou, segurou nossas mãos e colocou-nos de pé. Imaginava-me esfaqueado, degolado, morto. Via-me abraçado aos dois, pulando e comemorando o título do Fluminense. Nada, naquele momento, estragaria a felicidade daqueles quase 80 mil tricolores. Só as vitórias salvam.

FICHA TÉCNICA

FLUMINENSE 0 X 0 VASCO DA GAMA

Fluminense: Paulo Victor, Aldo, Duílio, Ricardo e Branco; Jandir, Delei e Assis; Romerito, Washington e Tato. Técnico: Carlos Alberto Parreira.
Vasco da Gama: Roberto Costa, Edevaldo, Ivã, Daniel González e Aírton; Pires, Arturzinho e Mário; Jussiê (Marcelo, 27 do 2º), Roberto Dinamite e Marquinho. Técnico: Edu.

No próximo capítulo, o que se falou do título. Até lá.

Revisão: Rosa Jácome

Foto: www.oglobo.com.br

Capítulo 16: www.panoramatricolor.com/1984-xvi-por-mauro-jacome

5 Comments

  1. Grande dia.
    Uma hora antes da partida o lado da Torcida Tricolor já estava lotado e a do Vasco meio vazia nas proximidades do meio de campo.
    Se não fosse o cordão de isolamento da polícia, a Torcida Tricolor teria passado do meio de campo.
    Pensei que meu coração fosse explodir no final do jogo!

    1. Alexandre, lembra onde você ficou? Eu fiquei colado na Jovem Flu, perto da grade das tribunas. Rigorosamente, na mesma linha da linha de fundo.

  2. Que bacana à narrativa que você fez da partida derradeira!

    Só voltaríamos a vencer um campeonato de nível nacional, 23 anos depois!

    E, o brasileirão, só 26 anos, 6 meses e alguns dias depois. Com o gol do Emerson.

    E, você veja Jácome, como as coisas mudaram: após conquistarmos à copa do Brasil,

    vencemos o brasileirão 2 vezes em 3 anos. Pra quem ficou 26 anos, 6 meses e alguns dias…

    Baita diferença! Ainda bem, que voltamos a ‘doce’ rotina das conquistas nacionais.

    Mais uma vez, parabéns pela série sobre o nosso bicampeonato brasileiro!

    Esse time, essa época é inesquecível!

    Saudações tricolores ( querendo e muito ser pentacampeão ) !

    1. Obrigado, Fabrício. O interessante em rever esses jogos é perceber a sobriedade de um time. Mesmo pressionado pelo Vasco grande parte do jogo, os jogadores olhavam o adversário no olho. A confiança do time era impressionante. Também contribui, o fato de que, naquela época, os jogadores tinham mais personalidade e menos discurso vazio e/ou falsamente correto. Assis, Washington, Delei, Romerito, Duílio e até os mais novos: Branco e Tato. Os caras eram menos “instruídos” por assessorias e falavam autenticamente. Hoje, os times e a Seleção se ressentem desses líderes dentro do próprio jogo. Os times são meio que amorfos.

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